
Em todas as circunstâncias
Nesta vida, tudo tem o seu preço, resmunga uma voz pouco conformada dentro de mim, tentando desfazer o meu pensamento agradecido desta manhã.
Nesta vida, tudo tem o seu preço, resmunga uma voz pouco conformada dentro de mim, tentando desfazer o meu pensamento agradecido desta manhã.
Há pouco, lendo e relendo a encíclica “Fratelli tutti”, depois de reflectir um pouco sobre o aproveitamento que nela se faz da chamada parábola do bom samaritano, a memória fugiu-me para a cozinha da casa.
Leio atentamente o exemplo da abertura de Job à vontade de Deus, que, de modo tão absurdo para o orgulho humano, parece tê-lo abandonado às fúrias da inveja de Satanás.
Desta maravilhosa conversa de Deus com Noé, retenho duas frases: «nunca mais um dilúvio devastará a terra». «Farei aparecer o meu arco sobre as nuvens, que será um sinal da aliança entre Mim e a terra».
Sobre a mesa tenho vários papéis – coisa que agora não se usa muito, mas que me faz grande falta, apesar de usar, ainda que mal, outros meios de escrita – tenho sobre a mesa vários papéis…
Na minha aldeia, onde nasci e cresci até bem entrado na adolescência, que era, pelo menos na sua estrutura sócio – cultural, profundamente cristã, não se falava do destino, mas ia-se dizendo, quase no tom de quem fornecia a chave – mestra para abrir todas as portas que davam para o significado mais profundo dos mistérios da vida: tinha de ser… estava destinado, estava escrito, não havia volta a dar-lhe.
Desde a mais tenra infância – quando eram sobretudo as lágrimas dos adultos que me comoviam – até à idade adulta, quando o sofrimento alheio acabava sempre por me parecer maior que o meu: tantos momentos em que pressentia que o que Deus me pedia era mais coração que discursos, que nunca me pareciam adequados diante da dor alheia.
Assim, a veste nupcial não pode reduzir-se ao estado de graça necessário para a comunhão sacramental, e torna-se mais compreensível a severidade do senhor do banquete para com o convidado que ousou entrar nele sem essa veste.
Também quando se arrepende, quando abre o coração à dor pelas suas infidelidades, o padre tem de ser sacerdote, de mãos erguidas para Deus, oferecendo-Lhe a dor que sente.
O dia acordou com um certo ar de tristeza: no horizonte, de certo modo dissuasórias, algumas ameaças de chuva, com temperaturas pouco entusiasmantes, para a época do ano em que nos encontramos; mas o sol irrompeu pouco depois, como que cantando vitória sobre as nuvens, para que se tornasse mais amena a temperatura e mais vivo o verde onde cantavam os passarinhos do parque.
A pneumónica! Ouvi muitas vezes falar dela a minha mãe, que contava como, para espanto meu, todos os dias percorria, de baixo acima, a aldeia onde nascera, para ajudar, como podia, os doentes, que, em muitos casos, eram todos os membros da família.
É uma Primavera contida, como contidos têm de ser todos os nossos movimentos, interiores e exteriores, nesta primeira fase de “desconfinamento”; assim lhe chamaram os técnicos, obrigando-nos a uma nova ginástica, para conseguir a harmonização da língua com os acidentes da vida.
Vemos assim que a cultura de um povo tem muito mais a ver com os valores de vida que as diferentes gerações se transmitem do que com o que se aprende nos livros: é por isso que há muitos cientistas que não têm cultura, e muitos analfabetos de extraordinária cultura.
Arrumar pequenas coisas que se foram deixando fora do lugar, e a limpeza da casa, em profundidade, como antigamente se fazia pela Páscoa, pelo menos na minha aldeia.
Para mim, o padre Gaspar foi muito mais do que um amigo que agora parte. Só não digo para sempre, porque a fé que ele me ajudou a cultivar e a viver, me garante que a eternidade, com a morte, se vai tornando mais próxima, à medida que se quebram as barreiras do tempo e do espaço.
O brilho do sol torna-se mais fascinante, quando me lembro de que não tenho permissão para sair à rua, até novas ordens em contrário: parece tentação; agora, quando não posso, é que me apetece mais sair.
Era quase um slogan publicitário: comecei a ouvi-lo ainda muito jovem; mas vim a topar com ele sobretudo a partir do início dos meus estudos,
Becket, em fuga diante da fúria de Henrique II, entra em oração; e que pede ele a Deus? Que o livre da tentação da santidade!
na minha perspectiva de criança e adolescente, apresentava-se bastante mal vestido e segurava um cordeirinho, que, esse sim, me encantava
Pois, meu caro Santo Antão, ainda que estejamos todos muito agradecidos a Deus por tua tão longa vida – cento e seis anos, nessa época, era pouco comum – tenho de te dizer que isso não me parece demasiado importante