O Bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, presidiu à celebração da Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, na cidade, com milhares de fiéis a responderem ao convite para a participação especialmente significativa neste ano de Centenário da Restauração da Diocese.
A diversidade das paróquias e comunidades fica especialmente patente nas bandeiras que identificam cada uma, em geral com a imagem do respetivo padroeiro, abrindo a procissão com esse rol de múltiplas identidades. Este ano, juntaram-se a este colorido as bandeiras que cada comunidade preparou para a Festa da Fé, também elas expressão da riqueza de dons, carismas e sensibilidades desta Igreja particular.
A massa dos fiéis que as segue – leigos, religiosos ou padres; dirigentes de movimentos e serviços, membros de confrarias e associações ou “anónimos” paroquianos; crianças, jovens, adultos ou idosos – surge como sinal de que todos se identificam e sentem como constituindo um só corpo, em igualdade de comunhão e corresponsabilidade. Pelo meio, a música das filarmónicas, dando tons de festa e, ao mesmo tempo, de solenidade e convite à oração contemplativa.
Por fim, sob o pálio, a cabeça e razão de ser de todo este organismo vivo que serpenteia pelas ruas da cidade: Jesus Cristo, realmente presente na Eucaristia, “em corpo, alma e divindade”, como reza a oração antiga ensinada pelos avós de há séculos.
De facto, é assim há séculos. Começou por ser resposta natural de um povo que faz transbordar a sua fé para as praças, sobretudo em momentos de mais alegria e de celebração dos maiores mistérios divinos. E nem mesmo a proibição dos tempos históricos adversos, que a obrigou por anos a conter-se dentro dos templos, a fez esmorecer. Talvez já não seja tão evidente, dizem alguns. Mas está lá e é grandiosa na sua manifestação, como se viu neste dia 31 de maio de 2018 da festa do “Corpo de Deus” em Leiria.
Isto, num ano especial, que recorda precisamente a caminhada de um século após o renascimento das cinzas desta Igreja particular, extinta à força das leis humanas por mais de três décadas. Falou mais alto a história dos séculos em que esta procissão encheu ruas e largos junto ao Lis, provavelmente ainda antes dessa também histórica data de 22 de maio de 1545, em que este povo e este território foram constituídos em Diocese.
Reunir, caminhar e ajoelhar
Mas, ainda antes da procissão, tudo começa com a Eucaristia, em que se realiza, tal como na Última Ceia presidida pelo próprio Cristo há dois milénios, esse mistério, neste dia especialmente celebrado, da transformação do pão e do vinho em Corpo e Sangue do Redentor.
Já passou por muitos locais, desde os largos em frente aos antigos paços episcopais, ao adro da Sé, ao jardim central da cidade e até ao estádio municipal. Nos últimos anos, tem acontecido no jardim de Santo Agostinho, paredes meias com o templo do mais antigo padroeiro da Diocese e o primeiro seminário que nela se construiu e a serviu até à extinção. Aí se juntaram, uma vez mais, as muitas centenas de fiéis, vindos das 75 paróquias deste bispado. E aí estiveram presentes até os ausentes, lembrados na mente e no coração dos seus familiares e amigos, ou unidos em comunhão espiritual, como as irmãs e irmãos dos mosteiros de contemplação.
Para todos, a palavra do Bispo foi a de pai e pastor, que guia na fé e acompanha no caminho. “A Eucaristia não é um encontro de amigos ou de interesses, mas a reunião de amor, num corpo único, de quem partilha a mesma fé e o mesmo pão”, começou por lembrar D. António Marto. É cada vez mais importante esta vivência em “comunidade fraterna” e “vigiar para que as atuais tentações do individualismo não nos fechem aos irmãos”, defendeu o Bispo na sua homilia. E deixou à consciência de cada um as perguntas se “reconhecemos no outro um irmão” e se “acolhemos a todos nesta comunhão, sobretudo os mais necessitados”.
Só assim fará sentido “caminhar com o Senhor”, seja em procissão, seja na vida do dia a dia, “pessoalmente, em família e em comunidade”. Essa é a verdadeira procissão, para a qual “Ele nos faz levantar e nos acompanha”, na qual “não basta seguir em frente, mas é preciso saber para onde se vai, para não cair em precipícios ou perder a meta de vista”. Uma certeza existe sempre, frisou o Bispo: “Ele nunca nos abandona nem deixa sozinhos”.
A terceira atitude, continuou D. António Marto, é a de “ajoelhar em adoração, diante de Deus que celebra connosco esta aliança, selada com o Sangue de Cristo”. Ele deu o exemplo, ajoelhando-Se para lavar os pés aos apóstolos “e ainda hoje para nos lavar do pecado”. Quanto a nós, “é pela adoração que a alma continua a alimentar-se de amor, reconciliação, justiça e paz”. E é a partir da adoração que partimos, “levando o testemunho da fé para casa, para as ruas da cidade e do mundo, com o exemplo da vida”.
Povo que celebra
No final da procissão, no adro da Sé, a multidão ajoelhada recebeu a bênção do Santíssimo. Em breves palavras de despedida, D. António Marto agradeceu tão numerosa presença e testemunho de fé, partilhando a emoção com que vive esta celebração a cada ano e os pensamentos que o acompanham enquanto leva Jesus Sacramentado nas suas mãos pelas ruas da cidade.
Em ano de Centenário da Restauração da Diocese, o Bispo lembrou os “tantos fiéis que, ao longo de 100 anos, ajudaram a construir a Igreja diocesana que somos hoje”. Não apenas os que já passaram pela história, mas também “muitos dos que estão aqui, que vivem e testemunham a fé nos nossos dias, e os santos ao pé da porta, que não estão nos altares, mas podem ser os nossos familiares, amigos ou companheiros de trabalho”. Nesse sentido, apelou ao testemunho renovado às novas gerações “que vivem este mundo novo e precisam de quem lhe indique novos caminhos e modos de despertar no coração a alegria, a beleza e o conforto da fé”.
Um outro apelo foi à oração “para que Deus dê pastores à sua Igreja, em particular a esta diocese, que já foi viveiro de vocações sacerdotais e hoje atravessa a seca do deserto”. “Depende de vós e da vossa oração”, frisou D. António Marto.
Um último comentário foi para a moldura humana que observava: “este largo da Sé bem podia chamar-se, hoje, largo da comunhão”. E defendeu a importância deste sentimento e desta vivência, “num tempo em que passamos uns pelos outros a correr, sem tempo de nos olharmos nos olhos e nos sentirmos irmãos”. E o aplauso dos presentes concordou com a sua conclusão: “o mundo precisa disto, da alegria do encontro, da comunhão, da fraternidade, da fé”.
Nessa linha, ainda o reforço ao convite à participação massiva na Festa da Fé, que deverá reunir toda a Diocese nesta cidade, nos próximos dias 15 a 17 de junho.
Cardeal que fica
Novo e vigoroso aplauso surgiu quando o vigário geral, padre Jorge Guarda, lembrou a recente nomeação de D. António Marto como cardeal, anunciada pelo Papa Francisco. O Bispo agradeceu, sublinhou que “esta distinção é também vossa, de toda a Diocese” e tranquilizou os que, de tantas formas, lhe têm perguntado sobre o futuro: “descansai, que o vosso bispo fica cá, não vai embora; apenas terá mais uma missão a desempenhar ao serviço da Igreja”.
Por fim, as três filarmónicas do Arrabal, da Bajouca e da Bidoeira tocaram uma peça em conjunto e saudaram o Bispo, uma a uma, acompanhando musicalmente o dispersar da multidão.