A palavra “maravilha” foi, sem dúvida, a mais repetida por D. António Marto na sua homilia da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, popularmente conhecida por Corpo de Deus. Remonta aos séculos passados, com altos e baixos ao longo da história – incluindo tempos em que foi proibida –, a tradição de uma celebração que reúne na cidade de Leiria milhares de fiéis vindos de toda a Diocese. Repetiu-se no domingo 7 de junho, com a participação de meia centena de sacerdotes e uns dois milhares de diocesanos.
Ver: Fotorreportagem da Missa e Procissão
As sombras do “parque do avião” e a proximidade do Lis ajudaram a suportar o calor intenso desta tarde. Os fiéis espalharam-se pelo extenso recinto, sendo visível na sua maioria a expressão da fé intensa no mistério da Eucaristia que ali os conduziu. O Bispo diocesano frisaria isso mesmo na sua homilia: “Este é um dom maravilhoso de Deus, fonte de fé e de vida para a Igreja, que vive da Eucaristia”. Por mais de uma vez, repetiria que “é uma maravilha” este mistério de “Cristo deixar-se a Si mesmo em testamento na última ceia, deixar-nos o seu corpo em alimento, como expressão visível da sua pessoa, da sua vida e do seu amor”.
“Não percamos a capacidade de nos maravilharmos!”, continuaria D. António Marto, apontando para a exigência de “presença e comunhão” de cada um com esse dom de Cristo, como segredo para uma vida feliz. E remeteu à reflexão interior dos fiéis algumas perguntas: “Acredito firmemente na presença real de Jesus Cristo na Eucaristia? Tenho fé e amor a Ele? Sinto alegria em recebê-l’O? Procuro não faltar à Eucaristia dominical? Sou fiel, ou perdi o afeto por Ele?”.
Num segundo ponto reflexão, o Bispo lembrou que este é também um mistério que “leva a Igreja a sair com Cristo Eucaristia ao encontro do mundo, em todas as suas periferias”. Esse é um dos significados da procissão que integra a celebração: “Cristo percorre os nossos caminhos, e nós somos convidados a ser com Ele a alma da cidade, pão partido para todos, sobretudo os mais pequeninos: o pobre que estende a mão, o sofredor que pede ajuda, o irmão que nos estende a mão, pois neles é o mesmo Jesus Cristo que vive e se manifesta”.
Chuva de emoções
Após a Comunhão, um breve e inesperado aguaceiro saudou o início do cântico “Ó verdadeiro Corpo do Senhor”, como que a refrescar a multidão para a procissão que iria serpentear pelas ruas da cidade. A diversidade das comunidades presentes ganha expressão nas bandeiras que representam cada paróquia, tal como nos diversos agrupamentos de escuteiros e na fileira de dezenas de acólitos. As filarmónicas da Bidoeira, da Caranguejeira e das Cortes intervalam as longas filas de fiéis, ajudando ao caminhar solene, mas festivo, de quem acompanha o Senhor, nas mãos do Bispo, sob o pálio.
Vê-se a emoção de uma fé profunda no rosto de muitos. No final, no adro da Sé, após a bênção final, também D. António partilha, com voz comovida, o sentimento que o assalta ao caminhar:
“É sempre com grande emoção que levo Jesus Cristo nas minhas mãos pela cidade, sentindo-me homem frágil, peregrino como vós, indigno de tão grande dom, mas com a responsabilidade de conduzir esta porção do Povo de Deus”. Refere ainda que essa passagem da Hóstia Consagrada pelas nossas ruas “significa o amor de Cristo pela sociedade, quem tem cada vez mais necessidade da sua presença”. Por isso, reza, durante a caminhada, pela Diocese e pela cidade, pelas famílias que constituem esta nossa sociedade e esta nossa Igreja, pelos padres e os leigos que, faça sol ou chuva, não arredam pé e se mantêm firmes em oração e adoração”.
D. António Marto apontou ainda dois motivos para a sua especial emoção. Um episódio que foi a atitude de respeito e adoração do numeroso grupo de Bombeiros Voluntários de Leiria, que festejava o 31.º aniversário da corporação junto à fonte luminosa, “soldados da paz, por quem rezei também”. Outro, a participação numerosa de acólitos e escuteiros, muitos deles fatigados pelas atividades de um fim de semana intenso, “a quem quero deixar os parabéns pela coragem e uma carícia, que é a carícia de Jesus”.
Após os agradecimentos a quem organizou e às entidades civis e religiosas que colaboraram nesta festa, e antes da atuação de conjunto e da saudação musical individual pelas filarmónicas presentes, o Bispo deixou a todos um apelo que resumia a mensagem deste dia: “levai o sentido da maravilha para as vossas casas, as vossas famílias e as vossas comunidades!”.
Tradição “antiga” e “importante”
No final da celebração, o PRESENTE trocou algumas impressões com uma dezenas dos fiéis que estavam no adro da Sé. É evidente uma maioria de pessoas acima dos 50 anos. Todos os que abordámos eram “repetentes”. “Já vimos há muitos anos e temos saudades daquelas enchentes que não cabiam neste espaço”, confessa um casal de idosos.
Uma família com filhos pequenos também já veio várias vezes e procura “nunca faltar, pois é importante sentir a Diocese unida na adoração ao Santíssimo; é Ele que nos dá tudo e não podemos negar um pequeno esforço para estar aqui durante uma tarde”, diz a mãe. Um dos filhos está no 6.º ano de catequese e fez há poucos dias a Comunhão Solene: “A catequista disse que era bom virmos, porque era a festa de Jesus na Eucaristia, e gostei muito da Missa na natureza e da procissão com a música”. Perguntamos se se lembra de que disse o senhor Bispo. Responde: “disse que comungar é uma maravilha”. Pelos vistos, ouviu o principal.
Falamos ainda com um casal mais jovem. Recordam o Corpo de Deus dos tempos em que vinham com os pais, mas nos últimos anos “não tem havido oportunidade”. Este ano, “calhou-nos trazer a bandeira da paróquia e foi uma experiência muito boa; deveremos voltar nos próximos anos, pois é importante sentir a união com tanta gente a celebrar a mesma fé”.