“A morte e a vida travaram um admirável combate: depois de morto, vive e reina o Autor da vida.” Assim se exprime um hino litúrgico da Páscoa. Esta é a festa maior dos cristãos. Nela se celebra a paixão e morte de Cristo e a sua ressurreição.
Nela se realiza, com frequência, o batismo de adultos e os fiéis renovam a sua profissão de fé e fazem memória da celebração do seu batismo, a fim de fortalecer ou até fazer renascer a vida cristã. Em torno desta data se organiza todo o restante calendário litúrgico e festivo do ano na Igreja Católica.
A Páscoa representa, assim, o centro da vida comunitária e também pessoal dos que reconhecem em Jesus Cristo o Filho de Deus e vivem dia a dia em união com Ele, levando um estilo de vida inspirado no Evangelho. E procuram testemunhar a fé pelo seu amor generoso e confiante, semeando de esperança, de alegria e de paz a sua relação e convivência com as outras pessoas.
Nesta edição que sai em plena Semana Maior, a Semana Santa que culmina nesse Domingo glorioso, fomos procurar alguns exemplos de vivências pascais, desde os ambientes familiares e paroquiais até às comunidades de vida consagrada e aos movimentos eclesiais.
A Páscoa original foi há 20 séculos mas atualiza-se hoje nas comunidades cristãs, nas famílias e nos fiéis que celebram e se encontram com Jesus Cristo vivo nas assembleias litúrgicas ou nas orações domésticas. Porque celebrar a Morte e Ressurreição de Jesus só faz sentido se ela for atualizada e concretizada na renovação de vida (ressurreição) de cada um dos cristãos, unidos ao próprio Cristo no seu caminho para o Pai.
LMF/JG
A Páscoa nas famílias
Uma vivência, que “enche o coração”
Cristina e Agostinho Menino já têm filhos maiores, Marco, com 28 anos e Bruno com 21. O mais velho trabalha em Lisboa, mas vem às Colmeias para passar a Páscoa em família. “Nós tentamos fazer a nossa vivência nas celebrações durante a semana que antecede a Páscoa, em especial a Semana Santa, que procuramos viver na maior das simplicidades e expressando o que nos vai cá dentro”, refere Cristina.
O Domingo de Páscoa é vivido com a família e os afilhados que enchem a casa. Os filhos já são padrinhos e Cristina é madrinha de quatro, fazendo questão de contactar com cada um deles no dia de Páscoa. “Os afilhados que estão casados ainda hoje nos visitam ou, caso não possam, telefonam. Esta relação, enche-nos o coração.”
A família faz questão de não se ausentar nesta altura, até porque querem estar presentes na altura da visita pascal. “Esta época é para ser vivida em família e com Cristo. Não deixaríamos de estar presente para abrir a porta da nossa casa à visita de Cristo Redentor.” Na paróquia, a visita pascal começa no Domingo de Páscoa e estende-se pela semana seguinte. Ao lar da família Menino, a visita está programada para a quinta-feira seguinte. Apesar de ser um dia de semana, a família faz um esforço por se reunir antecipadamente em casa, para preparar a visita. As amêndoas na mesa, o tapete de verdura na entrada da casa, colorido com pétalas de flores do jardim e a pagela que é distribuída às famílias da paróquia, com uma oração que é rezada naquele momento são alguns dos sinais que marcam os preparativos. “Temos um Cristo Crucificado e, simbolicamente, fazemos questão que seja esse que nos seja dado a beijar, por ser o que nos acompanha todos os dias do ano no nosso lar.” Sobre os preparativos que antecipam a visita pascal, Cristina Menino ainda se recorda do hábito que a avó tinha, em caiar a casa por esta altura. É nesta atitude de renovação e cuidado que Cristina perspetiva o tempo da Páscoa, como um “recomeço de uma nova etapa que nos permite melhorar aspetos da nossa vida”.
À volta da mesa
Para Luís e Maria, casados há quase 20 anos e já com filhos adolescentes, a Páscoa tem um significado muito concreto na vivência familiar. O casal batizou os três filhos na celebração da Vigília Pascal e faz um esforço por participar, todos os anos, nesta celebração e de renovar, em família, as intenções do Batismo. No dia de Páscoa, tentam juntar a família de ambas as partes à volta do almoço do domingo.
Cristina e Samuel estão casados há cerca de um ano e o casal faz questão de viver esta época festiva com as famílias. “Almoçamos com os meus pais, irmã e avó; segue-se o café em casa dos padrinhos, onde se reúne a família toda, tanto de um lado como do outro e, por fim, jantamos na casa dos meus sogros e cunhados”, explica Cristina. Este encontro com a família é tradicionalmente marcado pela “troca de miminhos”, acrescenta, numa vivência sustentada numa participação assídua nas celebrações da Semana Santa na paróquia, que Cristina ajuda a dinamizar.
Fios de ovos para o ninho de Páscoa, os folares, o bolo de amêndoa e chila são apenas algumas das iguarias que não faltam na mesa de Páscoa da família Matos. Quem prepara os pitéus é Ana, a matriarca que, dias antes, vai antecipando algumas das confeções para o manjar de Domingo de Páscoa. As celebrações pascais são vividas em família, assim como o almoço de Domingo. O marido, as duas filhas, os genros, os netos e os pais reunem-se à volta da mesa. Depois do almoço, há a procura dos ovos de chocolate no jardim, “para os mais pequenos se divertirem um pouco, com os mais crescidos a acompanhar.”
DCA (Foto: ©Luís de Oliveira)
A foto não corresponde a qualquer das famílias citadas
Nas paróquias
…ainda há mais Quaresma do que Páscoa!
As comunidades paroquiais são os centros mais próximos das pessoas para as suas vivências pascais. Na Quaresma, tempo de preparação para a Páscoa, os fiéis acorrem às igrejas para as celebrações dominicais e outras tradições da piedade popular; algumas são feitas nas ruas e em movimento: procissões, vias-sacras, encenações. Às crianças e adolescentes da catequese foi feita a proposta de uma “viagem em família, a caminho da páscoa”: deveriam fazer várias atividades em família (leituras bíblicas, oração, boas ações, diálogo e outras vivências) e registar o que fizeram num “cartão de embarque”. Tal cartão foi apresentado semana a semana na comunidade onde se ia construindo um cruzeiro e afixando nele as vivências em família (ver foto anexa). Há quem procure dar alguma novidade às suas iniciativas: em Porto de Mós, por exemplo, fez-se uma via-sacra de bicicleta; os jovens da paróquia da Cruz da Areia fizeram uma caminhada quaresmal com outros grupos, recebendo uns e visitando outros.
A caminhada quaresmal culmina nas celebrações da semana santa, especialmente nos dias entre a quinta-feira e o domingo de páscoa. Em cada igreja paroquial reúnem-se os fiéis para comemorar a instituição da Ceia do Senhor (que deu origem à Missa), o sacerdócio comum e ministerial, a paixão e morte de Cristo e a solene vigília pascal noturna como memorial de Jesus Cristo ressuscitado e encontro e comunhão espiritual e sacramental com Ele. Na noite pascal, os fiéis renovam a sua profissão de fé e evocam o seu batismo. No domingo, é de novo Cristo ressuscitado que é celebrado com júbilo. Em muitas das paróquias, a festa pascal estende-se à aldeia inteira e às famílias, especialmente mediante a tradição da visita pascal, que, em alguns casos, se prolonga por duas ou três semanas.
Desde há mais de trinta anos tem havido esforços de renovação na ação pastoral, observa o Vigário Geral, padre Jorge Guarda: “houve um esforço para passar de uma religiosidade centrada na paixão e morte de Jesus, para uma descoberta e vivência mais centrada em Cristo ressuscitado”. Ao PRESENTE, o Vigário Geral enuncia aspetos que comprovam esta perspetiva: “Nos templos da Diocese tem-se privilegiado a imagem do Cristo ressuscitado. A própria visita pascal, que no passado era centrada na bênção da casa, enquanto edifício, vem caminhando, progressivamente, para uma acentuação do anúncio e testemunho de Cristo ressuscitado e a visita e bênção às famílias.” Contudo, remata, “na vivência popular ainda persiste mais Quaresma do que Páscoa, pois muitos dão mais relevo às tradições quaresmais do que às manifestações pascai, que quase se esgotam no dia de Páscoa ou na semana seguinte, quando para a Igreja o tempo pascal prolonga-se por cinquenta dias”.
DCA (Foto: ©JS)
Testemunhos
Da interioridade à alegria da Ressurreição
Na Aliança de Santa Maria a celebração da Semana Santa e da Páscoa é vivida num clima de grande silêncio e de interioridade e também de vivência comunitária e eclesial no Santuário de Fátima.
Temos consciência, sobretudo porque somos uma comunidade de vida ativa, do quão importante é o silêncio para criar espaço interior, no mais profundo dos nossos corações, a fim de que Jesus possa habitar-nos e realizar em nós o seu mistério.
Gostamos que seja Ele, com a sua Palavra, com os seus gestos de entrega atualizados em cada Liturgia Eucarística, a conduzir-nos pelo grande mistério pascal, pelos seus gestos e palavras de entrega ao Pai, por nosso amor.
Assim, há um espaço maior dedicado à oração pessoal, o ritmo de vida abranda e o tempo como que se dilata, ocupando as horas fortes do dia em contemplação do Mistério pascal.
Habitualmente, participamos nas celebrações do Santuário de Fátima.
O ritmos das celebrações e a cuidada preparação das mesmas ajudam a criar as condições para viver a alegria pascal e o júbilo do anúncio da Ressurreição.
De facto, a celebração da Vigília Pascal, toda ela rica de ritos e de símbolos, carregada de luz, de festa, marcada pela narrativa da história da nossa salvação, pelo triunfo da morte e do pecado, abre os nossos corações, tantas vezes fechados pelo trabalho intenso do dia a dia, pelos medos que ainda pautam o nosso caminho de consagração, ou mesmo pelas divisões ou sentimentos negativos que marcam as nossas relações pessoais. Só Ele, o Senhor Ressuscitado, caminhando connosco, confere sentido, alegria e paz às nossas vidas!
Irmã Ângela de Fátima Coelho (Foto: ©Luís de Oliveira)
A Páscoa no Claustro de Santa Clara
A nossa vivência da Páscoa é feita de silêncio, gratidão e amor. Celebramos o Mistério santíssimo da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, milagre do amor infinito de Deus.
Em Igreja, preparamos a celebração da Páscoa a partir de Quarta-Feira de Cinzas, que dá início ao tempo da Quaresma, caminhada espiritual que nos conduz da nossa realidade humana (“lembra-te que és pó”) até à Vida Eterna (Páscoa). Como Elias, alimentado pelo pão, caminha quarenta dias pelo deserto, assim nós percorremos estes quarenta dias, alimentadas com o pão diário da Eucaristia. Quaresma é, pois, tempo de penitência e de conversão, de maior intimidade com Deus e de atenção aos irmãos.
No Domingo da Ramos e da Paixão, com a Igreja vestida de ramos, acompanhamos a entrada triunfal do Senhor em Jerusalém. Começa a mais santa de todas as semanas, semana santíssima em que Deus, no ápice do seu Amor, Se abandona nas mãos dos homens. Na Quinta-Feira, a Eucaristia é a celebração da última Ceia. Após a Missa, o refeitório comunitário, expressamente preparado, transforma-se em cenáculo. Pela noite, na Hora Santa, acompanhamos Jesus em agonia no Jardim das Oliveiras. Na sexta-feira, antes da adoração da Santa Cruz e Via-Sacra, as Sete Palavras situam-nos no Mistério do Calvário. No Sábado, na Hora Santa Mariana, acompanhamos Maria, na sua dor e soledade.
Ao pôr-do-sol, a Igreja veste-se de festa para viver a Grande Vigília. Na Igreja entra o Fogo Sagrado, Cristo Ressuscitado, a dar nova Vida à Igreja. Em silêncio, trazemos ao Altar os milhões de pessoas que se afastam deste Fogo e Calor.
Domingo de Páscoa é o grande dia da Igreja. O Aleluia pascal enche o claustro de uma santa alegria e abre-nos a porta à intimidade do Ressuscitado.
Irmãs Clarissas de Monte Real
Como celebramos a Páscoa
no Caminho Neocatecumenal
A Páscoa, para os que se dizem ser cristãos, devia ser o momento mais alto de celebração em termos festivos, de explosão de alegria, tal como aquela alegria que um pai vive, quando recebe o seu filho de volta a casa, porque “estava morto e voltou à vida”. Esta passagem da morte à vida, para toda a humanidade, foi conseguida através de um alto preço: o sangue de Jesus Cristo.
Quando o homem percebe e aceita, verdadeiramente, o significado deste amor de Deus, por si, acontece Páscoa e Ressurreição na sua vida.
É este mistério de amor que passa pela morte e ressurreição de Jesus Cristo que celebramos na noite da vigília, da forma como manda a liturgia da Igreja, na sua fórmula longa. Começamos por benzer o lume novo e com este iluminar uma assembleia, constituída por adultos e crianças, que caminha cantando: “Cristo é a nossa Luz”. Chegada ao local da celebração, canta o Precónio Pascal”.
Leem-se as nove leituras que narram a história da criação, a passagem do povo hebreu, chegando ao Novo Testamento. As leituras são intercaladas com cânticos e salmos alusivos às leituras.
O importante deste procedimento não é contar ou ouvir histórias daquele tempo, mas sim fazer delas um memorial, numa analogia com a própria vida. Durante o decorrer das leituras, as crianças têm uma participação ativa: perguntam aos pais a razão de estar naquele local a celebrar durante a noite… É nesse momento que acontece a passagem da fé aos filhos, explicando-lhes a razão de estar ali. Se houver gente para batizar, realiza-se o batismo; continua a celebração eucarística e no final, vai-se comer o cordeiro no restaurante, depois de um dia de jejum.
Rosalina Marques (Foto: ©DR)