Por Sofia Santos
Independentemente do Orçamento de Estado não ser o ideal, independentemente de o sentimento generalizado da população ser de cansaço com tudo, e logo com o Executivo vigente, o que é facto é que qualquer que fosse o governo que tivesse sobrevivido a uma pandemia, o povo estaria farto dele. Tal como está farto e cansado das dificuldades e incertezas que são cada vez mais e com as quais não fomos ensinados a lidar.
Uma não aprovação do Orçamento, a meu ver, é 100% estratégia política para todos os partidos envolvidos e 0% de preocupação com as pessoas que trabalham, bem como com as PME que fazem milagres neste país em que as empresas ainda são vistas, por uma grande parte do sistema, como as más entidades que apenas querem explorar a mão de obra e maximizar o lucro. Não há dúvida de que este é o pensamento de muitas empresas, mas também há muitas outras a entrar numa dimensão mais elaborada e sofisticada, na qual reconhecem a importância dos temas ambientais e sociais, até porque os seus clientes e investidores já começam a pedir essa informação e a realização dessas boas práticas. E, além do mais, são as PME as verdadeiras responsáveis pela criação de trabalho e exportações deste país.
Todos os partidos políticos têm uma estratégia associada à não aprovação do Orçamento. Esta não aprovação, permite a alguns reorganizar, a outros contra atacar, e a outros retomar algum poder que ainda esperam vir a conseguir. Talvez seja só mesmo o que interessa na política: estar no Poder. Mas para mim, política após uma pandemia, é servir o país e as pessoas, é acionar todos os avisos do PRR, é pôr o Banco Português de Fomento a funcionar de forma eficiente e moderna, para que o dinheiro possa efetivamente chegar a projetos produtivos e que cumpram com as políticas europeias, nomeadamente ao nível dos impactos ambientais negativos que não podem ter e que já estão definidos.
Este impasse com a não aprovação do Orçamento só vai implicar mais demora, atrasos e melancolia. E o país não precisa disto. Também vai reforçar a sensação que muitas empresas têm de que a sua existência depende exclusivamente da sua força em seguir caminho. E penso igualmente que pode aumentar ainda mais a distância entre a esfera pública e a privada, algo que seria agora totalmente desnecessário.
Na aproximação de um Inverno incerto, em que não sabemos como é que vamos reagir num contexto de pandemia mesmo com uma população eficazmente vacinada, numa altura em que a expansão dos transportes públicos é mais urgente do que nunca e no momento em que os investimentos internacionais na economia verde começavam a ver Portugal como um local ideal para os realizar, esta ausência de sentimento coletivo sobre o bem comum volta a trazer incertezas a um país frágil. Parece que sempre que o país começa a sair do “buraco” alguém quer receber os louros, ou alguém quer passar a ser o protagonista principal.
Depois de uma pandemia que nos mostrou que o impossível acontece, e que somos seres frágeis neste planeta que habitamos, pensei que pudéssemos ter ganhado mais empatia e, porque não, um maior sentido ético na abordagem da virtude. Mas não. Como já se começa a dizer, provavelmente não aprendemos nada com a pandemia e nada vai mudar.
Não quero com isto dizer que o Orçamento era bom ou que me revia na sua argumentação. Sem dúvida que a política fiscal empresarial se mantinha como obstáculo ao desenvolvimento. No entanto penso que, por agora, o país precisava de avançar, nem que fosse apenas por mais um ano. E considero um desconsolo o facto de as estratégias políticas, de todos os lados, não terem conseguido colocar o interesse do país em primeiro lugar, prevalecendo as estratégias e ambições de cada um dos agentes políticos. Esperava mais do ser humano em 2021, principalmente tendo vivido, e vivendo, num contexto de pandemia.