Sé de Leiria celebra a paixão de Cristo: A cruz que ilumina o silêncio

Na Sé de Leiria, a tarde de 18 de abril foi marcada pelo silêncio próprio da Sexta-feira Santa. Não houve canto, nem som de sinos, nem ornamento nos altares. Houve apenas recolhimento. Os fiéis, em número significativo, preencheram a catedral com um espírito de contemplação profunda, atraídos pelo mistério do amor levado até ao extremo.

Nesta celebração da Paixão do Senhor, presidida por D. José Ornelas, bispo da diocese de Leiria-Fátima, fez-se memória da entrega de Jesus Cristo na cruz, num dos momentos mais densos do Tríduo Pascal. A liturgia adquiriu a intensidade própria: não se celebrou a Eucaristia, mas fez-se viva a memória do amor crucificado através da Palavra, da cruz e da comunhão.

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Três momentos que revelam um mistério

A celebração, própria deste dia, estruturou-se em três grandes momentos. Primeiro, a Liturgia da Palavra, centrada na leitura do evangelho de São João, que narra com sobriedade a Paixão de Jesus. Seguiu-se a adoração da cruz, gesto comovente em que cada pessoa se aproximou, uma a uma, para inclinar-se diante da cruz. Um gesto antigo, simples e profundo, que diz mais do que qualquer discurso. Por fim, foi distribuída a comunhão eucarística, com o pão consagrado na véspera, durante a Missa da Ceia do Senhor. Tudo envolto na cor vermelha das vestes litúrgicas, símbolo do sangue e do amor levado até ao fim.

Mas foi o silêncio — esse protagonista discreto — que marcou o tom da tarde. Um silêncio não vazio, mas habitado. Um silêncio que dizia o essencial: que a cruz não é derrota, mas entrega. Não é fim, mas começo. Não é tragédia, mas triunfo do amor.

Uma homilia para escutar com o coração

Na sua homilia, D. José Ornelas convidou à escuta interior e ao pensamento desinstalado:

«O silêncio significa que aquilo que celebrámos hoje (…) só se pode entender quando paramos — e fazemos parar também os nossos processos mentais — para deixar espaço a outros pensamentos, a outras maneiras de avaliar, que possam encontrar lugar no nosso coração e na nossa vida.»

De forma directa e comovente, o bispo desafiou os presentes a olhar a cruz não como um símbolo de sofrimento estéril, mas como expressão do amor fiel e comprometido de Jesus, que não fugiu nem cedeu à violência.

«Não é o sofrimento que salva. É o amor.»

A homilia percorreu o relato evangélico com uma leitura atenta à humanidade das personagens. Realçou a fragilidade de Pedro, que negou, chorou e foi, ainda assim, escolhido. Subtilmente, recordou que não são os perfeitos que constroem a Igreja, mas os que reconhecem a sua fraqueza e aceitam a misericórdia.

Num dos momentos, D. José referiu-se ao gesto de Verónica, que enxugou o rosto de Jesus:

«Ela não podia mudar o mundo, mas podia fazer aquilo.»

E ali ficou a interrogação para cada um: o que posso eu fazer?

A cruz que denuncia a violência e revela o amor

O bispo insistiu também numa mensagem de actualidade: a cruz de Cristo denuncia toda a forma de violência — entre nações, nas famílias, na sociedade. E revela que o caminho cristão é o do desarmamento interior, o da não-violência activa, o do amor corajoso que prefere perder do que matar.

«Quem segue Jesus tem de saber: não é pelas armas que se resolvem os conflitos.»

Lembrando os soldados que obedeciam a ordens e que maltratavam Jesus, D. José lançou um apelo à consciência pessoal e à responsabilidade ética de cada um: obedecer não pode ser desculpa para agir contra a dignidade humana. E apontou o caminho de Cristo:

«A única coisa que Ele faz é pagar Ele mesmo as despesas do mundo novo que quer trazer.»

A cruz não é o fim

A celebração terminou como começou: em silêncio. Mas um silêncio novo. A cruz esteve ao centro, venerada, contemplada, amada. E nesse silêncio final ressoava a última palavra de Jesus:

«Tudo está consumado.»

Consumado não como fim, mas como plena realização do amor que se entrega até ao extremo. Como sublinhou D. José, é esse amor — constante, fiel, comprometido — que transforma a cruz de instrumento de morte em árvore da vida.

«Sim, aquele homem crucificado é o Filho de Deus. E é por isso que a cruz não é o fim. É o começo de algo novo.»

E assim, naquela tarde silenciosa na Sé de Leiria, inclinou-se a cabeça. Não em sinal de luto desesperado, mas como quem reconhece a grandeza de um amor que salva. Um amor que continua a iluminar a história e a renovar a vida.

Transcrição integral da homilia

Celebramos hoje em tom menor, de silêncio, como começou esta celebração e como também a terminaremos. Silêncio não quer dizer simplesmente que seja um tom menor aquilo que fazemos e celebramos. O silêncio significa que aquilo que celebrámos hoje, e que acabámos de escutar na Escritura, só se pode entender quando paramos — e fazemos parar também os nossos processos mentais — para deixar espaço a outros pensamentos, a outros projectos, a outras maneiras de pensar e de avaliar, que possam encontrar lugar no nosso coração e na nossa vida.

Porque, tantas vezes, somos levados pela corrente da vida. E, sobretudo hoje, com os meios de comunicação que temos, estamos constantemente a ser solicitados e influenciados por tudo aquilo que nos chega. A palavra de hoje não é dessas. É uma palavra para a qual não temos, à partida, sentido.

Como explicar um desastre natural, um terramoto em que morrem centenas ou milhares de pessoas? Como explicar a morte de um parente querido? De um pai, de um filho, de uma filha?

Não chega o barulho. Não chega a lógica habitual. Precisamos de procurar outra. E estas leituras de hoje são ricas de sugestões.

Todas elas. Mas vou comentar apenas um pouco da leitura da Paixão, salientando alguns pontos. Todos conhecemos um pouco a vida de Jesus: o que foi, o que foram estes últimos dias.

Jesus sabia e estava consciente do que se passava. Podia ter fugido. Quando foram ao seu encontro no jardim das Oliveiras, bastava uma pequena corrida. Um homem de trinta anos subiria o monte em poucos passos, entrava no deserto e nem exércitos o encontrariam.

Mas Jesus não é homem de fugir aos desafios. E há aquele cálice que diz ter de beber, aquele cálice que Ele pedira que lhe fosse afastado. Como diz a carta aos Hebreus, ofereceu com sofrimento e lágrimas súplicas àquele que o podia livrar da morte, e foi escutado.

Como foi escutado, se acabou aniquilado pelos seus inimigos? Porque o caminho de Deus era esse. Não porque Deus quisesse o sofrimento de Jesus, mas porque o que Deus queria era que Ele realizasse o seu projecto. E esse projecto cumpriu-se. A última palavra de Jesus é: «Tudo está consumado».

O que o Pai lhe tinha dado a fazer — dar testemunho da vida, cuidar dos que precisavam, cuidar dos discípulos, semear e plantar a Igreja, fazer algo de novo, sobretudo dar o Espírito —, foi isso que Ele fez. Por isso não fugiu.

E ao não fugir, entra na lógica deste mundo. Também na lógica daqueles que sempre lhe manifestaram oposição. E entra, tantas vezes, no mundo confuso da mentalidade dos próprios discípulos, que ainda não tinham interiorizado o caminho novo que Ele viera trazer.

Ele tinha-os avisado. Mas mostraram-se fortes. Pedro disse: «Ainda que todos te abandonem, eu estarei contigo.»

Foi isso que se passou no jardim das Oliveiras. Pedro estava convencido de que se aproximava uma hora decisiva. E era isso que esperavam: que Jesus subisse, tomasse o poder em Jerusalém e eles seriam ministros. Ia formar-se o Reino dos Bons, os prefeitos do novo tempo.

Mas Deus não vem por esse caminho. E isso vê-se logo a seguir.

Pedro faz o que pode, o que sabe. Jesus tinha-lhes dito que não era pela violência que se haveria de construir este Reino. Mas Pedro leva consigo a espada. Escondida. E tira-a para começar a revolta, a defesa de Jesus.

E Jesus diz-lhe: «Pedro, esse não é o caminho.» Se Jesus morre, é precisamente porque exclui a via da violência.

Como diz outro evangelista, quando Pedro puxa da espada, Jesus diz-lhe: «Se fosse esse o projecto, eu pediria uma legião de anjos que viria destruir os meus inimigos todos.» Mas Deus não tem inimigos. Não quer acabar com ninguém. Para Deus, todos são filhos — também aqueles que matam.

E por isso essa lógica não pode ser a nossa. Jesus, porque tem o projecto do Pai, não o abandona. E mesmo que esse projecto encontre inimigos, dificuldades, mesmo que o queiram matar, Jesus não desiste. E não entra na via da violência para resistir, não entra em conflito com as armas dos seus adversários. A única coisa que Ele faz é pagar Ele mesmo as despesas do mundo novo que quer trazer.

Como um pai ou uma mãe que vê um filho numa casa a arder: arriscam a vida — e tantas vezes a perdem — para salvar esse filho. Não é o sofrimento que salva. É o amor. Porque se não houvesse amor, nem sequer entrariam lá dentro.

Por isso, a razão de ser de tudo o que ouvimos está bem expressa por São João, quando começa a narrar a Paixão, no capítulo 13: «Tendo amado os seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o seu amor por eles.» E qual é o extremo? Ele próprio diz: «Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos.»

É isso que dá sentido ao comportamento e à atitude de Jesus. Um amor fiel. Não um amor de violinos, mas um amor de atitudes, de fidelidade, de constância, de disponibilidade para amar até ao fim.

É esse o jardim das Oliveiras. Pedro tenta resistir, mas Jesus diz-lhe: «Pedro, esse não é o caminho. Definitivamente, esse não é o caminho.»

E quem segue Jesus tem de saber: não é pelas armas que se resolvem os conflitos. A guerra só traz destruição. Sofrem os soldados, sofrem sobretudo os mais pobres, os inocentes, as crianças, gente que não quis esta guerra e que se torna vítima dela.

E a violência não existe só entre nações. Também não se resolve com violência aquilo que acontece nas nossas casas. E é dramático que, no lugar onde devia haver carinho, respeito, atenção, cuidado, seja onde se vive a violência mais dramática: a violência doméstica, o abuso de menores, e tudo o mais que surge quando o amor desaparece. Pedro mete a espada na bainha.

Depois, esgotaram-se as suas soluções. Jesus foi preso. Eles foram apanhados de surpresa. Queriam organizar uma defesa, talvez uma revolução. Mas não conseguiram.

E de novo, prevaleceram os grandes. Jesus é levado ao tribunal. Diz-se que um discípulo chegou a entrar lá dentro. Pedro também quis seguir Jesus, mas quando percebeu que podia sofrer o mesmo destino, recuou. «Tu estavas com ele», disseram-lhe. «Não, não, não!» — responde ele.

Três vezes o nega. Começa a praguejar: «Não o conheço!» E no entanto, este é o homem que Jesus escolheu para presidir à Igreja.

Não há homens melhores. Há homens com fraquezas. E Pedro tinha as suas. Jesus não foi infiel a Pedro. E Pedro, depois de o negar, saiu e chorou amargamente — dizem os evangelhos sinóticos.

Chorou, desiludido com aquilo que era, com aquilo que queria ser. Ele amava Jesus. Tinha deixado tudo para o seguir. E agora, negava-o. Mas era preciso que passasse por isto para entender que, se foi escolhido para ser o primeiro, não foi por ser o melhor, mas porque Deus teve compaixão dele, apesar das suas fraquezas.

É importante que cada um e cada uma de nós saiba isto: por maiores que sejam as nossas quedas e infidelidades, Ele é o Pai cuja misericórdia é sempre maior. É assim que começa o segredo desta noite e o silêncio desta tarde.

A seguir, Jesus é levado a Pilatos. Os judeus não podiam executar ninguém. E então fazem chantagem com Pilatos. Dão-lhe a entender que se não tomar uma decisão, vão denunciá-lo ao imperador.

Pilatos tenta. Tenta soltar Jesus. Tem um medo terrível da multidão, e por isso propõe: «Temos este costume. Posso soltar um prisioneiro. Há este Jesus de Nazaré… e há um homem perigoso, chamado Barrabás.»

Mas Barrabás foi o escolhido. E a multidão, com medo dos chefes, grita: «Crucifica-o! Crucifica-o!»

Pilatos ainda tenta, mas lava as mãos. Não é assim que se lava a responsabilidade. O sangue de Jesus ficará sobre ele também, porque não teve coragem.

A mulher, talvez mais atenta ao lado da fé, diz-lhe: «Não te metas com esse justo!» Mas Pilatos escuta o povo. E, como tantos outros ao longo da história, para salvar a pele, não se compromete.

Jesus é entregue. Foi preso, amarrado. Era o Filho de Deus. E quem o levou foi a guarda romana. Um grupo de soldados, como aqueles que ainda hoje ocupam as cidades em guerra.

Despem-no. Rasgam-lhe a roupa. Batem-lhe. Escarram-lhe. Põem-lhe uma coroa de espinhos. Zombam dele.

Era o Filho de Deus. Que nada fez de mal. Que só fez o bem. Mas é tratado como um criminoso. E eles pensavam estar a cumprir ordens.

É verdade. Obedeciam a ordens. Mas também a nossa obediência deve ter limites. Quando vai contra a dignidade da pessoa, ninguém é obrigado a obedecer.

Depois, a cruz. Fazem-no carregar a cruz. Não era habitual. Mas talvez quisessem mais humilhação para Ele.

E Jesus carrega a cruz. Já quase sem forças. Por isso obrigam um homem a ajudar, Simão de Cirene.

E há uma mulher que limpa o rosto a Jesus. Chama-se Verónica. O seu gesto é simples, mas cheio de ternura. Ela não podia mudar o mundo, mas podia fazer aquilo.

E então chegou o Calvário. Era ali o lugar das execuções. Um lugar de morte. Um lugar de terror. E Jesus é crucificado entre dois ladrões.

Mas mesmo na cruz, continua a amar. Perdoa aos que o matam: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.» Promete o Paraíso ao ladrão arrependido. Entrega a sua Mãe ao discípulo amado. E entrega-Se totalmente ao Pai: «Em tuas mãos entrego o meu espírito.»

Não grita contra Deus. Não amaldiçoa ninguém. Não se vinga. Não tem ódio. Só amor. Até ao fim.

E morre. E o centurião romano, que estava ali de serviço, ao vê-lo morrer assim, diz: «Este era, de facto, o Filho de Deus.»

Sim, aquele homem crucificado é o Filho de Deus. E é por isso que a cruz não é o fim. É o começo de algo novo.

Não é a derrota. É a vitória. Porque a morte foi vencida pelo amor. E o amor é mais forte do que a morte.

Por isso hoje, nesta tarde silenciosa, inclinamos a cabeça. Não para chorar um morto. Mas para reconhecer aquele que, com a sua vida, nos ensinou a viver. E que, com a sua morte, nos abriu as portas da vida eterna.

ÁLBUM FOTOGRÁFICO
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