Recomeçar: quando o regresso ao trabalho é mais do que voltar à rotina

O chamado post-holiday blues afecta milhões de trabalhadores e revela um desconforto profundo: o regresso ao trabalho nem sempre devolve energia, podendo exacerbar, pelo contrário, a falta de alinhamento entre a vida que desejamos e a que vivemos no dia a dia. Mas este mal-estar pode ser transformado em oportunidade — um momento para reorganizar prioridades, recuperar o propósito no que fazemos, exigir lideranças mais coerentes e reencontrar a ambição moral que dá sentido à vida profissional e pessoal

POR HELENA OLIVEIRA

Setembro é muitas vezes visto como um “segundo Janeiro”: um mês de recomeços. Depois de uma pausa mais longa, regressamos à rotina com uma energia diferente — ora mais leve, ora mais inquieta — e com a oportunidade rara de alinhar prioridades pessoais e profissionais. Todavia, nem toda a gente lida bem com este regresso, não só porque os dias longos e luminosos das férias ficam para trás, mas porque à nossa frente emerge o peso, para muitos, do stress inevitável, da ausência de envolvimento com o trabalho, das rotinas às quais não se pode escapar, dos dias mais curtos que já espreitam.

Na verdade, o regresso das férias traz, para muitos, ansiedade, fadiga e até tristeza. Longe de ser preguiça, este “mal-estar de Setembro” pode ser o empurrão de que precisamos para reorganizar prioridades, recuperar propósito no trabalho e viver com mais coerência. Ora vejamos.

O peso do regresso: do post-holiday blues ao stress pós-férias

post-holiday blues não é um capricho, nem uma expressão ligeira de preguiça. A Verywell Mind descreve-o como um estado de tristeza, ansiedade e fadiga que surge após períodos de descanso ou celebração, acompanhado de sintomas como insónia, irritabilidade e falta de motivação. Estudos internacionais apontam que mais de metade das pessoas sente algum grau de mal-estar no regresso das férias e, em Portugal, de acordo com a Edenred ,estima-se que 4 em cada 10 pessoas apresentem sintomas da chamada síndrome pós-férias, associando o regresso à rotina com sentimentos como stress, ansiedade, tristeza, irritabilidade, apatia, dificuldade de concentração, falta de motivação e perturbações do sono

Além disso, os efeitos positivos das férias tendem a dissipar-se rapidamente. Um estudo publicado na Medical News Today mostra que os benefícios psicológicos — como menor stress, mais energia e melhor humor — desaparecem muitas vezes logo na primeira semana de regresso ao trabalho, sobretudo em pessoas que já viviam elevados níveis de pressão laboral. A Health.com acrescenta que, embora esta sensação seja geralmente transitória e dure até duas semanas, quando persiste pode ser sinal de um quadro mais profundo de depressão que exige acompanhamento profissional.

O paradoxo das férias

Harvard Business Review descreve este fenómeno como um verdadeiro paradoxo: em vez de funcionarem como uma fonte de recuperação, as férias podem acentuar a percepção de desequilíbrio. Muitas pessoas relatam regressar mais cansadas do que quando partiram, porque transformam os dias de descanso em agendas sobrecarregadas de viagens, deslocações familiares e a pressão de “aproveitar cada minuto”.

Outra situação comum é a chamada “montanha de e-mails”, em que o colaborador regressa e encontra centenas de mensagens acumuladas. A sensação de nunca conseguir recuperar o atraso instala-se logo no primeiro dia, gerando ansiedade e frustração. Ainda mais delicado é o regresso a ambientes de trabalho tóxicos, onde a pausa é vivida apenas como uma fuga temporária. Nestes casos, voltar equivale a retomar contacto com uma realidade hostil, que nunca deixou de estar presente.

Em todos estes exemplos, o mal-estar do regresso não resulta propriamente da pausa, mas do contraste entre a liberdade das férias e o regresso à “realidade”, lembrando uma espécie de fosso entre o que a vida poderia ser e o que de facto é no dia a dia.

Como suavizar o regresso

Algumas organizações começam a reconhecer este impacto e a procurar respostas. O regresso faseado, por exemplo, é uma prática que permite que o primeiro dia seja dedicado apenas à organização pessoal, sem reuniões externas nem prazos críticos. Em países como a Alemanha e a França, há empresas que bloqueiam o envio de e-mails fora do horário de trabalho ou durante ausências prolongadas, precisamente para evitar a acumulação que gera ansiedade.

Outras organizações apostam em criar uma cultura de transição, na qual as equipas são incentivadas a partilhar aprendizagens das férias e a definir prioridades para o novo ciclo, tornando o regresso mais humano e mais colaborativo. Também é cada vez mais comum marcar o mês de Setembro com iniciativas de bem-estar — desde workshops de saúde mental e programas de mindfulness até horários flexíveis, os quais ajudam a reduzir a tensão do regresso.

Do mal-estar à oportunidade: recuperar o propósito no trabalho

Quando sentimos o peso do regresso após as férias — aquele esgotamento, desmotivação ou vazio — podemos encará-lo como um sintoma de algo maior: uma desconexão entre o nosso trabalho e aquilo que verdadeiramente valorizamos. Esse desalinhamento emerge com clareza no relatório State of the Global Workplace 2025, da Gallup, sobre o qual o VER já escreveu.

De recordar que o nível global de envolvimento no trabalho caiu de 23% para 21% em 2024, situando-se agora nos valores mais baixos em anos recentes, sendo equivalente ao declínio sentido durante os confinamentos da COVID‑19. Este desinvestimento emocional tem consequências reais, reflectindo-se numa queda de produtividade estimada em 438 mil milhões de dólares para a economia global.

Um dado particularmente revelador é que essa queda não se distribui de forma uniforme: o envolvimento dos gestores caiu de 30% para 27% em 2024, enquanto os colaboradores não gestores mantiveram-se estáveis, em torno dos 18%. Este desinvestimento concentra-se sobretudo em jovens gestores (menos de 35 anos), que sofreram uma queda de cinco pontos percentuais, e em gestoras, com um declínio de sete pontos.

Como também é sublinhado no relatório da Gallup do presente ano, os gestores têm um impacto extraordinário na cultura das equipas: 70% do envolvimento de uma equipa depende directamente do seu gestor. Portanto, se os gestores estão descomprometidos, é previsível que as suas equipas sigam o mesmo caminho — o que representa uma verdadeira emergência organizacional.

Desta forma, esta crise de propósito não pode ser ignorada. Como lembra o historiador Rutger Bregman no livro Ambição Moral (2024) – e sobre o qual o VER escreveu, não é a ambição que falta no mundo profissional, mas sim a “moralidade” da ambição. Para Bregman, o verdadeiro sucesso não está em acumular promoções ou em bater metas financeiras, mas em usar o talento e a energia profissional para enfrentar os grandes desafios do nosso tempo: das alterações climáticas à desigualdade social, da crise da saúde mental ao futuro da democracia.

O stress pós-férias, visto à luz destes dados e desta visão, ganha um novo significado. Não é apenas um desconforto a suportar, mas uma bússola que aponta para aquilo que falta: sentido, coerência, propósito.

Para cada pessoa, é a oportunidade de perguntar: o meu trabalho acrescenta valor ao mundo ou apenas ocupa o meu tempo? E, para as organizações, é o momento de reflectir se estão a mobilizar talento apenas para sobreviver ou para contribuir de forma positiva e transformadora para a sociedade.

O recomeço de Setembro pode, assim, ser vivido como um exercício de “ambição moral”: alinhar o quotidiano com causas maiores do que nós, transformar o trabalho em espaço de impacto e não apenas em fonte de desgaste.

Uma bússola chamada propósito

Em face deste cenário, a crise de envolvimento com o trabalho, há muito duradoura e persistente, oferece, paradoxalmente, uma janela de oportunidade: não continuar como estamos, mas interrogarmo-nos sobre o sentido do trabalho que fazemos. Estar verdadeiramente “engaged” significa sentir que o que fazemos importa — algo já acima sublinhado pelo artigo da HBR, mas que aqui se reforça através dos dados da Gallup.

Quando o desconforto pós-férias se cruza com estes indicadores — queda de envolvimento, gestores desmotivados, impacto colectivo —, fica claro que não se trata apenas de se descansar mais. Trata-se de perguntar: o que verdadeiramente vale para mim? O que acrescento com o meu trabalho?

Para cada pessoa, este pode ser o momento de reavaliar se o trabalho preenche uma missão ou se está aquém do que é significativo e, para as organizações, é hora de redefinir se a cultura e a missão interna comprometem energia e talento ou os alinham com um propósito colectivo que faça sentido.

Setembro, assim, pode deixar de ser apenas um mês de retorno. Pode ser, também, um recomeço estrategicamente orientado: baseado no sentido, na liderança motivada e na ambição de fazer algo que realmente importe.

Liderar com coerência: o exemplo que transforma

O recomeço de Setembro pode ser um motor de renovação mas, para que essa energia se concretize, precisa de líderes que façam da coerência o seu norte. E a ciência organizacional confirma que a liderança mais “correcta” é decisiva para transformar desconexão em envolvimento.

Um estudo recente publicado na revista científica APTISI Transactions on Management analisou o impacto de diferentes estilos de liderança — transformacional, transaccional e liderança de serviço — no que respeita ao envolvimento e ao crescimento organizacional. O levantamento, baseado em dados empíricos, concluiu que o estilo de liderança de serviço teve o impacto mais forte positivo, seguido do transformacional, enquanto o transaccional teve uma influência mais moderada. A implicação é clara: os líderes que se concentram no bem-estar, desenvolvimento e propósito das pessoas geram envolvimento e crescimento sustentado.

Um outro estudo, liderado por consultores italianos, aprofundou a relação entre liderança de serviço e participação activa dos colaboradores (employee engagement). A análise qualitativa mostrou que este estilo de liderança — caracterizado por empowerment, coesão de equipa, ética e motivação interior — exerce forte influência positiva, mesmo em ambientes de pressão elevada e de desequilíbrio trabalho‑vida pessoal. Ou seja, liderar com empatia, cuidado e propósito é um factor crítico de retenção e envolvimento emocional.

Adicionalmente e para além dos estilos, o que distingue líderes inspiradores são os que alinham discurso com acção. Mostrar-se vulnerável, admitir erros, escutar verdadeiramente e agir com transparência não são sinais de fraqueza, mas de coragem. Quando os líderes vivem segundo os valores que proclamam, constroem confiança e sentimento de pertença no interior das equipas, tornando o recomeço mais humano e sustentável.

Ambição moral aplicada à liderança coerente

O conceito de “ambição moral”, tal como o historiador Rutger Bregman o apresenta, ganha ainda mais ressonância neste contexto. Bregman desafia os profissionais a redefinirem sucesso — não como a dimensão do saldo bancário ou a posição hierárquica, mas como o impacto real que conseguem gerar no mundo. O historiador holandês promove uma carreira orientada a soluções para os grandes problemas globais, desde as alterações climáticas até à desigualdade e às pandemias. Este gesto ético de redireccionar poder e influência para causas maiores é, em última análise, o comportamento de liderança mais coerente e transformador que existe.

Assim, recomeçar com liderança coerente significa, antes de mais, dar o exemplo. O líder deve ser o primeiro a aplicar os valores que proclama, criando práticas simples mas transformadoras, como reuniões de alinhamento colectivo ou momentos regulares de escuta no regresso ao trabalho. Esta postura transmite confiança e mostra que o discurso não está desligado da realidade.

Implica também cultivar uma verdadeira cultura de cuidado. Incentivar o bem-estar dos colaboradores passa por promover pausas conscientes, permitir um regresso faseado e respeitar o tempo pessoal de cada um. São sinais pequenos, mas poderosos, de que as pessoas estão no centro.

Uma liderança coerente é igualmente aquela que activa o propósito. Não basta enunciar um manifesto ou colocar palavras inspiradoras numa parede: é necessário transformá-las em acções concretas que dêem sentido colectivo ao trabalho — seja através de projectos com impacto social, seja em programas de voluntariado alinhados com a missão da organização.

Por fim, liderar com coerência é colocar em prática a já enunciada ambição moral. Isso significa inspirar as equipas a canalizar as suas competências profissionais para desafios com impacto real, seja dentro da organização — através de coaching, mentoria ou desenvolvimento de talento —, seja fora dela, em iniciativas comunitárias ou projectos de inovação que respondam a problemas globais.

O verdadeiro sentido de recomeçar

Em suma e face ao que foi escrito, o post-holiday blues lembra-nos que recomeçar não é um acto automático. O regresso após as férias expõe fragilidades pessoais e organizacionais: a ansiedade de voltar, a sobrecarga de tarefas, a falta de propósito. Mas esse mesmo desconforto pode ser transformado num convite para repensar prioridades.

Se Setembro é tantas vezes visto como um “segundo Janeiro”, talvez devamos encará-lo não como a simples retoma de rotinas, mas como uma oportunidade de realinhamento consciente: reorganizar a vida de acordo com o que realmente valorizamos, reencontrar propósito no trabalho e viver de forma mais coerente com os nossos princípios.

Para as pessoas, recomeçar é perguntar-se: o meu trabalho acrescenta valor, a mim e ao mundo? Para as organizações, é reflectir se estão a mobilizar talento apenas para sobreviver ou se estão a contribuir para algo maior. E, para os líderes, recomeçar é ter a coragem de alinhar discurso e prática, inspirando pelo exemplo e abrindo espaço para uma cultura de confiança e bem-estar.

No fundo, recomeçar é mais do que regressar: é escolher um caminho novo dentro do já conhecido, é dar sentido ao que parecia rotina, é transformar Setembro num tempo de esperança activa. Porque cada regresso pode ser, afinal, o início de uma forma diferente — e melhor — de estar, trabalhar e viver.

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