O Papa Francisco anunciou recentemente a intenção de introduzir no Catecismo da Igreja Católica a noção de pecado ecológico. Tendo presente “os comportamentos humanos que poluem o ar, a terra e os recursos hídricos, destroem em grande escala a flora e a fauna, produzem desastres ecológicos ou danificam irremediavelmente um ecossistema”, define-o “uma ação contra Deus, a comunidade e o meio ambiente”. Assim, o pecado ecológico lesa não apenas a terra mas também a vida das pessoas e da comunidade humana e ofende a Deus.
O Catecismo define o pecado como “uma falha contra o verdadeiro amor para com Deus e para com o próximo, por causa dum apego perverso a certos bens”. E acrescenta que ele “fere a natureza do homem e atenta contra a solidariedade humana” (n.1849). Pode pecar-se por “pensamentos e palavras, atos e omissões”, como rezamos na “confissão”. O pecado é, assim, como explica o Dicionário Cultural do Cristianismo, um conceito religioso “que se distingue da culpabilidade (noção psicológica) e da falta (noção jurídica)”. A distinção mencionada não significa que no pecado não haja também falta e culpa.
Já na encíclica “Laudato Si”, de 2015, referindo-se ao ensino de S. João Paulo II, Francisco afirmava que “a destruição do ambiente humano é um facto muito grave, porque, por um lado, Deus confiou o mundo ao ser humano e, por outro, a própria vida humana é um dom que deve ser protegido de várias formas de degradação” (n. 5). No mesmo documento, o Papa afirma a necessidade de os cristãos viverem uma espiritualidade que leve a “uma conversão ecológica, que comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus”, pois, “viver a vocação de guardiães da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspeto secundário da experiência cristã, mas parte essencial de uma existência virtuosa” (n. 217). Ora, continua Francisco, isto exige também reconhecer os próprios erros, pecados, vícios ou negligências em relação à criação de Deus, “e arrepender-se de coração, mudar a partir de dentro”, reconciliando-se com a criação (n. 218). Esta conversão ecológica é pessoal e também comunitária, requerendo “uma união de forças e uma unidade de contribuições” (n. 219).
A responsabilidade humana e cristã em relação à criação é desenvolvida depois, uma vez mais, pelo Papa Francisco na sua mensagem para a celebração do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação de 1 de setembro de 2016, sob o título “Usemos de misericórdia para com a nossa casa comum”. Nela evoca os “pecados cometidos contra o mundo em que vivemos”, louva as múltiplas iniciativas ecuménicas e de diferentes contextos religiosos e propõe o acrescento de mais uma às tradicionais 14 obras de misericórdia: “cuidar da casa comum”.
“Não podemos render-nos ou ficar indiferentes perante a perda da biodiversidade e a destruição dos ecossistemas, muitas vezes provocadas pelos nossos comportamentos irresponsáveis e egoístas. Por nossa causa, milhares de espécies já não darão glória a Deus com a sua existência, nem poderão comunicar-nos a sua própria mensagem. Não temos direito de o fazer”, afirma Francisco. Mais: “Quando maltratamos a natureza, maltratamos também os seres humanos.” E depois vem então a noção do pecado ecológico: “Deus deu-nos a terra para a cultivar e guardar (cf. Gn 2, 15) com respeito e equilíbrio. Cultivá-la «demasiado» – isto é, explorando-a de maneira míope e egoísta – e guardá-la pouco, é pecado”, declara o Papa. É preciso por isso reconhecer, confessar e arrepender-se dos próprios pecados contra a criação, comprometendo-se “a dar passos concretos no caminho da conversão ecológica, que exige uma clara tomada de consciência da responsabilidade que temos para connosco, o próximo, a criação e o Criador”.
Neste sentido, o Papa recomenda um exame de consciência, que implica, em primeiro lugar, “um reconhecimento do mundo como dom recebido do Pai” e a perceção “de formar com os outros seres do universo uma estupenda comunhão universal”, “reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres”. Só depois podemos reconhecer os nossos pecados “para com a criação, os pobres e as gerações futuras”, contribuindo pouco ou muito “para a desfiguração e destruição do ambiente”.
Não basta reconhecer e confessar os próprios pecados, é preciso mudar de vida. E com gestos muito simples do dia a dia. Diz o Papa: “Isto deve traduzir-se em atitudes e comportamento concretos mais respeitadores da criação, como, por exemplo, fazer uma utilização judiciosa do plástico e do papel, não desperdiçar água, comida e eletricidade, diferenciar o lixo, tratar com desvelo os outros seres vivos, usar os transportes públicos e partilhar o mesmo veículo com várias pessoas, etc.”. Se alguém julga isto irrelevante, Francisco adverte: “Não devemos pensar que estes esforços sejam demasiado pequenos para melhorar o mundo. Tais ações provocam, no seio desta terra, um bem que sempre tende a difundir-se, por vezes invisivelmente, e incentivam um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria sem estar obcecado pelo consumo.”
A este esforço quotidiano é preciso aliar o empenho conjunto dos cidadãos no sentido de a economia, a política e a cultura serem “reorientadas para o bem comum, que inclui a sustentabilidade e o cuidado da criação”. “Há uma pergunta, refere o Papa, que nos pode ajudar a não perder de vista este objetivo: Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?”.
Porque se trata de agir, o Papa aponta duas novas obras de misericórdia: “Como obra de misericórdia espiritual, o cuidado da casa comum requer a grata contemplação do mundo, que nos permite descobrir qualquer ensinamento que Deus nos quer transmitir através de cada coisa. Como obra de misericórdia corporal, o cuidado da casa comum requer aqueles simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo e se manifesta o amor em todas as ações que procuram construir um mundo melhor.”
Com a introdução da noção de “pecado ecológico” trata-se de afirmar que a “emergência ecológica” tem as suas raízes numa crise moral e espiritual que afeta o coração humano e de responsabilizar as pessoas, ao nível da sua consciência, pelos atos e decisões contra o ambiente. É preciso que entre bem no íntimo de todos os crentes o sentido moral de que é preciso a atenção e o empenho de todos para preservar e cuidar da casa comum em benefício de toda a humanidade e, acima de tudo, para honra e louvor de Deus criador e pai de todos. Trata-se assim de oferecer um mundo com futuro às novas gerações.