A atualidade noticiosa mostra-nos o drama que atinge milhares de pessoas, sobretudo no Médio Oriente, forçadas deixar tudo para evitar a morte, embora seja esse o destino que enfrentam também no processo de fuga. Essa realidade aparentemente longínqua está, no entanto, a tocar-nos de perto. E agora, como reagimos, quando os refugiados estão a bater à porta dos países europeus?
A história da humanidade sempre registou movimentos migratórios, uns motivados pela procura voluntária de melhores condições de vida, outros forçados pela simples necessidade de viver, sobretudo como fuga de cenários de morte, como a guerra, as epidemias ou desastres naturais. São estes últimos os mais preocupantes, porque mais violentos e causadores de milhares de desalojados, desterrados e mesmo mortos. Expulsos de suas casas e dos seus países, normalmente em multidões, passam a receber o nome comum de “refugiados” – os que procuram refúgio.
Quando vistos no ecrã da televisão, os enormes campos de tendas onde se abrigam em condições sub-humanas causam-nos uma compaixão passageira. Quando a fome e a doença se abatem sobre homens, mulheres e crianças, surgem aqui e ali as campanhas de solidariedade, canalizadas do conforto do nosso lar pelas instituições humanitárias que estão “no terreno”. Quando as imagens surgem mais chocantes, como as dos mortos no Mediterrâneo em botes superlotados pela ganância dos exploradores, inundam-se as redes sociais e uma ou outra rua em protestos e críticas à injustiça deste mundo e inoperância dos governantes.
E quando esses “refugiados” acabam a bater à nossa porta, como reagimos?
Essa é a pergunta que fazem neste momento os europeus, sem saberem ainda muito bem como responder. Uns defendem a abertura de portas a todos os que pedem misericórdia e refúgio, outros falam de “quotas” para o acolhimento, outros ainda recusam qualquer entrada, temendo que essa “invasão” signifique o fim do seu próprio “mundo”. Estados, Igrejas, instituições e indivíduos vão adiantando propostas e testando iniciativas. O problema, no entanto, parece longe da solução…
De onde vêm os refugiados?
Podemos dizer que há refugiados a circular de e para todas as partes do mundo. Mas há épocas marcadas por movimentos massivos específicos. Tal como a Europa Central fustigada por duas guerras mundiais ou a Europa de Leste sob o regime da ex-União Soviética foram cenários de fuga de pessoas durante o século XX, é hoje a região do Médio Oriente que está na “ordem do dia”.
Há décadas – praticamente desde o final da II Guerra Mundial – que os países do Médio Oriente vivem em situação de conflito permanente, aqui e ali estancado por regimes autoritários que aniquilam pela força das armas qualquer oposição política, religiosa ou ideológica. Na confluência de três continentes (Ásia, África e Europa), esta é a terra que viu nascer as grandes religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo). Sendo esse um dos motivos do confronto, até entre grupos da mesma religião (como os muçulmanos sunitas e xiitas), não se esgota aí toda a fonte dos problemas.
Dada a sua situação geográfica, esta é também uma área estratégica como centro de negócios do mundo e, por isso, muito sensível dos pontos de vista económico, político e cultural. A agravar a situação, um subsolo rico de cobiçados recursos, como o petróleo, e um solo pobre de água, um bem precioso que faz depender muitos países dos vizinhos.
Este “barril de pólvora” tem explodido por diversas vezes, sendo palco de alguns dos maiores conflitos na passagem do século XX para o XXI, como a Guerra do Golfo, a Guerra do Iraque ou o “eterno” combate entre Israel e a Palestina. De facto, países como Arábia Saudita, Argélia, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iémene, Irão, Iraque, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Omã, Palestina, Somália, Sudão ou Tunísia são mencionados com frequência em notícias de ataques, atentados, massacres e todo o género de violação da paz e dos direitos humanos. Pelo meio, a intervenção externa de países como os Estados Unidos da América, a Rússia ou os membros da Nato é, muitas vezes, acusada de só piorar a situação, por ajudar ao armamento dos grupos em conflito e esconder intenções de se apoderarem dos recursos energéticos locais.
Entre todos, ganhou especial destaque nos últimos dois anos a Síria. Durante três décadas foi dominada pelo regime de Hafez al-Assad, acusado de vários massacres para manter o poder. No ano 2000, sucedeu-lhe na presidência o filho Bashar al-Assad, que prometeu reformas tendentes à democracia, mas sem grande expressão na prática. Apoiados pelo Ocidente e acalentados pela chamada “primavera árabe” que provou o derrube de vários regimes vizinhos, os grupos oposicionistas sírios foram ganhando força e a guerra civil instalou-se definitivamente desde 2011. Dois anos depois, a fusão de vários grupos extremistas faz surgir o autoproclamado “Estado Islâmico”, que reivindica a conquista do território e de estados vizinhos para a constituição de um “califado” onde impere a lei islâmica radical. As forças ocidentais viram-se, agora, contra esta nova ameaça, cuja violência e crueldade não poupa nada nem ninguém. Os números oficiais apontam já para cerca de 220 mil pessoas assassinadas e mais de 12 milhões a precisar de ajuda humanitária para sobreviver.
É deste cenário de morte e destruição que estão a fugir já cerca de cinco milhões de sírios, de todas as classes, condições, etnias e religiões – muitos deles cristãos, que são assassinados só por terem esta fé.
Para onde vão os refugiados?
O destino mais óbvio e rápido são os países vizinhos, como a Jordânia, o Líbano e a Turquia, onde se têm concentrado a maioria dos fugitivos. Mas é impossível encontrar aí condições mínimas de sobrevivência para tanta gente, completamente dependente da ajuda alimentar, médica e social das instituições internacionais. Menos ainda, ter qualquer perspetiva de reconstruir a vida, com trabalho, educação e a mínima estabilidade familiar. Além de que, também nesses países, o ambiente de hostilidade não é muito menor e a perseguição não deixa de ser uma realidade constante, por exemplo, no caso dos cristãos.
Assim, depois de fugir às armas e às bombas sírias, é preciso voltar a fugir da fome, das epidemias e da morte sempre à espreita. A Europa aparece, então, como único destino viável. É aí que surgem oportunistas sem escrúpulos a tirar-lhes o resto que tenham em troca da promessa da viagem para o “paraíso”. O “serviço” termina normalmente com o abandono em alto mar de barcos lotados à pinha, onde homens, mulheres e criança ficam votados à sorte de um navio que passe para os resgatar. Os que conseguem sobreviver chegam então às centenas de milhares às margens da Grécia ou da Itália, onde os seus problemas estão longe de terminar.
Apela-se, por fim, à solidariedade da União Europeia. Enquanto se discutem as “quotas” que cada país poderá acolher, alguns vão tentando fechar as fronteiras ou erguendo muros de arame farpado, como os que surgiram na Hungria, Bulgária e outros por toda a Europa, sobretudo a Norte.
Muitas vozes se vão fazendo ouvir, com a da Igreja Católica – com o Papa como timoneiro – a apelar ao acolhimento. Mas são também muitos os que temem que esta “invasão” venham colocar em risco a segurança, o emprego e a estabilidade social da velha Europa, até pelo confronto cultural e religioso que possa vir a surgir. Não faltam até os que avancem com a “teoria da conspiração” de que esta é uma estratégia planeada por terroristas e dirigentes muçulmanos para uma futura “colonização” árabe do velho continente.
Acolhimento em Portugal
O nosso país foi dos primeiros a manifestar a sua disponibilidade para acolher os refugiados que lhe fossem determinados pela estratégia a definir pela União Europeia. Em junho passado, estimava-se que fossem integrados na Europa cerca de 40 mil refugiados, cabendo cerca de 1500 a Portugal.
Atualmente, mais do que duplicou o número dos já entraram no Continente e as estratégias de solução estão a ser constantemente revistas. Há quem estime em cerca de 3.000 os que possam rumar a Portugal, mas não há ainda um número definitivo assumido pelo Governo.
Pela região
Também pela região se foram manifestando intenções de ação. O Município da Batalha foi dos primeiros a adiantar ao Governo e ao Conselho Português dos Refugiados a sua abertura para acolher cerca de duas dezenas de refugiados, anunciando em junho ter já sinalizado empresas e instituições de solidariedade locais dispostas a oferecer-lhes trabalho e assistência social.
O jornal PRESENTE contactou as restantes câmaras municipais da área da Diocese, tendo obtido resposta de apenas duas.
O Município de Pombal refere que “demonstrou já abertura e disponibilidade para acolher os refugiados”. Aguardam-se apenas do Governo “informações e esclarecimentos sobre o modo, apoios e condições”, conforme a política nacional que vier a ser definida sobre este assunto.
Também o Município de Leiria informou estar a acompanhar “atentamente” a situação, defendendo que “a participação dos municípios na ajuda aos refugiados terá de ser integrada numa estratégia de âmbito nacional, pelo que é essencial a existência de um plano de ação por parte do Governo, bem como da UE”. Só depois “os municípios estarão em condições de responder quanto à sua capacidade de resposta”.
Diocese de Leiria-Fátima mobiliza-se
No passado dia 4 de setembro, o Bispo de Leiria-Fátima dirigiu uma carta a todos os párocos e responsáveis de misericórdias, IPSS e congregações religiosas sobre o “drama dos refugiados que chegam à Europa para fugirem da guerra e da miséria” e o “apelo do Santo Padre à solidariedade de todos”.
“Ninguém pode permanecer indiferente” e “exige-se uma resposta imediata”, considera D. António Marto, pedindo a todas as instituições diocesanas que forneçam informações sobre as “possibilidades (espaços logísticos, famílias abertas a acolher alguém, outros recursos) que cada uma possa ter para o acolhimento de refugiados”.
Esta ação será coordenada pela Cáritas Diocesana (244 823 692 / leiria@caritas.pt), em colaboração com a Plataforma de Apoio aos Refugiados instituída naquele mesmo dia (www.refugiados.pt) e que conta com o envolvimento de várias dezenas de instituições civis e religiosas nacionais. “Ainda que haja possibilidade de acolher pelo menos uma família, já vale a pena”, conclui D. António Marto.
Santuário de Fátima oferece alojamento
Também o Santuário de Fátima anunciou que irá disponibilizar espaços de acolhimento. O reitor, padre Carlos Cabecinhas, considera que “a dramática crise de refugiados a que a Europa deve dar resposta não nos pode deixar indiferentes e exige respostas concretas”. Para tal, “o Santuário disponibilizará uma casa para acolhimento estável de refugiados”, bem como “um edifício que habitualmente é usado para albergar peregrinos, para acolher de forma transitória aqueles refugiados que aguardam alojamento definitivo”.
Seminário Diocesano já tem “experiência”
Embora em moldes diferentes, o Seminário Diocesano de Leiria já tem alguma experiência no acolhimento a refugiados. De facto, em 2013, a Segurança Social de Leiria solicitou a esta instituição diocesana um espaço que pudesse ser usado para habitação de pessoas refugiadas no nosso país. Para tal foi disponibilizada uma casa normalmente arrendada a estudantes, por onde têm passado algumas dessas pessoas, acompanhadas pelos serviços da Segurança Social. “São pessoas que estão em período de integração, a aprender a língua a à procura de trabalho, e que também procuramos ajudar nesta fase temporária da sua vida”, refere o padre Manuel Henrique, ecónomo do Seminário, adiantando que ali moram atualmente imigrantes do Leste europeu e da Síria.
Cristãos perseguidos
Há vários anos que os relatórios da fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) vêm alertando para os dramas humanos que se vivem nestas e noutras regiões do planeta. Concentrando a sua atenção nos “cristãos perseguidos”, esta fundação dependente da Santa Sé está em permanente contacto com os principais responsáveis das Igrejas perseguidas e faz-se ao “terreno”, não só para observar a realidade, mas com ajuda concreta onde poucos se aventuram a entrar.
É o caso do Médio Oriente, onde havia cerca de 20% de cristãos em 1940 e apenas 4% nos nossos dias. “Em todo o lado só se vê o esqueleto dos edifícios; está tudo destruído”, adianta o seu último relatório (www.fundacao-ais.pt), sublinhando que “a Síria está a ferro e fogo… está a morrer e ninguém parece ser capaz de sobreviver à guerra que está a matar o país”, como alertam as religiosas e os bispos que resistem a permanecer no local.
Este facto vem alertar-nos para o facto de serem também muitos os cristãos que engrossam as fileiras de refugiados. Ainda que a solidariedade não deva olhar a credos ou ideologias, pois todos os seres humanos nos merecem o mesmo tratamento como filhos de Deus, ainda mais nos toca o dever da caridade quando são irmãos da mesma fé a gritar por ajuda.