“Crescei e multiplicai-vos…” O apelo que Deus faz no Livro do Génesis ganhou, nos últimos tempos, um sentido premente na Europa e em especial no nosso país.
O decréscimo das taxas de natalidade e de fecundidade tem lançado alertas sobre a necessidade de inverter este “inverno demográfico, como o apelidou o geógrafo francês Gérard Dumont.
A Igreja está atenta a esta realidade e lembra a sua Doutrina, que propõe um amor conjugal fecundo. No Natal de Deus que se faz homem, propômos a perspectiva de um outro natal, que projeta o amor infinito do primeiro e que perpetua a vinda de Deus em cada família e em cada filho.
Para perceber a realidade que faz de Portugal um dos países com a mais baixa taxa de fecundidade do mundo, o PRESENTE falou com três casais sobre as principais preocupações e desafios que vivem. Diferentes entre si, têm em comum a opção pela paternidade, confirmada pelo Matrimónio.
Afinal, vale a pena querer ter filhos?
Quando, há cerca de um ano e meio, Andreia e João receberam o sacramento do Matrimónio afirmaram, desde logo, a opção pelos filhos, dizem. Embora ainda não sejam pais, têm a certeza de que essa é a sua vocação e de que os filhos “serão o fruto mais perfeito do amor” que os uniu. Até lá, projetam essa vontade como uma verdadeira “experiência de amor incondicional que Deus” lhes propõe e que esperam poder viver. Apesar de reconhecerem que os problemas financeiros e as exigências da vida profissional dificultam esta vocação, sentem-se confiantes e serenos quanto à opção que tomaram. “Queremos ter dois filhos, pelo menos.”
Quando a vontade não é suficiente
Sónia e Rodrigo somam já dez anos de casados. Assim como a Andreia e o João, desde cedo comungam a vontade de ser pais. “Começamos a tentar um ano após o casamento e, passados uns meses sem que a gravidez se concretizasse, achámos que afinal podia não ser tão fácil quanto esperávamos”. Durante os nove anos que se seguiram, iniciaram tratamentos de fertilidade. O desejo que têm em ter um filho tem-se revelado uma tarefa titânica, não apenas pelas dificuldades que têm sentido na concretização desse desejo, mas também pela pressão social que enfrentam. “Quando queremos muito e as coisas não acontecem naturalmente são-nos colocadas tantas barreiras que nem todos conseguem superá-las”, lamenta Sónia. “Em teoria todos dizem que devemos aumentar a natalidade porque somos um país envelhecido, mas na prática, quem quer ter um filho e não consegue encontra imensas dificuldades”, conclui.
A doutrina católica tem em linha de conta a realidade dos casais que têm dificuldade em ter filhos. Em declarações ao PRESENTE, D. Antonino Dias, presidente da Comissão Episcopal do Laicado e Família (CELF), reconhece o sofrimento destes casais, e lembra que, nestes casos, a Igreja aconselha a que os esposos se abram à adoção. O Catecismo da Igreja Católica (CIC) refere, a este propósito, que “os esposos, esgotados os recursos médicos legítimos, podem mostrar a sua generosidade, mediante o cuidado ou a adoção, ou então realizando serviços significativos em favor do próximo”.
Foi isso mesmo que fizeram Sónia e Rodrigo, mantendo persistente o desejo que têm em ter filhos e embora não tenham esgotado os recursos médicos, iniciaram desde logo e paralelamente aos tratamentos de fertilidade, um processo para adoção, confirmando a caridade e o acolhimento a que a Igreja convida. O sacrifício que lhes é pedido, tem-se concretizado nas dificuldades que têm ultrapassado, nomeadamente em relação ao processo de adoção que é “muito burocrático e demorado, o que, para quem quer muito um filho, se torna desesperante”, revelam.
Quando dois não chega e três não é demais
Quando se casaram há nove anos atrás, Lena e Ivo assumiram, desde logo, a opção pelos filhos como um “projeto de família”. Do primeiro passo que deram para concretizar o projeto conjugal, nasceram gémeos, o Pedro e a Maria, que têm agora cinco anos. Há dois anos atrás nasceu a Margarida. “Três é a conta que Deus fez”, remata Lena entre sorrisos. “Não estamos a contar com o quarto, mas se alguém por aqui aparecer, haverá amor que chegue para todos… Gostamos de desafios!”
Aproveitamos o gosto revelado para perguntar sobre aqueles que a paternidade exige. “Dormir pouco e lidar com os efeitos de cansaço cumulativo”, conseguir “conjugar a vida laboral ativa e as demais atividades”, são apenas alguns dos desafios que se colocam a quem tem filhos, respondem. “Não somos os pais que queremos ser em todos os momentos, mas vamo-nos construindo e aprendendo com cada um dos nossos filhos”, afiança Lena.
E coisas boas? Essas são mais fáceis de enunciar e surgem numa resposta pronta, acompanhada de um sorriso de quem se sente reconfortado: “cada abraço e beijinho, as gargalhadas e tolices, mesmo quando temos de fazer cara séria, a cumplicidade, enfim, a felicidade das coisas pequeninas e simples!”
Lena e Ivo estão conscientes da responsabilidade que têm em relação à educação dos filhos e, nesta matéria, a prioridade são os valores. “Para além do desenvolvimento nas vertentes física, intelectual e emocional, procuramos que os nossos filhos tenham bom coração, que aprendam a respeitar e partilhar, que cresçam espiritualmente e que assim encontrem a sua felicidade.”
A doutrina católica é clara nas orientações que dá quanto aos deveres que pais têm perante os filhos. A saber: o dever de amá-los, de prover às suas necessidades materiais e espirituais e, em particular a educá-los na fé cristã. O “acolhimento responsável dos filhos e a sua educação” pressupõe um primeiro anúncio da fé por parte dos pais.
Na família de Lena e Ivo os filhos estão incluídos em todos os momentos de vivência de fé, que é expressada com naturalidade e espontaneidade. “Temos muitos livros infantis que falam de Jesus ou contam histórias bíblicas, não fugimos às questões mais difíceis, tentando sempre explicar algum pormenor, procuramos participar em família na Eucaristia e oramos em família”. Ultimamente, têm-se preparado para a entrada dos filhos na catequese e têm feito um esforço para poder fazer catequese familiar. “Para nós é importante o crescimento espiritual partilhado em família”, referem.
Uma cultura “antinatalista”
D. Antonino Dias reconhece que um dos principais desafios pelos quais os casais passam atualmente e que influencia a opção pela paternidade, está ligado à subsistência da economia familiar. Fala concretamente do problema do desemprego e do emprego precário, que impossibilita uma estabilidade necessária que dê garantia aos esposos para que possam ter filhos. O responsável da CELF também aponta o dedo à “crise de fé” que se sente no seio das próprias famílias. Por último, refere “as políticas antifamília, caracterizadas por uma carga fiscal elevada, que dificulta a economia familiar e impossibilita uma sustentabilidade digna”.
Os casais com quem falámos confirmam esta análise. “De um modo geral, não sentimos apoio no essencial”, referem Lena e Ivo. “Sentimos que as leis e políticas que existem não têm grande foco na proteção da família, enquanto primeira estrutura de cidadania. ”Sónia e Rodrigo apontam a contradição que dizem existir entre “uma sociedade que nos diz que devemos aumentar a natalidade, mas que, na realidade, ainda cria imensas barreiras a quem quer ter um filho e não consegue”.
Ramiro Dinis, responsável pela delegação do distrito de Leiria da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), vai mais longe e fala de uma “cultura antinatalista”, em que ter filhos é cada vez menos uma opção. “As pessoas limitaram os seus horizontes e estão mais viradas para si próprias.” Para o responsável distrital da APFN, a forma como a sociedade olha para os filhos é o principal entrave ao aumento da taxa de fecundidade. Esta mudança de mentalidades veio colocar a opção pelos filhos “num plano inferior” e as “pessoas já sentem que não se realizam ao ter filhos”, explica. “A sociedade está-se a esquecer da realização humana que traz o ter filhos.”
Uma questão económica?
“De facto, ter filhos está cada vez mais caro”, refere Ramiro Dinis ao falar do fator económico, que muitas vezes é apresentado pelos casais para a decisão de ter ou não ter filhos. Perguntamos se existe algum valor médio de gastos por filho, que esteja estipulado. “Tentar estabelecer esse valor é difícil e limitativo, uma vez que se trata de um cálculo ajustável em função do nível económico de cada família.” Para o responsável distrital da APFN, o fator decisivo na opção pelos filhos é o querer e esse “querer é cada vez menor”. “Em suma, o facto de pensarem em grande, faz com que os jovens casais pensem pequenino, uma vez que, ao perspetivarem um determinado tipo de vida, estão a limitar em certa medida essa opção, uma vez que decidem em função daquilo que poderão ou não garantir aos futuros filhos, explica. Mais importante que lhes dar as condições idílicas de materialidade, é a presença do pai e da mãe”, conclui.
A este respeito, Lena e Ivo referem que, com a paternidade, vem uma maior capacidade de distinguir o essencial do acessório e de valorizar o bem estar da família acima de tudo. Lembram ainda que o mais importante é manter uma “visão e postura positiva e alegre”, que pode fazer toda a diferença na vida conjugal e familiar.
Vale a pena?
Consciente de que as circunstâncias entre si são diferentes, D. Antonino Dias deixa uma mensagem de esperança aos casais indecisos sobre a altura ideal para cumprirem o desejo de ter filhos. “Não tenham medo, na vida temos que arriscar e, também aqui, é preciso arriscar. Com uma esperança, fundamentada na fé, tudo é possível ultrapassar.”
O prelado reconhece que “muitas famílias sofrem pelo facto de não poderem ter filhos, por não terem condições económicas para os ter”, mas lembra que a “Igreja deposita nelas muita esperança”. Embora reconhecendo as exigências da vida atual, deixa o convite aos casais para que apostem na fecundidade, por forma a projetar o amor conjugal nos filhos, que fortalecem o sentido de vida do casal.
Ramiro Dinis vai ao encontro desta ideia quando diz que “é do fortalecimento da vida conjugal que nasce a certeza de que vale a pena ter filhos”. “Quanto mais o casal aprofundar os laços que os unem, mais facilmente chegarão à conclusão de que os filhos fazem todo o sentido, como fruto dessa mesma entrega no amor”.
A alegria dos filhos como dom de Deus
Numa homilia dirigida a casais cristãos, ao falar dos três pilares que sustentam o amor conjugal, o Papa Francisco lembrava que, para além de fiel e perseverante, o Matrimónio deve ser fecundo. “O Matrimónio está, por sua natureza, ordenado à comunhão e ao bem dos cônjuges e à geração e bem dos filhos”, refere o CIC. Esta “fecundidade é um bem e um dom”, através da qual, os esposos participam da paternidade e do amor de Deus.” Assim, cada filho, enquanto natal familiar, é sinal vivo do amor de que Deus nos fez herdeiros, pelo Natal do seu próprio Filho.
Lena e Ivo descrevem, numa frase, esta alegria genuína de, através dos filhos, serem cooperadores do amor de Deus. “Sermos pais faz de nós mais família e sentimos que nos faz crescer e nos completa enquanto pessoas. Além disso, impede dias de monotonia ou rotina. Um dia é sempre uma aventura!”
Dados Estatísticos
• O Índice Sintético de Fecundidade, que representa o número médio de crianças nascidas por cada mulher em idade fértil era de 1,28 em 2012, no nosso país. Uma média inferior à registada na União Europeia, de 1,58.
• No ano passado registaram-se 33,9 nascimentos por cada 1000 mulheres em idade fértil em Portugal. Há dez anos atrás o valor era de 42,9.
• A Idade média da mãe ao nascimento do primeiro filho em Portugal está nos 29,7 anos. Em 2003, uma mãe tinha o primeiro filho aos 27,4 anos.
• Em 2013 nasceram em Portugal 7,9 bebés por cada 1000 habitantes. Há 30 anos atrás nasceram 16,2 bebés por cada mil habitantes.
• No Inquérito à Fecundidade, realizado em 2013, “ver os filhos crescerem e desenvolverem-se” foi o motivo mais apontado para a decisão de ter filhos. Por outro lado, os “custos financeiros associados a ter filhos” foi o motivo mais referido para a decisão de não ter filhos.
• A estabilidade da vida matrimonial é propiciadora da opção pelos filhos. A comprovar este facto estão os dados do Inquérito à Fecundidade de 2013, que indica que as pessoas que se encontram numa situação conjugal formalizada têm mais filhos, registando um valor médio de 1,9. Em contrapartida, as pessoas que não estão numa relação de conjugalidade apresentam níveis de fecundidade final esperada de 1,7, um valor abaixo da média global de 1,8.