O padre Manuel de Sousa Antunes tem 88 anos e nasceu em Santa Eufémia. Grande parte dos 65 anos de sacerdócio que conta passou-os no Santuário de Fátima, onde dinamizou a pastoral dos doentes, acompanhou a Imagem Peregrina e impulsionou o Movimento da Mensagem de Fátima.
O Presente Leiria-Fátima esteve à conversa com o “o caixeiro-viajante de nossa Senhora de Fátima”, como carinhosamente é conhecido, que nos falou dos primeiros tempos de sacerdócio, da chegada ao Santuário e da missão que lhe perecia estar reservada.
Agendar um encontro para a entrevista com o padre Manuel Antunes não nos foi tarefa fácil. O trabalho, que desenvolve em diferentes âmbitos pastorais, ocupa-lhe grande parte dos dias e podia, por si só, justificar esta dificuldade. À medida que começamos, percebemos uma outra explicação.
“Eu gosto de fazer as coisas por missão e não para dar nas vistas…”, diz, num esforço notório para começar a desembrulhar uma vida dedicada a muitas missões e que não passou indiferente à vista de ninguém.
Começa por onde se sente mais à vontade: a vocação sacerdotal, pela da qual serviu a Igreja e o mundo.
“Sempre senti o desejo de ser sacerdote. Eu tinha tios padres e um bispo na família e isso talvez me tenha influenciado.”
A sua caminhada vocacional iniciou em outubro de 1940, com a entrada no Seminário de Leiria. O dia 29 de junho de 1951 foi o primeiro dos 65 anos de sacerdócio que já conta. Foi ordenado por D. José Alves Correia da Silva, o bispo que o enviou, seis meses depois, para a paróquia da Maceira, para ajudar o pároco José Gaspar da Silva, sacerdote que recorda como “um bom mestre”.
Outra meia dúzia de meses depois, foi nomeado pároco de São Mamede, onde esteve durante 23 anos, três meses e três dias. Cada dia foi importante para o trabalho ali desenvolvido.
Catequese, saúde, férias, desporto e teatro
Entrou na paróquia de São Mamede no primeiro domingo da Quaresma de 1952 e, nos cinco dias de visita pascal, pôde, desde logo, contactar de perto com a população, que olhava com algumas reservas para o novo padre. O projeto pastoral que desenvolveu na paróquia viria a dissipar qualquer dúvida.
“Começámos logo com a catequese. Depois, surgiram alguns movimentos apostólicos, sobretudo a Acção Católica Rural (ACR). Porque havia carência ao nível da assistência social, a paróquia criou um dispensário de assistência materno-infantil: primeiro com um enfermeira e mais tarde também com um médico. Organizámos colónias de férias para crianças e mães, na Praia da Vieira e no Pedrógão.”
Faltavam os jovens, com quem o padre Manuel Antunes desejava contar para unificar a paróquia. Cativou-os pelo desporto, arranjando um campo de futebol, que viria a possibilitar o aparecimento de uma equipa, e pelo teatro, e conseguindo, assim, que os jovens se unissem e colaborassem na pastoral.
Foi na paróquia de São Mamede que passou o 25 de Abril de 1974, com todas as convulsões sociais que se lhe seguiram. Durante este período, lidou de perto com o preconceito que se criou em relação à Igreja, mas a “grande vontade da população de São Mamede em colaborar com o pároco” ultrapassaram todos os obstáculos. Dois anos depois, partia para abraçar outro desafio, mesmo ali ao lado.
Uma missão que já lhe estava reservada
Em 1976, D. Alberto Cosme do Amaral convidou-o a ir para o Santuário de Fátima, onde o Monsenhor Luciano Guerra, que tinha assumido as funções de reitor desde 1973, tinha acabado de criar o SEDO, um novo serviço para doentes e portadores de deficiência, que o padre Manuel Antunes começou desde logo a coordenar.
“Nesse ano, comecei a organizar os retiros para doentes, de 10 a 13 de maio. Fizemos cinco. No ano seguinte já fizemos 12 , com cada vez mais participantes e assim fomos, por diante… Chegámos a fazer 27 retiros por ano.”
Ainda hoje se fazem estes retiros no Santuário de Fátima, num trabalho que conta com a organização do Movimento da Mensagem de Fátima (MMF) e que acolhe, atualmente, cerca de duas mil pessoas por ano.
Ao contar o início do trabalho na pastoral dos doentes, em Fátima, recorda um episódio interessante aquando da sua ordenação sacerdotal.
“Na semana em que estava a fazer o retiro para me ordenar, chegou-me um grande escrúpulo de consciência, porque eu era doente desde os 18 anos e pensava que, por isso, ia ser um inútil. Fui ter com o vice-reitor do Seminário, na altura o D. João Pereira Venâncio, para expor a minha inquietação. Lembro-me que ele me acalmou e me disse: ‘quem sabe se um dia ainda te vai ser confiada alguma pastoral com doentes…’. Mal eu imaginava que, trinta anos depois, seria essa a minha missão.”
Durante a sua vida, houve momentos em que também ele teve de suportar a própria doença. Pelo contacto que teve com este estado, em si e nos outros, perguntamos-lhe sobre a importância da fé na doença.
“A doença amadurece a pessoa. Quando se passa por um hospital ficamos mais maduros, a todos os níveis. Perante esta situação, nota-se uma diferença de atitude entre as pessoas que têm fé, que enfrentam a doença com mais convicção, e as que não têm, que têm mais dificuldade em aceitar o seu estado.”
O Movimento da Mensagem de Fátima
Para além do serviço aos doentes, o padre Manuel Antunes viria a assumir a coordenação do SEAS (Serviço de Associações) e a coordenar, em 1983, o Movimento da Mensagem de Fátima (MMF), para o qual foi nomeado assistente nacional. (Ver história do MMF)
“No início, tive de girar pelo pelo país, com um saco às costas. Contactei com os bispos, para constituir os secretariados diocesanos e, com estes, os secretariados paroquiais.”
Os bispos que se sucederam na Diocese, confirmaram o padre Manuel Antunes como responsável pelo MMF. D. António Marto, que atualmente assume, por inerência, as funções de assistente geral do movimento, fala do padre Manuel Antunes como um “verdadeiro apóstolo de Fátima”.
“Dedicou-se a difundir a riqueza da Mensagem de Fátima de alma e coração, com uma frescura de espírito, que, apesar da idade, o leva, ainda hoje, a percorrer todos os recantos o país. Quer a Diocese de Leiria-Fátima e o seu Bispo, quer a Igreja em Portugal exprimem-lhe a melhor gratidão de que é merecedor”, disse, ao PRESENTE, o Bispo diocesano.
O “caixeiro-viajante de Nossa Senhora”
Entre 1982 e 1995 o padre Manuel Antunes acompanhou a Imagem Peregrina de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, motivo que lhe deu a alcunha de “caixeiro viajante de Nossa Senhora”.
“Acompanhei a Imagem Peregrina durante 16 anos. Pelo continente, Açores, Madeira e até pelo mundo… cheguei a ir ao Brasil e às Bermudas. Comecei quando havia só uma e foi uma grande experiência, sobretudo no contacto que tive com leigos, padres e bispos.”
Hoje, para além de coordenar ao nível nacional o MMF, o padre Manuel Antunes é também o responsável pelo Serviço de Doentes do Santuário de Fátima, onde é capelão. Em todos os serviços dedica-se com esforço, empenho e uma simplicidade que lhe é reconhecida pelos outros padres e pelos leigos com quem trabalha. É com a mesma simplicidade que olha para o trabalho que desenvolveu.
“Procuro fazer aquilo a que Ela também me vai inspirando, porque estas coisas, se não vierem lá do alto, cá de baixo também não vão.”
Um dia de cada vez…
Monsenhor Luciano Guerra, que priva diariamente com o padre Manuel Antunes, gaba-lhe a “disciplina alimentar invejável”. “É uma pessoa que procura cuidar da virtude de uma mente sã, num corpo são.”
Quando estamos na presença do padre Manuel Antunes, ainda que não conheçamos toda a dinâmica em que está envolvido, diariamente, não lhe reconhecemos na figura de quem nasceu em 1928. O que faz no dia-a-dia para manter esta frescura?
“Cada dia é um dia… Se começamos a pensar em todas as coisas que temos para fazer, entramos em pânico. Temos que nos adaptar ao que vai acontecendo, com um plano de trabalho, é claro! Por vezes, é preciso fazer uma ginástica, exterior, para lidar com as pessoas, e interior, para não fervermos por dentro. O meu dia é simples: levanto-me às sete horas e deito-me por volta das onze e meia da noite. Ao nível alimentar, mantenho um regime que evita os fritos e os guisados, onde prefiro o peixe à carne. Por fim, procuro caminhar diariamente. Enfim… Nossa Senhora também está aqui!”
Um homem agradecido
Todo o trabalho que tem vindo a desenvolver ao longo dos anos é resultado da “boa vontade e colaboração de muitos leigos e sacerdotes”, faz questão de sublinhar o padre Manuel Antunes, que termina a entrevista em tom de agradecimento.
“Aos anteriores senhores bispos: D. Alberto Cosme do Amaral e D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva e ao atual, senhor D. António Marto, com quem tenho partilhado os diversos problemas que vão surgindo, encontrando sempre abertura, boa disposição e acolhimento que muito me têm ajudado. Aos reitores do Santuário, que sempre me acompanharam, assim como aos diversos serviços, que sempre colaboraram com o MMF. Aos colegas capelães e aos secretariados nacionais e demais responsáveis diocesanos e paroquiais do MMF.”
Monsenhor Luciano Guerra sobre o padre Manuel Antunes
Em declarações ao Presente Leiria-Fátima, monsenhor Luciano Guerra, reitor do Santuário de Fátima entre 1973 e 2008, conheceu de perto o trabalho do padre Manuel Antunes e fala de “um sacerdote muito zeloso e de muita virtude”.
Os adjetivos que usa para caracterizar o amigo desfiam-se ao ritmo do elenco dos serviços que este desempenhou no Santuário de Fátima. Monsenhor Luciano Guerra enumera-os, um a um, fazendo questão de sublinhar a dedicação que o colega empregou em cada um deles.
“Dedicou-se ao apostolado de Fátima de alma e coração, não poupando tempos nem esforços, viajando por Portugal inteiro, com muita frequência.”
O “trabalho imenso que tem” com as crianças e os jovens, com os peregrinos a pé, com os doentes e os deficientes, na dinamização do apostolado das diocesano, só foi possível porque “ele é um homem programado”.
O antigo reitor do Santuário de Fátima sublinha ainda a capacidade do colega em congregar pessoas em prol de um projeto, através da sua simplicidade. “Sempre muito atento aos dirigentes, porque ele percebe que onde houver um bom dirigente, o movimento mexe-se.”
5 perguntas ao padre Manuel Antunes
O que precisa de ter um responsável do MMF?
Tem de ser um sacerdote disponível, que não tenha outras coisas, uma vez que há um trabalho que é necessário ser feito aqui, no Santuário, e fora, acompanhando o que é feito nas dioceses. É também essencial uma ligação estreita ao Santuário de Fátima.
O que diria a quem o suceder à frente do MMF?
Primeiro, diria o mesmo que Nossa Senhora disse aos Pastorinhos: “não tenhais medo”. Depois, que tenha um bom relacionamento com as pessoas que trabalham no movimento. Que não perca de vista o objetivo do MMF, que é o núcleo da própria Mensagem de Fátima: a conversão. É importante também saber delegar trabalho, com pessoas competentes e capazes de responder nos diferentes campos apostólicos do movimento. Por fim, é importante estar atento à dimensão social.
Está no Santuário há cerca de 40 anos. Que diferenças nota desde que cá chegou?
Teve uma grande evolução. Desde então, já ouve uma bela caminhada pastoral que não havia.
O Monsenhor Luciano Guerra, logo que assumiu a reitoria do Santuário, começou por organizar e programar a pastoral e a estruturar os serviços, colocando, à frente de cada um, um sacerdote e um leigo. Depois, vieram as construções, que deram uma nova imagem ao Santuário. De todas as obras por si feitas, durante os 35 anos em que esteve como reitor, saliento as que forma feitas na Capelinha das Aparições e, claro, a construção da Basílica da Santíssima Trindade.
O D. Virgílio Antunes, que lhe sucedeu, continuou a obra já iniciada, com novas perspectivas. O atual reitor, padre Carlos Cabecinhas, assumiu o que os seus antecessores haviam desenvolvido e renovou a imagem do recinto com a construção de um novo presbitério. Tem havido um esforço de fazer compreender que a Mensagem de Fátima é para todos, inclusive para o mundo intelectual.
Agora, tudo está devidamente estruturado, com um programa interno e para o exterior.
Em ano de centenário, qual a expetativa de quem serve Fátima há quase meio século?
Espero que o Centenário das Aparições seja um despertar para a consciência e a importância da Mensagem de Fátima, que continua atual. Que tenhamos a coragem de ler os sinais dos tempos para interpretar a Mensagem de Fátima, conforme São João Paulo II disse, aquando da sua visita.
Que leitura faz da Mensagem de Fátima no mundo atual?
Vejo uma Europa um pouco esquecida de valores importantes e também uma vontade de construir muros, físicos e na mente. Por outro lado, reparamos que pessoas de países que passaram por provações e situações difíceis demonstram, cada vez mais, interesse pela Mensagem de Fátima, o que é um bom sinal. O crescimento das vocações no continente Africano é também sinal positivo do mundo atual. Portanto, nota-se que, enquanto se assiste a uma falta de valores na Europa, noutras regiões do mundo sente-se o inverso, o que nos dá esperança.