Nota Pastoral sobre a abertura e vivência do Ano da Misericórdia
“Misericordiosos como o Pai”
† António Marto,
Bispo de Leiria-Fátima
Leiria, 25 de novembro de 2015
Refª: CE2015B-009
Caríssimos diocesanos,
O início próximo do Ano Santo da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco, oferece-me a oportunidade de vos dirigir uma breve nota pastoral sobre a abertura e a vivência deste Ano Jubilar. Na sequência da Carta Pastoral que escrevi, desejo agora sublinhar alguns pontos a fim de que a celebração deste Jubileu seja para todos um verdadeiro momento de encontro com a misericórdia divina, uma experiência viva do amor misericordioso e da ternura do Pai, uma graça de renovação espiritual.
Amor entranhado de um pai e de uma mãe
Nem sempre a misericórdia é bem compreendida e, por isso, surge com frequência alergia e indiferença ao ouvir falar dela. Na bula de proclamação do Ano Santo da Misericórdia (MV), o Papa Francisco lembra que “a misericórdia de Deus não é uma ideia abstracta mas uma realidade concreta, pela qual Ele revela o seu amor como o de um pai e de uma mãe que se comovem pelo próprio filho até ao mais íntimo das suas entranhas” (MV 6). E explicita: “Na Sagrada Escritura, a misericórdia é a palavra-chave para indicar o agir de Deus para connosco… é a sua responsabilidade por nós. Ele sente-se responsável, isto é, deseja o nosso bem e quer ver-nos felizes, cheios de alegria e serenos” (MV 9). Perante o mal de que são vítimas ou que praticam, nas situações de fragilidade, fraqueza, miséria e feridas, os homens de hoje necessitam da terapia e do remédio da misericórdia.
Também nós, fiéis cristãos e a Igreja, somos convidados a corresponder à exortação de Jesus: “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 36). Trata-se de praticar um amor compassivo que se manifesta perante as misérias, tribulações, fraquezas, pecado e maldade, para ir ao encontro, abraçar, cuidar, curar, libertar e perdoar. As “feridas” dos homens que encontramos reclamam a nossa atenção e a nossa resposta às suas necessidades materiais e espirituais.
Abertura da Porta Santa em Fátima e Leiria
Em adesão ao convite do Santo Padre, vamos fazer a abertura da Porta Santa do Ano da Misericórdia no Santuário de Fátima (basílica da Santíssima Trindade), no dia 8 de Dezembro, na missa da solenidade da Imaculada Conceição, com início às 10 horas. A mesma celebração de abertura realizaremos na Sé, no III Domingo de Advento, 13 de dezembro. O programa em Leiria tem início com a concentração no Largo Paulo VI, às 16 horas, seguindo-se a procissão para a Sé, a abertura da Porta Santa e a celebração da Eucaristia. Convido os fiéis católicos da Diocese a participarem nesta importante celebração de início do Ano Jubilar.
A “Porta Santa” tem um rico e belo significado simbólico e espiritual. É, no dizer do Papa, “uma Porta da Misericórdia, onde qualquer pessoa que entre poderá experimentar o amor de Deus que consola, perdoa e dá esperança” (MV 3). Para ajudar a atravessá-la e viver a graça espiritual da conversão de vida, haverá um guião, que cada fiel poderá usar, no qual se indicam as atitudes, a palavra de Deus, os atos e as orações essenciais que permitam abrir o coração ao dom de Deus nesse exercício espiritual. Não basta entrar no lugar sagrado e deixar-se tocar pela graça divina. É preciso também que a saída leve à prática das obras de misericórdia na vida de cada dia, ajudando os irmãos em necessidade material, social ou espiritual.
Peregrinação da misericórdia
A passagem pela porta santa é uma etapa de um movimento de saída de casa e de si mesmo para se pôr ao caminho em busca de Deus e de vida nova. É isto a peregrinação. Esta “santa viagem” é imagem do caminho pessoal que cada um realiza na sua existência. Ela é sinal a indicar “que a própria misericórdia é uma meta a alcançar que exige empenho e sacrifício”. “Por isso, diz o Papa Francisco, a peregrinação há de servir de estímulo à conversão: ao atravessar a Porta Santa, deixar-nos-emos abraçar pela misericórdia de Deus e comprometer-nos-emos a ser misericordiosos com os outros como o Pai o é connosco” (MV 14). O próprio Jesus indica, nas palavras do Evangelho, as etapas existenciais da peregrinação: não julgar nem condenar, perdoar, dar, usar uma boa medida com os outros (cf Lc 6, 36-38). Não julgar nem condenar o outro “significa, positivamente, saber identificar o que há de bom em cada pessoa” (MV 14).
A peregrinação da misericórdia há-se significar uma mudança interior provocada pela graça de Deus e a adoção de atitudes e estilo de vida segundo o Evangelho. A este exercício espiritual está unido o dom da “indulgência jubilar”, que se estende mais para além do perdão dos pecados e se destina a sanar as feridas, o enfraquecimento e as fragilidades que ficam na pessoa como sequelas ou efeitos do pecado cometido. “Para viver e obter a indulgência, os fiéis são chamados a realizar uma breve peregrinação rumo à Porta Santa, como sinal do profundo desejo de verdadeira conversão… É importante que este momento esteja unido, em primeiro lugar, ao Sacramento da Reconciliação e à celebração da santa Eucaristia com uma reflexão sobre a misericórdia. Será necessário acompanhar estas celebrações com a profissão de fé e com a oração por mim e pelas intenções que trago no coração para o bem da Igreja e do mundo inteiro” (Papa Francisco).
Convido, por isso, cada fiel a pôr no seu programa um dia para fazer a sua peregrinação à Sé ou ao Santuário de Fátima. Pode também ser feita em família, em grupo ou movimento, por paróquia ou vigararia. Peço aos vigários e párocos que promovam a realização destas peregrinações. Nos casos da peregrinação à Sé, exceto a pessoal e familiar, é conveniente informar a paróquia de Leiria da intenção e da data, para que não haja implicações com as celebrações na catedral e o apoio seja assegurado.
Meios para o Ano da misericórdia
Para melhor viver este Ano, vamos propor e oferecer alguns meios.
O Evangelho de S. Lucas (em livro, com alguns salmos): é o “evangelho da misericórdia”. Será distribuído gratuitamente na abertura da porta santa e na peregrinação diocesana a Fátima, no 5º domingo da Quaresma. Poderá ser distribuído também às famílias pelas paróquias na visita pascal. Recomendo que seja feita através dele a leitura orante da palavra de Deus (lectio divina), pois, como diz o Papa, “para sermos capazes de misericórdia, devemos primeiro pôr-nos à escuta da Palavra de Deus”.
Estamos também a preparar o guião para o “retiro popular”, em grupo ou em família, durante a quaresma, que ajudará a aprofundar e interiorizar o tema da misericórdia.
Espero que nas paróquias ou vigararias, com a eventual colaboração de grupos (nomeadamente de jovens), movimentos apostólicos e comunidades religiosas, especialmente nas zonas urbanas, se organize a proposta “24 horas para o Senhor”, como oferta de portas abertas para “um momento de intensa oração” e oportunidade de “redescobrir o sentido” da própria vida. Onde não puder ser um dia e noite, faça-se o tempo possível. Dê-se o conveniente anúncio e assinale-se a igreja no exterior para despertar interesse a entrar nela. Nesse tempo, não falte a oferta do sacramento da reconciliação com um ou mais sacerdotes disponíveis.
O sacramento da reconciliação, neste ano jubilar, seja celebrado por sacerdotes que sejam verdadeiros sinais da misericórdia do Pai do Céu que oferece o seu perdão aos filhos que regressam a casa. “Nunca esqueçamos, diz o Papa Francisco, que ser confessor significa participar da mesma missão de Jesus e ser sinal concreto da continuidade de um amor divino que perdoa e salva”. Quanto à atitude dos confessores, eles “são chamados a estreitar a si aquele filho arrependido que volta a casa e a exprimir a alegria por o ter reencontrado” (MV 17).
Durante este ano, os sacerdotes sejam mais zelosos no proporcionar o sacramento da reconciliação incluindo celebrações comunitárias bem cuidadas, para ajudar a experimentar a graça da misericórdia. Proporcionem-nas às crianças, aos adolescentes e aos jovens, com a ajuda de catequistas, animadores e outros colaboradores da paróquia.
A vivência deste ano de graça deverá implicar também os serviços sócio-caritativos e quantos têm a tarefa de cuidar dos irmãos mais frágeis. “Abramos os nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da própria dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito de ajuda. As nossas mãos apertem as suas e estreitemo-los a nós para que sintam o calor da nossa presença, da amizade e da fraternidade. Que o seu grito se torne o nosso e, juntos, possamos romper a barreira de indiferença que frequentemente reina soberana para esconder a hipocrisia e o egoísmo” (MV 15).
Maria, Mãe de ternura e de misericórdia, nos abençoe e sustente no acolhimento do amor misericordioso de Deus e na sua prática em relação a todos os nossos irmãos, especialmente os que dele mais têm necessidade.