Com mais um ano a fechar, é habitual o exercício de olhar em retrospetiva e fazer uma leitura da vida que correu. Ao mesmo tempo, procuramos nesse passado algumas pistas para a perspetiva do que o novo ano nos reserva. Sendo sempre leituras parciais, poderão ajudar-nos a fazer o nosso próprio balanço da jornada e a centrar no essencial os propósitos de mudança e crescimento.
Olhando o mundo neste ano de 2015, é incontornável o problema das migrações massivas do Médio Oriente provocadas por guerras e perseguições que estão a gerar milhões de refugiados. A Europa surge como destino de segurança, mas tem revelado grande dificuldade de resposta, e a solução que se pretende solidária tarda em chegar. Outro flagelo que marcou indelevelmente este ano foi o terrorismo, que massacra diariamente milhares de seres humanos, mas se torna mais visível e doloroso quando nos entra em casa, como foi o caso do terrível massacre ocorrido em Paris em novembro.
São muitas as leituras possíveis destes fenómenos e uma delas é a religiosa. Optámos por recorrer ao comunicado do “Observatório para a Liberdade Religiosa”, criado no início do ano por um grupo de cidadãos ligados à investigação, comunicação e jornalismo, acolhido pelo departamento de Ciências das Religiões da Universidade Lusófona e coordenado pelo jornalista Joaquim Franco e pelo professor Alexandre Honrado. Além da cena internacional, aponta a “situação bastante frágil” das instituições nacionais, perante o cenário de crise que foi constante. O apelo e o desafio são a uma cidadania mais responsável de todos.
É precisamente nessa linha da participação colectiva que vai Ambrósio Ferreira, que convidámos a comentar o panorama nacional neste ano que passou. Começando por referir que “ficámos mais pobres”, termina com um sinal de esperança de que “o novo ano será melhor”, na convicção de que a sociedade civil saberá continuar a responder aos desafios, como aconteceu já em 2015.
Saltando para o panorama eclesial, pedimos a Octávio Carmo, da Agência Ecclesia, um resumo do que marcou a vida da Igreja neste ano. O Sínodo dos Bispo sobre a Família é “o” acontecimento que ajuda a ler toda a ação do Papa, desde a publicação da Encíclica sobre a ecologia até à abertura de um Ano Santo dedicado à Misericórdia. A questão do perdão e da integração dos mais desfavorecidos é central, até nas opções das viagens apostólicas, num ano “muito importante para a definição do rumo do atual pontificado”.
Na Igreja em Portugal, o jornalista Diogo Carvalho Alves, que coordena esta secção no PRESENTE, escolheu a visita “Ad Limina” dos bispos ao Vaticano como o acontecimento do ano. Entre os vários “recados” do Papa, ganhou especial destaque a pergunta pelo porquê da “debandada da juventude”. Francisco pede para “as luzes ultrapassarem as sombras”, sobretudo pela aposta na formação cristã pós-Crisma. No caso da Diocese de Leiria-Fátima, um biénio dedicado à juventude em 2018-2020 será parte dessa resposta.
Da Igreja diocesana neste ano de 2015 fala-nos o padre José Augusto Rodrigues, diretor do Departamento de Pastoral Familiar e do Centro Pastoral Diocesano. É que estes dois serviços foram dos que mais marcaram o ano que finda. Em maio, a Festa das Famílias encerrou um biénio dedicado ao tema. Ficam memórias do dinamismo que passou por paróquias e instituições, problemas e desafios identificados, pistas para um trabalho que mal começou. Em outubro, foi inaugurado o Centro Pastoral Diocesano, instalado no edifício do Seminário, onde se concentram agora os serviços da cúria e muitos movimentos e grupos de animação da vida desta Igreja particular de Leiria-Fátima. Também neste caso (e nesta casa – que é de todos, como tem frisado o Bispo D. António Marto), o futuro começa agora.
Luís Miguel Ferraz
A urgência de observar o fenómeno religioso
Porque vivemos momentos de flagrante injustiça, pelo desrespeito aos Direitos Humanos e pela falta de respeito do Homem perante si mesmo, há que mobilizar atenções e recursos, incentivar a pedagogia, educar para a cidadania e para a integração.
Entre os equívocos do presente está a interpretação do fenómeno religioso, que grupos marginais, armados, atuando isoladamente ou em grande escala, procuram fazer impor, confundindo e abusando da essência da religião e da religiosidade.
Não nos cabe fazer uma avaliação exegética ou hermenêutica dos (con)textos religiosos, mas a forma como a religião e o fenómeno religioso se manifestam ou podem manifestar na construção de uma sociedade integradora, plural e pacífica.
Reclamando uma matriz religiosa, esses intérpretes da religião revelam ser assassinos e delinquentes, agindo de forma cobarde, atacando os mais desprotegidos e, sob interesses políticos, a própria cidadania que nos estrutura e explica enquanto sociedade. A sua ação e vocabulário lançam dúvidas na opinião pública, que a opinião publicada intensifica. Assumem-se como representantes de uma religião que também lhes tem asco. Querem que o mundo acredite que atuam com um sentido religioso, quando as evidências revelam que professam, isso sim, a desumanidade.
Quando falamos hoje de massacres, de barbárie e crime, em cenários tão diferentes como a França, o Níger, a Nigéria, a Síria, entre tantos exemplos de uma triste longa lista, devemos observar que a realidade dos outros é também nossa e que a interpretação dos acontecimentos requer o nosso melhor exercício de entendimento. Estamos perto, muito perto, por força da globalização e da linguagem mediática, também ela geradora de equívocos que requerem novas ferramentas para melhor entender a comunicação do/no nosso tempo.
Em Portugal, temos também observado extremismos, embora numa escala bem menor. Os que atuam pela força física e pela guerra psicológica, pela ideologia, pela difusão nas redes sociais e até nos órgão de comunicação social, procurando clivagens, fomentando os opostos, confundindo os sentimentos, estão entre nós. Sobretudo as redes sociais fervilham de mobilização para essas radicalizações, algumas usando tradicionais chavões provenientes dos léxicos da xenofobia e do racismo.
Devemos procurar entender as circunstâncias que geram o medo e a perturbação. Não podemos aceitar manobras deliberadas para daí retirar dividendos de um proselitismo que segrega ou para aplicar cartilhas ideológicas que atentam contra a cidadania, a liberdade religiosa e os Direitos Humanos.
A recente notícia da construção de uma nova mesquita em Lisboa pode ser usada como exemplo dessa cruzada mental. Acresce a nova realidade dos refugiados, cuja rota passa pelo nosso país. Em alicerces de medo e de ignorância, mas também de objetivos com interesses previa e visivelmente definidos, cresce perigosamente o grau da intolerância.
O papel do Observatório para a Liberdade Religiosa (OLR) em Portugal, a assinalar o seu primeiro aniversário, reforça por tudo isto a sua razão de ser. Perante a ameaça do terrorismo na Europa, fomentado por esses que se reclamam religiosos e assim se escondem sob a capa de uma religião; perante as mutações do modo de viver do Velho Continente, hoje casa de acolhimento de gente que procura a Paz fora da sua terra natal; perante a escalada da xenofobia e da intolerância, do pensamento hostil difundido por centros imanentes de ideologias construídas para o confronto e para a violência; perante tudo isto, somos necessários. É essa a razão porque continuamos, nos bastidores, no terreno, com as iniciativas que nos solidarizam.
Observamos para que Portugal continue a ser um país em que as diferenças possam existir, coabitar, respeitando-se no que são. Para defender um país como o que somos, que é o da multiplicidade cultural e do convívio integrador entre culturas. Porque assim aprendemos a ser e para que assim se mantenha, com um civismo sempre crescente».
Observatório para a Liberdade Religiosa
O ano da sociedade civil
É inegável que ficámos mais pobres em 2015. Os impostos subiram, o rendimento desceu, os salários foram congelados e a Troika policiou qualquer ímpeto redistributivo do Governo em vésperas de eleições.
Mas 2015 teve antecedentes. Ao longo dos últimos anos fecharam cerca de quatro mil escolas e a profissão do professor transformou-se numa das menos respeitadas. Na saúde, os sucessivos cortes orçamentais têm ditado a emigração dos nossos médicos e enfermeiros mais qualificados e o encerramento de alas inteiras de hospitais e centros de saúde de proximidade. Diminuíram os apoios sociais para pessoas em situações difíceis, como as que sofrem de desintegração familiar ou de desemprego. A muitos portugueses, caídos na pobreza, no isolamento ou na doença, tem-lhes valido a solidariedade generosa de tantas pessoas e instituições (a chamada sociedade civil) que, a título privado, se organizam para socorrer quem mais precisa.
Ainda em relação à saúde, os cortes financeiros não podem explicar tudo e, certamente, não explicam o tão pouco apreço que, por vezes, se atribui à vida humana. Vem ao caso a morte recente daquele rapaz, vítima de aneurisma, cujo internamento hospitalar em Lisboa foi mal acompanhado pela equipa responsável. O caso está sob investigação, mas os contornos que são conhecidos revelam negligência e uma profunda falta de humanismo.
Atitude semelhante parecem revelar os líderes europeus que, em Dezembro, voltaram de novo a adiar uma decisão concertada sobre a gravíssima questão dos refugiados. Trata-se da maior crise migratória na Europa desde a II Guerra Mundial, de gente que foge aos horrores da guerra, que muitos de nós não conseguimos sequer imaginar. Ao longo de 2015, morreram na travessia do Mediterrâneo mais de três mil desses refugiados, quando desesperadamente corriam à procura de uma vida melhor. E também aqui, quem mais aparece para responder ao seu desespero e atenuar o seu sofrimento tem sido a sociedade civil. Mas quantas mais pessoas terão de morrer ainda, até que a União Europeia se comporte como uma civilização verdadeiramente humanista e cristã, fiel às próprias raízes, lançadas pelos pais fundadores?
Do ponto de vista político, 2015 foi um ano marcado pela incerteza, as dúvidas, o desencanto e alguns medos. O contexto global em que vivemos não permite separar de todo o cá dentro e o lá fora. Como não temermos a barbárie do Daesh, a incerteza quanto ao futuro da União Europeia e da moeda única, a devastação dos múltiplos cenários de guerra, as variadas crises – do petróleo, da banca, da própria democracia, hoje tão ameaçada pelas arrancadas populistas da extrema direita?
Entre nós, 2015 foi ano de eleições, que levaram ao afastamento da coligação PSD/CDS e terminaram com o chamado “arco da governação”. Durante algumas semanas, não se vislumbrou uma alternativa credível de governo. Mas por fim, surgiu um inesperado acordo à esquerda que permitiu viabilizar uma solução de estabilidade. Tal desfecho foi surpresa para todos, esperança para muitos e desilusão para alguns…
Afinal, é sempre assim nas sociedades democráticas. E como “a esperança é a última a morrer”, acreditamos firmemente que o novo ano será melhor do que o seu antecessor.
Ambrósio Ferreira
A família e o mundo
O ano de 2015 ficou marcado, a nível eclesial, pelo debate alargado em volta das questões familiares, por força da segunda assembleia do Sínodo dos Bispos que o Papa promoveu. Para lá das questões ditas fraturantes, que muitas vezes dominaram o espaço mediático, os trabalhos ficaram marcados pela preocupação de abrir portas e promover uma cultura de misericórdia, sem validar o mal, mas procurando caminhos de solução para os problemas sem comprometer a doutrina.
Antes, o Papa tinha estado verdadeiramente no centro do mundo ao lançar a sua encíclica ‘Laudato Si’, dedicada a questões ecológicas. Mais do que as questões técnicas sobre as alterações climáticas, esta carta magna aponta um novo rumo para a humanidade, com uma visão espiritual sobre a relação de cada pessoa com o planeta, à luz da fé no Criador.
A misericórdia, tema fundamental no atual pontificado, surgiu depois como referência para a celebração do terceiro ano santo extraordinário na história da Igreja Católica. Um Jubileu com o qual o Papa Francisco quer deixar a sua assinatura num momento conturbado a nível mundial, com uma mensagem de esperança e de revalidação do papel do Cristianismo.
2015 viu chegar às portas da Europa a vaga dos refugiados que já inundava outras regiões do globo e o pontífice argentino quis que também neste tema a Igreja Católica estivesse na linha da frente, com mensagens de abertura e compreensão que combatam o medo. Num ano de guerras e atos terroristas, o Papa conseguiu fazer mensagens de paz, em particular numa histórica viagem a África e noutra igualmente memorável visita a Cuba e aos Estados Unidos da América, depois de ter ajudado ao ‘degelo’ nas relações destas duas nações.
Já em janeiro, na Ásia, Francisco consolidou a sua dimensão universal, nas Filipinas e no Sri Lanka, confirmando-se como a voz do ‘Sul’ e das populações desfavorecidas no seu regresso à América Latina, onde passou pelo Paraguai, Equador e Bolívia
O ano que passou foi, por isso, um ano muito importante para a definição do rumo do atual pontificado, suficientemente claro para que tivesse regressado o jornalismo da lama e o ‘Vatileaks’, numa tentativa de travar reformas que parecessem imparáveis.
Octávio Carmo, Agência ECCLESIA
É urgente repensar o lugar dos jovens
Em setembro, o bispado português esteve reunido com o Papa e com os diferentes organismos da Santa Sé, numa visita “ad Limina” que serviu para fazer uma análise e perspetivar o caminho da Igreja em Portugal.
O alerta para a “debandada da juventude” foi um dos pontos focados no discurso pontifício. Afinal, o que falta fazer para evitar que cada vez mais jovens abandonem a Igreja “precisamente na idade em que lhe é dado tomar as rédeas da vida nas suas mãos”?
Do alerta do Papa surgiu uma certeza: é urgente repensar o lugar dos jovens na dinâmica eclesial em Portugal, sob o risco da própria inovação pastoral da Igreja.
Na partida, o episcopado português falava de uma oportunidade para “repensar” as “linhas de orientação” que a Igreja em Portugal deve seguir nos próximos anos.
Ainda antes dos bispos portugueses chegarem ao Vaticano, já os relatórios que apresentavam um retrato da dinâmica da Igreja em Portugal tinham sido enviados por cada Diocese e analisados pelo Santo Padre. A auto-análise que exige a preparação destes diagnósticos é um dos aspectos que mais contribui para o “repensar” da dinâmica eclesial no nosso país. A sua relevância nota-se no impulso que suscita ao impelir a Igreja a olhar sobre si própria, numa espécie de revisão periódica, essencial ao bom funcionamento da ação pastoral.
Foi também com base nestes relatórios que o prelado se reuniu com o Papa e com os diferentes organismos da Santa Sé, em encontros que serviram para analisar e perspetivar o rumo a tomar pela Igreja em Portugal.
Face ao diagnóstico apresentado, o Papa descreve uma Igreja em que “as luzes ultrapassarem as sombras”, mas que, entre outros pontos a limar, deve apostar mais na formação cristã pós-Crisma, por forma a evitar uma “debandada da juventude”.
Este alerta assume especial relevância, não só por ter sido concluído pelo Santo Padre, mas também po ter na sua base uma análise particular feita em cada Diocese.
Afinal, o que falta fazer para evitar que cada vez mais jovens abandonem a Igreja, “precisamente na idade em que lhe é dado tomar as rédeas da vida nas suas mãos”? Podemos ainda não ter a resposta para estas perguntas, mas o alerta do Papa deixou a certeza da urgência em repensar o lugar dos jovens na dinâmica eclesial em Portugal, sob o risco da própria inovação pastoral da Igreja.
Consciente da importância de uma maior aposta na pastoral juvenil e ainda antes do alerta do Papa Francisco, a Diocese de Leiria-Fátima tinha já dedicado à juventude o biénio pastoral de 2018-2020. Esta, será uma oportunidade privilegiada de olhar com um sentido renovado aqueles que renovam a Igreja e que representam o seu futuro.
Diogo Carvalho Alves
O essencial de 2015 na Diocese
Fazendo um retrospetiva do ano de 2015, julgo que há dois acontecimentos na vida da Igreja diocesana que merecem ser destacados:
1. Festa das Famílias
Em Setembro de 2013, o senhor D. António Marto escreveu a carta pastoral “A beleza e a alegria de viver em família”, onde convidava toda a Diocese a refletir sobre este tema: “O percurso pastoral deste biénio orienta-se em duas direções complementares e sucessivas. A primeira tem como título ‘Amor conjugal, dom e vocação’ e realça a beleza e a riqueza da família que vive o Matrimónio cristão com amor sincero e profundo, fiel e coerente, como dom de Deus. A segunda tem como título ‘Família, dom e missão’ e centra-se na missão das famílias como protagonistas e responsáveis na Igreja e na sociedade”.
O encerramento deste biénio aconteceu na Marinha Grande, no dia 15 de maio. Foi um dia de sol, de alegria e de Festa! O Parque da Cerca encheu-se com cerca de 4.000 adolescentes, jovens e famílias. As vigararias montaram os seus ateliers sobre temas relacionados com a Família e receberam os 1270 adolescentes que participaram no “G’ANDA FAMÍLIA”, o Teatro Stephens encheu-se para a projeção do filme “Um sonho possível” e o Museu do Vidro foi visitado por muitas famílias. Durante a tarde, os casais que celebravam 25, 50 e 60 anos de matrimónio participaram numa sessão onde vários testemunhos mostraram a beleza da vida conjugal. A Festa terminou com a Eucaristia presidida pelo nosso bispo e com um pedaço de pão de ló distribuído a todos os presentes. Terminado o biénio, é importante colocar duas questões: 1) O que é que ficou? Ficou uma maior consciência da importância da família e da pastoral familiar nas nossas comunidades cristãs; 2) O que falta fazer? É essencial continuar a apostar na constituição e na formação das equipas de Pastoral Familiar paroquiais e vicariais, para impedir que este tema volte ao esquecimento.
2. CEPADI (Centro Pastoral Diocesano)
A nossa diocese desejava há muito ter espaços condignos para que os seus serviços estivessem dignamente instalados e pudessem desenvolver as suas atividades. Por isso, no primeiro semestre de 2015, foram feitas obras de remodelação na parte central do edifício do Seminário Diocesano. Os custos foram divididos entre a Diocese, o Seminário e as ofertas do Santuário de Fátima, de algumas paróquias e de muitos fiéis anónimos.
No dia 5 de outubro, D. António presidiu à bênção dos novos espaços e todos puderam visitar as novas instalações. A casa está agora ao serviço de todos nós e assume-se definitivamente como “coração” da Diocese. Resta-nos aproveitar todos os dinamismos pastorais, de evangelização e formação que ali se promovem e que desejamos cada vez mais mobilizadores e proveitosos para os diocesanos.
P. José Augusto Rodrigues