O Dom da Vida Nova e da Comunhão
Lectio divina para o Domingo de Pentecostes, 23.05.2021
Breve introdução
Com a Solenidade de Pentecostes, a Igreja conclui o Tempo Pascal. Tempo marcado pela alegria da Ressurreição do Senhor. Tempo privilegiado de escuta dos relatos das aparições de Jesus aos seus discípulos. Tempo de uma renovada esperança. Mas também tempo de escutar, pelo Livro dos Actos dos Apóstolos, o testemunho dos inícios da Igreja: dos êxitos e das dificuldades que os Apóstolos encontraram, da parte de judeus e pagãos, em acolher a Boa Nova.
As leituras deste domingo reflectem, precisamente, esta variedade de temas e sugerem que o sucesso da missão está na escuta da Palavra de Deus, no acolhimento do Espírito Santo, que gera comunhão, faz superar os medos e impele ao testemunho corajoso de Cristo no mundo.
O mesmo Espírito Santo é invocado sobre o pão e o vinho, na Eucaristia, para os converter no Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, alimentos da vida nova e força de comunhão.
1. Invocação
Espírito Santo de Deus,
fonte de vida e de comunhão,
dom de Jesus ao mundo,
fonte de carismas e dons,
vinde renovar a Igreja e os nossos corações,
para vivermos em comunhão perfeita
de amor à imagem da Santíssima Trindade
que sois com Deus Pai e Seu Filho Jesus.
Ámen
2. Escuta da Palavra de Deus
2.1. Vamos escutar uma passagem do Livro dos Actos dos Apóstolos
O Livro dos Actos dos Apóstolos, escrito pelo Evangelista S. Lucas, constitui como que a segunda parte do seu relato evangélico. Mais do que ser apenas um Livro no qual se registaram os feitos da Igreja de Cristo, como se de um relato histórico se tratasse, procura, numa linguagem teológica e catequética, usando metáforas e símbolos, responder às dificuldades de uma pequena comunidade que está a dar os primeiros passos e que precisa de vencer os medos e encontrar inspiração para testemunhar o Senhor. Este relato do dia Pentecostes inscreve-se precisamente dentro deste objectivo: inculcar força e esperança a quem as perdeu ou ainda não as ganhou.
2.2. Leitura do Livro dos Actos dos Apóstolos (Actos 2,1-11)
Quando chegou o dia de Pentecostes,
os Apóstolos estavam todos reunidos no mesmo lugar.
Subitamente, fez-se ouvir, vindo do Céu,
um rumor semelhante a forte rajada de vento,
que encheu toda a casa onde se encontravam.
Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo,
que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles.
Todos ficaram cheios do Espírito Santo
e começaram a falar outras línguas,
conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem.
Residiam em Jerusalém judeus piedosos,
procedentes de todas as nações que há debaixo do céu.
Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu-se e ficou muito admirada,
pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua.
Atónitos e maravilhados, diziam: «Não são todos galileus os que estão a falar?
Então, como é que os ouve cada um de nós falar na sua própria língua?
Partos, medos, elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia,
do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília,
do Egipto e das regiões da Líbia, vizinha de Cirene,
colonos de Roma, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes,
ouvimo-los proclamar nas nossas línguas as maravilhas de Deus».
2.3. Breve comentário
S. Lucas, ao contrário de S. João que coloca a experiência do dom do Espírito Santo no próprio dia de Páscoa (o Mistério Pascal é um só e indiviso: Morte, Ressurreição, Ascensão e Dom do Espírito Santo), preferiu referir esta experiência dos Apóstolos e Maria no dia da festa de Pentecostes, com uma clara intenção. Sendo inicialmente uma festa agrícola judaica, na qual se agradeciam as colheitas, celebrada cinquenta dias após a Páscoa, o Pentecostes passou depois a designar a festa que celebrava a aliança, no Sinai, de Deus com o seu Povo, guiado por Moisés e a recepção do dom da Lei que haveria de o guiar. Assim se percebe a intenção de S. Lucas: o Espírito Santo é a nova Lei, que vem completar a antiga, que há-de guiar o novo Povo de Deus. É Ele que constitui e gera este novo Povo, agora iluminado a partir de dentro – o Espírito no coração renovado de cada crente – e o levará a acolher a Nova e Eterna Aliança que Jesus veio inaugurar para sempre.
A simbologia utilizada na narração – rajada de vento e fogo, para falar do Espírito Santo – evoca precisamente as grandes teofanias do Antigo Testamento, especialmente o acontecimento no Sinai em que Deus, através destas manifestações da natureza, manifesta o seu poder. (Ex 19,16.18; Dt 4,36). A simbologia das línguas de fogo, que poisaram uma sobre cada um dos presentes e os encheu do Espírito Santo, é também ela muito rica. A língua é um dos elementos culturais mais identitários de cada povo. Permite não apenas a comunicação e compreensão entre as pessoas mas gera comunhão. Claramente se percebe o contraponto entre o episódio de Babel (Gn 11,1-9), no qual a humanidade, caindo no orgulho e na ambição, de dividiu e dispersou, para agora, no Pentecostes, falando a mesma linguagem do amor, superando as barreiras culturais e linguísticas, ser capaz de gerar uma só comunidade, um só Povo, vivendo na partilha e na fraternidade. A comunidade messiânica é aquela em que, pela acção do Espírito de Deus, se ultrapassam divisões e discórdias e se reconstroem os laços de uma humanidade unida, segundo a vontade primordial (Génesis) de Deus. Não pela força, mas pela força do amor.
Esta nova humanidade, unida e fraterna, diferente da representada no episódio de Babel, é ainda bem expressa na citação de todos aqueles povos que representam o mundo antigo. Jesus, pela força do Espírito, impele os seus discípulos a partirem em missão. A irem a todos os povos, pois nenhum é excluído de pertencer à graça desta nova humanidade. Todos, na sua diversidade cultural e linguística, são chamados a constituir juntos um só Povo, fazendo das diferenças de cada um riqueza para todos.
3. Silêncio meditativo e diálogo
– Todos reunidos, no mesmo lugar. Não é difícil encontrar aqui uma imagem da Igreja reunida para a celebração da Eucaristia: comunidade de irmãos que se reúne, convocada e animada por Deus, na força do Espírito. Cada um com as suas características próprias.
Tomo consciência que a Igreja é e deve ser este Povo multicultural que à semelhança de Deus não faz acepção de pessoas? Que as diferenças de cada um são uma riqueza para todos? Que há ainda muitas pessoas que não fazem parte deste Povo de Deus e muitas outras que fazendo parte, pelo Baptismo, não estão reunidas no mesmo lugar, porque se desafeiçoaram da comunidade cristã e esmoreceram na fé?
– Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo … e poisou uma sobre cada um deles.
Os sacramentos da Iniciação Cristã (Baptismo, Confirmação e Eucaristia) formam uma unidade e capacitam a pessoa para tomar consciência da sua vocação à santidade e de pertença a uma comunidade. O Espírito Santo é quem gera essa vida nova, alimentada e fortalecida, particularmente, na celebração da Eucaristia. O Espírito de Deus é o mesmo, mas em cada um de nós suscita dons e carismas particulares para o bem de todos.
Tenho consciência da riqueza que recebi no Baptismo? Da unção do Espírito que me faz ser testemunha corajosa de Cristo?
–Todos ficaram cheios do Espírito santo e começaram a falar outras línguas…
Não há dúvida que o Espírito Santo gera uma nova linguagem: a do amor. Linguagem que todos entendem. Falar outras línguas significa novas possibilidades de entendimento, caminhos novos de encontro e comunhão.
Tomo a sério o desafio do Papa Francisco a sermos Igreja em saída, e não fechada em qualquer cenáculo por medo ou comodismo? Que a Igreja na sua constituição e expressão é plural, unida mas não uniforme? Que é formada por irmãos que se amam, apesar das diferenças?
– Ouvimo-los proclamar nas nossas línguas as maravilhas de Deus
Uma Igreja convocada e reunida pelo Espírito de Deus, como acontece na Eucaristia, deve ser capaz de escutar a voz do Seu Senhor, mas também de louvar e proclamar as maravilhas de Deus. E de levar a sério o convite à missão: Ide em paz e o Senhor vos acompanhe.
Estou consciente de que é o Espírito de Deus que nos faz sentir a paz de Cristo ressuscitado? Que é Ele quem guia a Igreja neste mundo conturbado? Que é Ele quem move os corações e o primeiro e principal agente da evangelização? Que é Ele que permite acolher a Palavra de Deus como Boa Nova e faz do ritual da Eucaristia um sacramento pascal? Que é Ele que inspira os profetas e dá coragem aos mártires?
4. Oração final e gesto familiar
– Em silêncio, cada um procure fazer memória agradecida, sobretudo dos momentos em que sentiu a inspiração e a força do Espirito Santo na sua vida. A rever as grandes decisões que teve de tomar e em que se sentiu ajudado por Deus
– Depois, livremente, os que quiserem podem partilhar um desses momentos mais significativos à família. Fica igualmente o desafio de cada um procurar saber e celebrar o dia do seu Baptismo e do seu Crisma.
– No final da partilha, rezam juntos o Pai Nosso finalizando com o cântico: Enviai, Senhor, o vosso Espírito ou outro adequado.