O amor de Deus que se faz Pão: do espanto à gratidão
Lectio divina para o XVIII Domingo do Tempo Comum – Ano B, 1.8.2021
Breve introdução
Durante cinco domingos – iniciámos no domingo passado – escutaremos trechos do capítulo 6º de Evangelho de S. João. Este capítulo é de importância central, pois contém nele o relato do chamado milagre da multiplicação/partilha dos pães e o Discurso do Pão da Vida, um dos milagres de Jesus mais vezes relatado nas Sagradas Escrituras. Manifesta bem a importância que a Igreja sempre lhe deu, como símbolo da refeição eucarística na qual o Senhor continua a alimentar os crentes, no Pão Eucarístico que é Ele mesmo. Neste domingo, encontramos, no Livro do Êxodo, como 1º leitura, o dom do Maná no deserto e que profeticamente aponta para o milagre realizado por Jesus.
1. Invocação
Senhor Jesus,
Pão Vivo descido do Céu,
que viestes até nós para nos saciar
das fomes de sentido e das sedes de esperança,
olhai por todos aqueles que andam famintos
e inspirai os governantes do mundo e a nós mesmos,
para que a todos não falte o pão de cada dia:
o Pão da Vida, o pão da justiça, o pão da fraternidade.
Ámen
2. Escuta da Palavra de Deus
2.1. Vamos escutar uma passagem do Livro do Êxodo
Das necessidades mais básicas que sentimos na vida, a fome e a sede estarão seguramente no topo da lista. O Povo de Israel, guiado por Moisés, sai do Egipto a caminho da terra que Deus prometera, onde corre leite e mel. Depois da euforia sentida pela vitória retumbante de Deus sobre o Faraó e os seus exércitos, aquando da passagem do Mar Vermelho, o povo cai no desânimo pela fome e pela sede, e desacredita. Chega mesmo a invectivar Moisés e a Aarão por o terem trazido ao deserto para ali morrer, manifestando saudades do tempo em que tinham comida abundante na terra do Egipto, apesar de serem tratados como escravos. A leitura que iremos escutar relata a resposta que o Senhor dá aos lamentos do Seu povo.
2.2. Leitura do Livro do Êxodo (Êxodo 16, 2-4.12-16)
Naqueles dias,
toda a comunidade dos filhos de Israel
começou a murmurar no deserto contra Moisés e Aarão.
Disseram-lhes os filhos de Israel:
«Antes tivéssemos morrido às mãos do Senhor na terra do Egipto,
quando estávamos sentados ao pé das panelas de carne
e comíamos pão até nos saciarmos.
Trouxestes-nos a este deserto,
para deixar morrer à fome toda esta multidão».
Então o Senhor disse a Moisés:
«Vou fazer que chova para vós pão do céu.
O povo sairá para apanhar a quantidade necessária para cada dia.
Vou assim pô-lo à prova,
para ver se segue ou não a minha lei.
Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel.
Vai dizer-lhes:
‘Ao cair da noite comereis carne
e de manhã saciar-vos-eis de pão.
Então reconhecereis que Eu sou o Senhor, vosso Deus’».
Nessa tarde apareceram codornizes,
que cobriram o acampamento,
e na manhã seguinte havia uma camada de orvalho
em volta do acampamento.
Quando essa camada de orvalho se evaporou,
apareceu à superfície do deserto uma substância granulosa,
fina como a geada sobre a terra.
Quando a viram, os filhos de Israel perguntaram uns aos outros:
«Man-hu?», quer dizer: «Que é isto?»,
pois não sabiam o que era.
Disse-lhes então Moisés:
«É o pão que o Senhor vos dá em alimento».
(momento de silêncio para interiorizar a Palavra)
2.3. Breve comentário
Este trecho do Livro do Êxodo faz parte de uma secção que narra a passagem do Mar Vermelho até à chegada ao Sinai. Conjuga elementos com fundamento histórico – a fome e a sede sentidas no deserto – com conteúdo de catequeses dos autores bíblicos das tradições Javista e Sacerdotal de séculos diferentes. Por várias vezes nos aparecem as murmurações do Povo, a intercessão de Moisés junto de Deus e os benefícios e não castigos, que Deus lhe concede, apesar das suas manifestações de falta de fé. O Egipto aparece como símbolo das seguranças humanas, de uma vida que se baseia mais nas pequenas conquistas humanas do que na abertura de horizontes que a fé em Deus pode trazer e na gratidão sincera aos dons que Deus dá gratuitamente. A tentação de voltar atrás, esquecendo os benefícios do Senhor e voltar à vida de escravidão, é de todos os tempos e os catequistas bíblicos pretendem contrariar, evidenciando que só em Deus poderemos encontrar a verdadeira vida, a vida em abundância.
O episódio das codornizes ainda hoje pode ser observado. Na migração das aves, entre os continentes africano e asiático, na primavera e outono, é comum as codornizes chegarem exaustas à planície do Sinai, sendo facilmente apanhadas pelos beduínos. E o maná parece ser igualmente um fenómeno natural de um arbusto que produz uma espécie de resina que em determinadas condições de humidade parece ser um granulado ainda hoje colhido. Estes fenómenos naturais não diminuem em nada a acção de Deus que os usou para matar a fome do seu povo, no momento em que mais precisava e são símbolo da solicitude divina pelos seus filhos.
3. Silêncio meditativo e diálogo
-… começou a murmurar no deserto contra Moisés e Aarão
As tribos nómadas, ainda com uma consciência muito débil de um povo que se estava a constituir, reclamam das dificuldades e apesar de não serem felizes no Egipto, tinham que comer. Alegraram-se com a passagem do Mar Vermelho e viram a vitória do Senhor. Porém, a sua fé ainda não é madura. Diante das dificuldades, sentem saudades do Egipto e não se importam de desejar os tempos em que eram escravos. Arriscam na certeza do que tinham – ainda que muito pouco – em vez de acreditar nas promessas de liberdade e de possuírem uma terra que Deus tinha prometido ao Patriarca Abraão.
Não é muito diferente do que pode acontecer nas nossas vidas. Permanentemente, exigimos provas de amor da parte de Deus, esquecendo rapidamente os benefícios que Deus concede, tantas vezes imerecidos da nossa parte. Que predomina na minha vida: o lamento pelo que me falta ou o reconhecimento dos benefícios que recebi?
– Vou fazer que chova para vós pão do céu.
A resposta de Deus ao Seu povo, ainda que numa primeira fase pareça ser de castigo e ameaça, redunda sempre em benefício e perdão. Irei levá-la ao deserto e falar-lhe-ei ao coração é a expressão profética da resposta de Deus. Um Deus como esposo fiel que jamais deixará de seduzir a sua esposa Israel. Não só lhes mata a fome, permitindo que viva, como lhe abre horizontes maiores. Assim, Israel vai também ele crescendo em maturidade e amor ao Senhor, aprendendo a confiar mais até chegar à convicção de ser a vinha escolhida, o povo eleito do Senhor. Na dureza do deserto onde só os fortes sobrevivem, aprenderá a reconhecer o grande amor que Deus lhe tem.
Não será diferente, também, nas nossas vidas. São os momentos de maior prova, quase sempre, que nos amadurecem e nos permitem crescer no amor e confiança em Deus e na abertura confiante aos irmãos. A fragilidade que sentimos é a oportunidade que damos para sentir o amor dos outros. Talvez sem ela, nunca sairíamos da nossa auto-suficiência. Quantos desertos temos ainda de percorrer, quantas fomes precisamos ainda de passar para reconhecer que Deus nos ama e nunca se esquece de nós?
– O povo sairá para apanhar a quantidade necessária para cada dia.
Este pormenor interessantíssimo é precioso. Aprender a confiar na bondade de Deus e não se deixar seduzir pelos bens e no seu açambarcamento é lição actualíssima. Esta crise pandémica em que o mundo vive, se regista gestos de solidariedade notáveis, regista igual e tristemente gestos de egoísmo. E se hoje pensamos na injusta distribuição das vacinas existentes, com claro prejuízo para os países pobres, o que pensar, nos inícios, das longas filas dos supermercados onde se levava mais do que se precisava, deixando sem nada outras famílias e pessoas? O pão nosso de cada dia nos dai hoje – assim nos ensinou Jesus. Não apenas o meu, mas o nosso. Muito ainda temos de caminhar para atingir a fraternidade universal.
Sei viver modestamente e partilho com generosidade o que tenho e sei?
4. Oração final e gesto familiar
– Em silêncio, cada um procure fazer memória agradecida dos benefícios, dons, graças que ao longo da sua vida recebeu da parte de Deus. Igualmente fazer memória dos momentos em que duvidou do amor de Deus e dos irmãos e confiou apenas em si.
– Depois, livremente, os que quiserem podem partilhar alguns desses momentos mais significativos à família. Será bom que se possa formular algum compromisso, particularmente algum gesto de caridade, como manifestação agradecida dos dons recebidos de Deus- No final da partilham rezam juntos o Pai Nosso finalizando com o cântico: Cantarei ao Senhor por tudo o que Ele fez por mim