Cerca de centena de meia de pessoas aceitaram o convite do Centro de Cultura e Formação Cristã da Diocese de Leiria-Fátima para, durante dois dias cheios de 5 e 6 de Outubro, refletirem sobre “Discernimento e conversão pastoral”.
As Jornadas Teológico-Pastorais que estão a decorrer marcam a conclusão de um ano comemorativo do Centenário da Restauração da Diocese, indicavam como objetivo “ser um momento de reflexão com um cunho vincadamente eclesial, em que se olhe a realidade da diocese e se apontem áreas de trabalho teológico e pastoral que pedem uma particular atenção desta igreja local”.
Na abertura, Pedro Valinho, diretor do CCFC, introduziu o método como “senda do discernimento”, em que a “demora nas perguntas” pudesse ser antídoto para a “indigestão de respostas” que é marca frequente dos nossos dias. Outro método não seria, aliás, indicado para uma “Igreja em caminho”, como somos chamados a ser.
D. António Marto lembrou esse caminho, celebrado durante este ano com a festa e a “análise do que fomos e do que somos”, mas com os olhos postos nas “oportunidades do futuro”. Num mundo em mudança e com “nova paisagem social, cultural e religiosa”, em que o “cristianismo europeu tem dificuldade em situar-se” e se sente “em diáspora e minoria, cansado e resignado, mais preocupado com a sobrevivência do que com a vivência”, surge o “facto inesperado” de um Papa com um “estilo novo, esperançoso e contagiante”, que “não é look, mas lhe sai do coração”. Um Papa “coerente e credível na sua pessoa e missão”, que “põe a Igreja a mexer” e lhe aponta o caminho para uma “conversão pastoral e missionária”, para um “olhar bom, atento e crítico” ao “hoje de Deus que esta época nos oferece”.
A primeira conferência irrompeu pelos conceitos do tema das jornadas, partindo da certeza de que “o Espírito Santo age em todos os tempos e lugares, não só nos sacramentos e na Palavra de Deus, mas também na palavra que circula entre nós”. José Frazão Correia apresentou o discernimento como essa capacidade de “descobrir o que o Espírito está a querer dizer-nos neste tempo”. O exercício exige “outra imaginação” da Igreja, já não “estável nas suas estruturas sólidas, mas em movimento”. E este é o “tempo favorável”, como o são todos os tempos.
Este “discernimento” como “atitude de movimento, de saída” tem custos, já que nos coloca “diante da incerteza”, numa total abertura à ação do Espírito e sem conclusões assumidas à partida. Essa é a “batota” que tantas vezes nos leva a “brincar ao processo”. Em suma, “discernir é procurar, encontrar e eleger a vontade de Deus”, tendo sempre claro que esse é o fim e não deixando que o apego aos meios seja impedimento para o alcançar. O discernimento que leva à conversão é um caminho, ou processo, que exige absoluta liberdade interior, sem medos, distrações ou desejos desordenados, em total abertura às moções do Espírito.
O painel dessa manhã, com Simão Pedro, André Batista, João Lopes e Filomena Carvalho, sobre a pastoral juvenil e vocacional, também em contexto universitário, é um todo que se cruza com todos os momentos da vida. É Deus que chama – a todos – para estar com Ele e que envia – a todos – para a missão de ser santo e feliz. O animador tem o papel de “levar a Jesus” e de “fazer ouvir Jesus”. Tópicos importantes: a atualidade da linguagem, o papel fundamental da família, o imperativo da ação contra a inércia, “ter confiança nos jovens e em Deus, lucidez para oferecer uma resposta que seja adequada ao mundo de hoje e convicção no anúncio, com alegria e entusiasmo”. E, claro, aproveitar todos os momentos, oportunidades e contactos para “escutar, acompanhar, formar e conduzir”, na certeza de que o testemunho de vida é o método mais eficaz.
À tarde, Tiago Neto explicou o que é a “pastoral de gestação”, que não leva modelos de “reflorestação para a floresta ardida”, mas que acompanha e ajuda a ordenar “as novas plantas que brotam naturalmente”. Imagem usada para uma Igreja cujo modelo tradicional foi atingido pelo furacão da hipermodernidade e que não pode ter medo e “deixar morrer algumas formas de viver o cristianismo” para “acompanhar o que Deus quer que ela seja”, na certeza de que “o Espírito Santo tem poder para fazer nascer novas ‘plantas’ e regenerar a fé”. Para tal, é necessário descobrir e espalhar a “sedução da fé”. Numa sociedade que perdeu a capacidade de desejar, “porque tem tudo”, sobretudo o “desejo de Deus”, que se tornou dispensável para uma vida feliz, é urgente “educar o desejo, como atração para o humano e criado, mas também para o belo, o justo, o bem”. Esse é um trabalho a fazer na vida concreta, no quotidiano de todos os ambientes, com especial incidência na vivência que pode ser feita em pequenos grupos e comunidades.
O painel da tarde, com Isabel Martins, Maria José Silva, Idalina Gaspar e José Henrique Pedrosa, incidiu sobre a transmissão da fé em contextos familiares, catequéticos e familiares. Desde a pedagogia do “despertar da fé” em instituições com crianças dos 3 aos 6 anos, à catequese familiar e à escola de pais, revela-se essencial “preparar o terreno”, conquistar a confiança de crianças e pais, provocar momentos de encontro, partilha e crescimento em conjunto e com o envolvimento de todos, desde as crianças, pais e instituições até à comunidade paroquial. O desafio é ainda maior no caso dos adolescentes, idade de mais perguntas e necessidade de experiências fortes que sirvam de resposta. Há caminho a fazer e reflexão em curso sobre os percursos, tempos e lugares da catequese da adolescência, sendo certo que terá de ser mais querigmática, mistagógica e catecumenal.
A tarde terminou com a Missa, presidida por D. António Marto, na igreja do Seminário. Numa brevíssima reflexão, em tom de conclusão do dia, o Bispo diocesano frisou a importância de “não fechar os olhos aos sinais da ternura e do amor do senhor”, mas descobrir caminhos para “os saborear e ajudar as nossas comunidades a saboreá-los”. Mesmo nos “caminhos de solidão”, o segredo está na “busca sincera” até encontrar e, depois, “deixar-se render à Palavra de Deus” que é a verdadeira fonte de “alegria, entusiasmo e paz”.
À noite, um momento cultural levou os participantes nas jornadas até à Sé de Leiria, onde puderam apreciar uma belíssima representação cénica do conto “As pedras da Catedral”. O diácono Rui Ruivo e o Teatro Regional do Juncal deram uma cor especial ao texto inspirado de Pedro Valinho Gomes, mostrando como as pedras deste templo continuam a ter lugar e missão, como sinal de Deus na cidade dos homens, sobretudo quando são espelho das pedras vivas que são os homens na construção da cidade de Deus.
Amanhã continuamos…
Luís Miguel Ferraz