O Parlamento português vai debater a legalização da eutanásia, no próximo dia 29 de maio, trazendo, de novo, à ribalta um dos temas mais fraturantes e complexos para a sociedade. Em linha com a atualidade, a Semana da Vida, que a Igreja está a promover de 13 a 20 de maio, foca a atenção nesta temática, oferecendo contributos para uma reflexão séria e ponderada e uma clara afirmação da vida como valor primeiro.
Luís Miguel Ferraz
“Eutanásia… o que está em jogo?” é o tema da Semana da Vida de 2018, promovida pelo Departamento Nacional da Pastoral Familiar e a Comissão Episcopal do Laicado e Família. Numa altura em que está agendada a discussão sobre a sua legalização pela Assembleia da República, a Igreja pretende contribuir para o debate, começando por lembrar que esta é uma questão que “envolve a ética, a medicina, o direito, a filosofia, a religião, e onde se misturam experiências pessoais e familiares”.
O ponto de partida para assumir o debate é a afirmação do Papa Francisco: “Parece que hoje a criatura humana se encontra numa particular passagem da sua história que, num contexto inédito, se depara com as antigas e sempre novas interrogações sobre o sentido da vida humana, acerca da sua origem e do seu destino”.
Nesse sentido, é importante “aprofundarmos o que está em causa, distinguirmos conceitos, conhecermos mais claramente o que a Igreja defende e propõe; e também para nos deixarmos questionar por uma e outra posição, e testemunhar Aquele que pode libertar-nos, oferecendo-nos uma Luz que nos descubra a nós mesmos um sentido capaz de tornar boa a nossa vida e digna de ser vivida”, refere a organização. E conclui: “Com toda a humildade e respeito, a Igreja, porque é ‘mãe e mestra da vida’, tem de estar, sem medo, na primeira linha desta decisiva reflexão sobre o dom primeiro que é a vida, lembrando que este dom é uma tarefa infinita, que não cabe na ‘frieza das leis’, e tem de ser sempre acompanhado pela compaixão e misericórdia”.
Para tal, foi proposta às comunidades cristãs a dinamização de iniciativas que motivassem a reflexão e a transmissão desta mensagem, sobretudo na divulgação da diversa documentação produzida, tanto nos meios digitais como em suporte de papel. Isto, além de ações que pudessem envolver as pessoas de forma positiva, desde as crianças e jovens até às famílias, seja em encontros de reflexão, seja em convívios, caminhadas, manifestações, visitas a doentes e idosos e outras do género.
Questão vital
Esta é, de facto e literalmente, uma questão de vida ou de morte. A posição oficial da Igreja sobre o assunto foi resumida na Nota Pastoral “Eutanásia: o que está em jogo? – Contributos para um diálogo sereno e humanizador”, da Conferência Episcopal Portuguesa. Pode ser encontrado na internet e também em formato de livro, sendo apresentado com um vasto anexo de “perguntas e respostas” sobre o assunto, dos pontos de vista médico, psicológico, sociológico, teológico, moral, etc.
A partir deste documento, foi elaborado um folheto com os tópicos mais importantes, largamente difundido nos últimos dias, por todo o País. “Devemos defender a vida humana até ao fim. E nunca provocar a morte.” é um dos ‘slogans’ adotados. E o artigo 24 da Constituição da República Portuguesa, “A vida humana é inviolável”, é também destacado.
A primeira abordagem é aos conceitos, para que se saiba do que se está a falar. Assim, a eutanásia é explicada como “ação ou omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca a morte com o objetivo de eliminar o sofrimento”, a que se associa o “suicídio assistido”, ação de quem “presta auxílio ao suicídio de outrem”. Tem como extremo oposto a “obstinação terapêutica”, que visa “prolongar de forma artificial e inútil” a sua vida” e que, por ser “desadequada e excessiva” é também “eticamente condenável, corresponde a má prática médica e conduz à chamada distanásia”. No meio estão os “cuidados paliativos”, que “intervêm ativamente no sofrimento, mitigando a dor e outros sintomas e proporcionando apoio espiritual e psicológico, desde o momento do diagnóstico até ao final da vida”. Estes sim, “servem para melhorar a qualidade de vida dos doentes e das famílias” e devem ser cada vez mais desenvolvidos.
Posto isto, não é lícito “provocar a morte de uma pessoa a seu pedido”, pois “não deixa de ser homicídio por ser consentido pela vítima”. O direito à vida é “indisponível”, isto é, dele não se pode abdicar, pois “é o pressuposto de todos os direitos, e também da liberdade”. Também não é lítico “provocar a morte para eliminar o sofrimento”, pois “com a eutanásia e o suicídio assistido, não se elimina o sofrimento, elimina-se a vida da pessoa que sofre”.
Neste sentido, recorda-se também que “a vida não pode ser concebida como um objeto de uso privado”, pois “tem uma referência social associada ao amor, à responsabilidade, à interdependência e ao bem comum”.
No documento dos bispos portugueses é largamente explicado quais são as verdadeiras necessidades do doente em fim de vida e quais são as consequências da legalização da eutanásia. A conclusão é que esse seria um “retrocesso civilizacional”. Na verdade, “uma sociedade será tanto mais moderna e avançada quanto melhor trata e cuida dos seus elementos mais vulneráveis, criando leis e normas que impeçam o mais forte de exercer o seu poder sobre o mais fraco.
Médicos católicos contra a legalização
A Associação dos Médicos Católicos Portugueses (AMCP) reuniu, no dia 15 de maio, com o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, a quem reiterou a sua oposição à legalização da eutanásia em Portugal. Entre outras razões, argumentam que tal colocaria os doentes numa situação de “enorme coação para pedirem a eutanásia”, sobretudo os “mais pobres e frágeis”, que se sentem muitas vezes “um fardo” para a família e para a sociedade. Por outro lado, prevê-se o desinvestimento do Estado nos serviços de saúde para a assistência aos doentes graves e terminais, sobretudo, claro, para com os mais pobres e indefesos. Baseando-se na experiência de outros países, a AMCP alertou para o fenómeno de “rampa deslizante”, que leva a estender a aplicação a eutanásia, gradualmente, “da doença terminal à doença crónica e à deficiência, da doença física incurável à doença psíquica dificilmente curável, da eutanásia consentida pela própria vítima à eutanásia consentida por familiares de recém-nascidos, crianças e adultos com deficiência ou com alterações profundas do estado de consciência”.
Em conclusão, os Médicos Católicos consideram que “a prática médica é inconciliável e absolutamente contrária à prática da eutanásia”.
Debate em Monte Real
A Equipa de Pastoral Familiar de Monte Real irá organizar um encontro de reflexão sobre o tema da eutanásia, no próximo dia 25 de maio, sexta feira. Inserida no habitual ciclo anual “Serão Serões”, a iniciativa é aberta a todos os paroquianos e outros interessados.