Em 22 de Fevereiro de 1857 nasceu em Londres Robert Stephenson Smith Baden-Powell, pedagogo, político, militar e amante da natureza. Foi após o sucesso de um acampamento juvenil, em 1907, na ilha de Brownsea, que fundou o Movimento Escutista. Rapidamente o Escutismo se alastrou por vários países do mundo. Em Portugal, deu os primeiros passos ainda no território de Macau, em 1911, tendo os seus impulsionadores regressado ao nosso país e fundado, em 1913, a Associação dos Escoteiros de Portugal. O Corpo Nacional de Escutas, Escutismo Católico Português, veio a ser fundado 10 anos mais tarde, em 27 de Maio de 1923, na cidade de Braga. Continuando a nossa ronda de apresentação dos dinamismos associativos da Diocese, é sobre este movimento que falamos nesta edição.
Entrevista ao padre José Henrique Pedrosa, assistente regional
“Aventura de construir a própria identidade tendo como referência Jesus Cristo”
A ligação ao escutismo é antiga. José Henrique Pedrosa fez a promessa de Caminheiro quando era ainda seminarista, no Agrupamento do Seminário de Coimbra. No estágio após o final do curso de teologia, em 1998, foi colocado a colaborar na assistência regional e fez a formação e a promessa de dirigente no ano seguinte. Foi então nomeado assistente regional do CNE de Leiria-Fátima, função que apenas interrompeu entre 2003 e 2006.
O que é que a fé e a vida cristã têm a ver com o escutismo?
O escutismo é um movimento mundial, fundado por Baden-Powell (BP), que tem como finalidade a formação integral dos jovens para que se tornem cidadãos activos e comprometidos na sociedade. Na sua base está um fundamento cristão, uma vez que BP era cristão. No entanto, como movimento mundial, o escutismo não tem um credo: é uma proposta metodológica que pode ser vivida nos mais variados ambientes culturais e religiosos.
Ao ser acolhido pela Igreja Católica, como no caso do Corpo Nacional de Escutas – Escutismo Católico Português (CNE), é lhe dado um novo enquadramento e finalidade: é um movimento eclesial que tem como missão a evangelização dos seus elementos.
Ser escuteiro do CNE é aceitar a aventura de construir a própria identidade tendo como referência Jesus Cristo e os valores do Evangelho: é um espaço de crescimento como cristão, pessoal e comunitariamente. A fé e a vivência cristã não são uma das facetas do CNE, mas sim o que lhe dá identidade.
Em concreto, como se processa essa ligação dentro da dinâmica do movimento?
Através do próprio método usado: o trabalho em patrulhas que ensina a viver em conjunto e a perceber o que é ser Igreja; a vida em natureza na qual se descobre o Criador; a relação educativa dos adultos que assumem a sua missão de ser testemunho de vida cristã; o aprender fazendo que vai dando o espaço para a descoberta dos próprios dons, essencial na descoberta e resposta vocacional; o progresso pessoal que desafia o escuteiro a ser cada vez mais e melhor; a mística e a simbologia que apontam para Deus; a “alma” do CNE que se exprime na lei, na promessa… A fé não é um acrescento ao escutismo: está presente, por dentro, em toda a sua dinâmica, e expressa-se, depois, nos momentos de oração e celebração.
Qual o papel específico do padre assistente?
O assistente é uma presença fundamental no agrupamento da paróquia: estabelece a ponte entre a comunidade e o movimento, acompanhando e animando a todos e, de uma forma particular, os dirigentes na sua missão de educadores da fé, e participa nos espaços de decisão do agrupamento. A nível regional, o assistente acompanha as equipas e dinâmicas da Junta Regional nesse mesmo papel de acompanhamento, suporte, ajuda.
Na generalidade dos agrupamentos da Região de Leiria, sente-se de facto a vivência do escutismo como um movimento católico, ou há muitas crianças e jovens movidos apenas pelo lado mais “lúdico” da sua acção?
Há situações muito diversificadas. As crianças e jovens podem ficar ligados ao movimento pela sua dimensão mais lúdica, uma vez que ela faz parte da “forma”, do método próprio do escutismo. É a partir desta “forma” que se chega ao mais profundo, ao “conteúdo”. Como escuteiros, são convidadas a fazer um caminho progressivo de fé.
É de realçar, no entanto, o papel dos dirigentes. Como educadores, devem ter sempre presente a finalidade do CNE. Se os dirigentes vivem, com clareza e coerência, a sua presença no agrupamento como uma vocação e missão que acolhem em Igreja, numa dinâmica de fé, fazem escutismo de uma forma lúdica e com conteúdo evangelizador.
Em ordem uma maior correspondência ao ideal do escutismo católico, qual o maior desafio da sua missão e qual o “plano” para o superar?
O recrutamento e a formação dos adultos. As comunidades são desafiadas a perceber todo o potencial do CNE e procurar os melhores recursos adultos para que possa exercer a sua missão. Está em renovação todo o processo formativo dos dirigentes no CNE a nível nacional: é com esperança que olhamos para esta renovação, para que possa ajudar os dirigentes a crescer como educadores no seio das comunidades cristãs, e continuemos a ter cristãos adultos disponíveis para esta missão em Igreja.
Entrevista a Pedro Ascenso, chefe regional
“Precisamos de ti para podermos viver aventuras inesquecíveis!”
Dirigente do CNE desde dezembro de 1996, Pedro Ascenso tomou posse como chefe regional de Leiria-Fátima no passado dia 11 de julho. Como escuteiro, a sua história começa na alcateia do agrupamento 36 Marinha Grande, em 1982. Aí permanece até 1987, quando integra o grupo sénior do agrupamento da sua paróquia, 762 Maceira, onde será caminheiro e dirigente. No ano 2000 começa a assumir cargos a nível regional.
Muita gente associa o escutismo a um grupo fardado que faz acampamentos. Mas é mais do que isso…
O movimento chama-se Corpo Nacional de Escutas. Sendo um Corpo, tem uma identidade única: por isso temos o uniforme que nos associa a essa identidade. Os acampamentos também são uma marca que nos identifica, o que nos deixa orgulhosos porque a nossa casa é a mãe-natureza, onde nos sentimos próximos da nossa essência e da Criação da qual fazemos parte.
No entanto, este movimento tem como missão contribuir para a educação integral das crianças, adolescentes e jovens como cristãos ativos e responsáveis nas comunidades. Para isso, possuímos um método adequado à realidade das crianças e jovens, que os responsabiliza no seu crescimento. Refiro algumas dessas metodologias: relação entre os parceiros (patrulhas), com funções individualizadas; experimentação (aprender fazendo) com o apoio dos adultos; jogo e imaginários (simulação, estimulação e criatividade); código de conduta (lei, princípio e promessa); desafios de crescimento personalizados (respeito por cada um); método do projeto (sistema regrado de vivência de aventuras em grupo).
O escutismo poderá ser associado a uma brincadeira e, para quem o vive, é um divertimento, uma alegria, um espaço de construção de amizades. No entanto, sabemos que, brincando, estamos a educar de forma séria.
No meio desse ideal de vida, o que distingue o escutismo católico do movimento escotista?
O CNE é um movimento da Igreja Católica. É este o movimento próprio para os católicos que pretendam ser escuteiros. O cristão que é escuteiro tem, no CNE, a metodologia desenvolvida, experimentada e adequada, não só para os desafios da formação para a cidadania, mas em especial para o desenvolvimento da espiritualidade e da fé, que cremos ser atualmente uma necessidade absoluta.
Como definiria o carisma deste movimento?
É a sua dinâmica centrada nas crianças e nos jovens. O nosso fundador dizia do método escutista: “ask the boys” (perguntem aos rapazes). Não quer dizer que o chefe faça o que o escuteiro quer. Mas tem que guiar a dinâmica para as necessidades do escuteiro, ir ao encontro das suas fragilidades e especificidades e encontrar propostas à sua medida, para serem realizadas pelo próprio.
Sente que os agrupamentos desta Região estão cientes desse carisma e o cumprem?
Sei que sim. Sendo todos voluntários, impomos a nós próprios uma disciplina de formação e de melhoramento contínuo e exigente. Qualquer chefe sabe que tem de se formar continuamente, para que os seus conhecimentos, competências e atitudes acompanhem as necessidades, sempre em mudança, das crianças e jovens que nos são confiados.
Como tem sido “chefiar” esta região nos últimos anos?
Um desafio constante e gratificante. Sou chefe regional, mas contei com uma equipa (Junta Regional). Juntos ultrapassamos os desafios (muitos e complexos) que se nos depararam. A região de Leiria-Fátima conta já com cerca de 2.600 escuteiros e é um privilégio sentir que vale a pena darmos um pouco de nós em prol deste movimento. Sentimos os frutos do nosso empenho nos rostos felizes, completos e cheios de sentido que vemos nos nossos escuteiros.
Ser reconduzido significa continuar no mesmo trilho ou há novas aventuras a esperar no horizonte do próximo triénio?
No mandato anterior, o nosso lema era “Mais Próximo”, explorando a relação próxima que se pretendia desenvolver entre escuteiros e com as comunidades. O lema do próximo triénio é “Mais Além”: é o mote para sair do conforto, às vezes atrofiante, em que parte da nossa sociedade consumista nos parece querer manter. Este triénio vamos celebrar com toda a Igreja o centenário das Aparições de Fátima. Queremos, como Nossa Senhora, ir “mais além” e aceitar o desafio e a missão que Deus nos propõe.
É fácil ser escuteiro?
É fácil. As famílias devem contactar preferencialmente o agrupamento da paróquia na qual os filhos frequentam a catequese. Caso não haja agrupamento, podem contactar o pároco ou enviar email para jr@leiria.cne-escutismo.pt. Se ainda não frequentam a catequese, ser-lhes-á feita a proposta duma caminhada paralela de integração na vida ativa da Igreja.
Como faria o convite às crianças e jovens da Diocese?
Vem e acampa connosco! Gostas da Natureza, de aventuras, de te divertires e acampar? Então de que estás à espera!? Precisamos de ti para, juntos, podermos viver aventuras inesquecíveis! Fala com os teus pais e não desistas até que consigas estar num agrupamento, fazer a promessa, usares o lenço e, finalmente, seres escuteiro!
Um movimento com história em Leiria
A história do escutismo na Região de Leiria tem quase 90 anos. Corria o ano de 1925 quando foram dados os primeiros passos, com a criação do Grupo n.º 14 – Nuno Alvares Pereira, junto à Sé. No ano seguinte, foi oficializado e participaram com um grupo de 30 rapazes no 1.º acampamento nacional, em Aljubarrota. Ainda em 1926, nasce a Alcateia n.º 7 – Infante Santo, com as promessas do 1.º bando, na Sé de Leiria, a 21 de fevereiro desse ano.
A primeira referência à Junta Regional de Leiria é feita no jornal “Flor de Lis”, n.º 3, de 31 de março de 1926.
Entre 1928 e 1938, pouco se fala do escutismo em Leiria. Há dados da existência da Alcateia n.º 28, do Regendo do Fetal, entre 1927 e 1932, bem como de uma Alcateia no Olival, não tendo esta sido oficializada. Em 1940, tanto o Grupo n.º 14 como a Alcateia n.º 7 são extintos e deixou de existir escutismo em Leiria.
Por volta de 1950, o padre José Galamba de Oliveira, anteriormente ligado ao Grupo n.º 14, decide dinamizar um grupo de quatro pessoas, a Patrulha de Estudos Águia, para fazerem formação num campo-escola em Braga. Assim nasce o Clã n.º 1 do Agrupamento 35, com sede no Seminário (na foto). Os elementos eram seminaristas e o seu assistente o padre Craveiro.
O escutismo reaparece, crescendo e espalhando-se também à periferia da cidade de Leiria. Em 1958, o padre Jacinto de Sousa Gil funda o Agrupamento 127, com a criação da Alcateia n.º 2 e do Grupo Júnior n.º 4. O agrupamento foi oficializado a 9 de fevereiro de 1960. Ainda em 1958, nasce o Agrupamento 36 – Marinha Grande. Em 1968 é fundado o Agrupamento 194 – Batalha, em 1972 nasce o 370 – Porto de Mós. Em 1975 é extinto o Agrupamento n.º 35 – Seminário de Leiria. Em 1982 nasce o Agrupamento 682 – Fátima.
Ao longo dos anos, tem sido constante a participação dos escuteiros na região em várias atividades nacionais e internacionais e, inclusive, a sua organização em Leiria, nomeadamente, o Acampamento Internacional de Escutismo Católico em Lourdes (1927), o VI Acampamento Nacional na Quinta de S. Venâncio (1938), o Acampamento Nacional na Mata dos Marrazes (1973), nas comemorações dos 50 anos do Corpo Nacional de Escutas, o 14.º Jamboree Mundial na Noruega (1975), entre outros. Mais recentemente, a participação no último Acampamento Nacional em Idanha-a-Nova, com a maior representação de sempre da Região de Leiria, com mais de 1000 escuteiros, e o 20.º Acampamento Regional, sob o lema “São Nuno Em nome do Reino”, prestando homenagem ao Patrono do CNE.
Durante muito tempo, o escutismo em Leiria estava limitado a dois ou três agrupamentos, mas nos últimos 15 anos o crescimento deste movimento na Região tem sido exponencial e contam-se, atualmente, cerca de 2.600 escuteiros, em 34 agrupamentos.