Especialmente no dia 2 de novembro, mas prolongando-se em alguns sítios por todo o mês, a Igreja Católica faz a comemoração anual dos fiéis defuntos. É um tempo de memória daqueles que nos precederam e a quem devemos grande parte do que somos. Fazemo-lo com gratidão, reconhecimento e porventura necessidade de reconciliação pelas marcas de ofensas ou feridas recebidas ou provocadas. Igualmente, avivamos a esperança em relação a eles: esperamos que estejam junto de Deus e que no fim dos tempos ressuscitem para a integridade e plenitude da vida com Ele. Diz a Escritura sagrada: “Deus, que ressuscitou Jesus de entre os mortos, também dará vida aos nossos corpos mortais pelo seu Espírito que habita em nós.” (cf Rm 8,11). Por fim, é uma oportunidade de comunhão com eles pela recordação, Eucaristia, oração, visita à sua sepultura, homenagens… Mas é sobretudo através da Eucaristia que o fazemos. Jesus deixou-nos estas extraordinárias palavras e o dom preciosos da comunhão sacramental com Ele: “Eu sou o pão vivo que desceu do Céu, quem comer deste pão viverá eternamente. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia. Aquele que Me come viverá por Mim” (Jo 6, 51.54.57). A comunhão com Cristo põe-nos também em comunhão com os fiéis cristãos, quer com os que ainda vivem connosco quer com os que já morreram e agora vivem junto de Deus, para além do tempo.
A Igreja tem sempre presente os fiéis defuntos em cada Eucaristia e deles faz memória em orações como esta: “lembrai-vos também dos nossos irmãos que adormeceram na paz de Cristo e de todos os defuntos cuja fé só vós conhecestes”. E noutra oração manifesta a esperança de nos reunirmos aos que já partiram: “acolhei-os com bondade no vosso reino, onde também nós esperamos ser recebidos, para vivermos com eles eternamente na vossa glória”. Pela fé que nos move, a nossa comemoração dos defuntos é sempre de esperança e comunhão, não de lamento nem de tristeza.
Muitos sepultam os seus defuntos nos cemitérios, pondo-lhes em cima pesadas lajes. Transformaram-se assim os cemitérios em museus de pedras trabalhadas, em vez de jardins de vida, esperança e paz. A minha família não fez assim com os meus pais. Entre as pedras que assinalam a sepultura, fizemos um jardim com plantas e flores. Deste modo, mais do que assinalar um fim, queremos manifestar a nossa convicção de que os pais vivem em Deus e continuam a ser fonte de vida para nós. E também afirmamos a nossa fé na ressurreição: o seu corpo mortal há de ressuscitar como corpo espiritual. A Escritura sagrada fala da ressurreição com a metáfora da semente: o que se semeia não é o corpo que há de vir, mas um simples grão, que depois desponta e se manifesta numa nova vida. “Assim também acontece com a ressurreição dos mortos: semeado corruptível, o corpo é ressuscitado incorruptível; semeado na desonra, é ressuscitado na glória; semeado na fraqueza, é ressuscitado cheio de força; semeado corpo terreno, é ressuscitado corpo espiritual. Se há um corpo terreno, também há um corpo espiritual.” (1 Cor 15, 42-44).
A maneira como tratamos dos restos mortais dos nossos entes queridos e das suas sepulturas não deixa transparecer que acreditemos verdadeiramente “na ressurreição da carne e na vida eterna”, como professamos no credo. Urge que meditemos se o modo de tratar os defuntos e de os lembrar é coerente com o que nos sugere a alma e o que afirma a fé que professamos.
A comemoração dos defuntos responde, de alguma forma, às intuições da alma de que estamos ligados a eles “e de que os mortos, que conhecíamos, se encontram agora junto de Deus. A partir de Deus, acompanham-nos, ajudando-nos, e podem interceder por nós junto dele” (A. Grün). A propósito desta ajuda e da generosidade com que é feita, mesmo se não nos sentimos merecedores dela, escreve O. Fuchs: “No amor de Deus, os defuntos têm um coração muito maior do que tinham antes, aqui na Terra. Reconciliaram-se com o Senhor e também com eles próprios e com aqueles a quem não foi feita justiça”. Assim, igualmente os nossos falecidos pais continuam a ajudar-nos: “O nosso pai pode continuar a apoiar-nos a partir do Céu, a nossa mãe converte-se na imagem de amor e de segurança que Deus nos oferece” (A. Grün).
Esta comemoração pode continuar a fazer-se noutras ocasiões, especialmente nos aniversários, participando na Missa. Escreve Anselm Grün: “Ao celebrarmos uma Eucaristia no aniversário de um familiar, estamos a manifestar o nosso sentimento de comunhão com o falecido. Lembramo-nos dele. Não nos esquecemos dele. Consideramo-lo uma parte de nós. Acreditamos que está junto a Deus. Sentimo-nos felizes por estarmos em comunhão com ele. Também podemos rezar por ele. Contudo, ao rezar por ele estamos também a rezar com ele. A oração está marcada pela confiança de que o defunto está junto do Senhor” (“O que vem depois da morte? A arte de viver e morrer”, p. 93).
Parece-me que temos muito que meditar, e talvez de mudar, sobre a nossa relação com os que já partiram deste mundo para a eternidade. Se o fizermos, a memória e comunhão com os nossos queridos defuntos torna-se mais real e sentida, ganhando nós mais confiança, esperança e paz.