Associação de Visitadores dos Estabelecimentos Prisionais de Leiria “Os Samaritanos”

Falar de assistência espiritual nas prisões obriga a recordar imediatamente a memória do padre Albino Carreira, tão marcante foi a sua ação neste domínio. Foi precisamente durante o tempo em que era capelão da antiga Prisão Escola e da Cadeia Regional de Leiria que um grupo de voluntários  que o acompanhava nesse serviço decidiu organizar-se e “institucionalizar” essa colaboração. Nascia, assim, a Associação de Visitadores dos Estabelecimentos Prisionais de Leiria “Os Samaritanos”, ereta canonicamente e com estatutos aprovados em Assembleia Geral de 26 de fevereiro de 1996.

“Estive preso e fostes visitar-me” (Mt 25, 36) é a frase bíblica que inspira a ação dos Samaritanos e os motiva “dar a razão da sua esperança” junto dos reclusos, como refere Joaquim Carrasqueiro, presidente da associação. Recorda que, nos primeiros nove anos, “o grupo vivia algo dependente do dinamismo do padre Albino”, mas a mudança de capelão obrigou os voluntários a “abraçarem mais profundamente esta ação, nos três vetores que norteiam o seu trabalho: prevenção, dentro do espaço prisional e reinserção”. Atualmente, são cerca de 25 voluntários, entre os 21 e os 84 anos.

Os estatutos definem mais concretamente este âmbito de atuação: “Prestar apoio a todos quantos se encontrem privados de liberdade, assistindo-lhes moral e materialmente, trabalhando para a sua reintegração na vida social e ampará-los, quando libertados; contribuir para a evangelização dos reclusos e dos locais onde se encontrem ou trabalham considerando que a religião foi e é uma grande força moral de ressurgimento moral dos indivíduos; estimular ao cumprimento consciencioso dos seus deveres; despertar nos reclusos ideias e sentimentos necessários e até úteis a um honesto convívio social”.

Ainda mais concretas são as orientações do regulamento interno, onde se apontam as características essenciais do “visitador”, como a gratuitidade, o sentido do outro, a criatividade e a generosidade, bem como as necessárias condições de saúde física, equilíbrio e maturidade psicológicos, estabilidade emocional e afetiva, capacidade relação social na escuta e no diálogo. Compreende-se alguma “exigência” a estes níveis, dado o contexto de especial dificuldade de vida das pessoas que ali se encontram, nem como as características próprias do funcionamento destas instituições. O visitador tem de saber atuar com responsabilidade e em colaboração com os serviços prisionais e respeitando as suas regras, bem como as convicções morais, religiosas e políticas dos reclusos, sujeito ao mesmo “segredo profissional” dos que aí trabalham.

Cumpridos estes requisitos, cada um oferece “apenas aquele tempo que tiver a certeza de poder dar”, no mínimo, uma vez por semana. E as tarefas poderão ser em áreas diversas, como em visitas semanais, na animação da Eucaristia dominical, na celebração das épocas festivas, na preparação para os sacramentos do Batismo, da 1.ª Comunhão ou do Crisma, na oferta de produtos de primeira necessidade, no encaminhamento para comunidades terapêuticas ou na ajuda à reinserção social. É, portanto, um trabalho que atravessa os campos social, humanitário, cultural e religioso. O objetivo é apenas um: “com bom senso e muito amor, ajudar cada recluso a realizar-se até ao fim como pessoa na sua totalidade, respeitando inteiramente a sua dignidade”.

 

Entrevista a Joaquim Carrasqueiro, presidente dos Samaritanos

“Vale sempre a pena”

2014-10-22 OSE Samaritanos carrasqueiroHá mais de vinte anos, começou a frequentar a Prisão Escola de Leiria como voluntário no grupo de acompanhamento religioso. Joaquim Carrasqueiro de Sousa, antigo profissional de seguros, com 65 anos de idade, é natural da Calvaria de Cima e residente na Batalha. Fez licenciatura em Ciências Religiosas na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, onde frequenta atualmente o mestrado em Estudos da Religião. Quando se formaram “Os Samaritanos”, em 1996, foi eleito presidente, cargo que tem desempenhado até hoje.

 

A prisão é, por norma, um ambiente “pesado”… é fácil trabalhar com os reclusos?

O recluso vê em cada visitador o amigo, o pai, o irmão, a mãe que por vezes não teve. Sabe da nossa proximidade e connosco se abre mais facilmente, na certeza de que o nosso lado não é o do poder instituído. Mas sabe também que somos portadores de uma mensagem de paz, tranquilidade, afetividade, na tentativa de ajuda à reconstrução de uma vida tantas vezes dramaticamente desconstruída. Para quem vai com esta predisposição, torna-se fácil.

Mas há dificuldades…

Por vezes, encontramos alguma dificuldade em chegar até ao recluso, face às situações imprevistas e que as contingências do momento nos apresentam. No entanto, de um modo geral, o acesso é-nos facilitado, existindo da parte da direção do Estabelecimento Prisional a máxima compreensão, apreço e ajuda ao nosso trabalho.

Como está a correr atualmente esse trabalho?

No momento presente, a nossa ação no Estabelecimento Prisional decorre com alguma normalidade, embora um pouco constrangida e até restringida pela inexistência de um espaço onde possamos celebrar a Eucaristia ou outras celebrações com aqueles que o desejem.

Não há uma igreja?

Dadas as reestruturações dos serviços e do espaço, não é viável a utilização da igreja ali existente. Mas tivemos autorização da direção para adaptar uma antiga oficina em capela, cujas obras estão a decorrer e para as quais estamos a angariar algumas ajudas. Quando estiver pronta esta capela, teremos mais condições para em cada semana ou em qualquer outro dia nos reunirmos e celebrarmos a nossa fé em comunidade.

Vale a pena este serviço? Há resultados na mudança de vida dos reclusos?

Cada caso é um caso, mas vale sempre a pena. Muitos jovens ainda hoje fazem eco da ação dos Samaritanos junto deles, nos mais recônditos locais onde se encontram. E temos o conhecimento direto de alguns dos que ficaram por esta região, para não regressarem às mesmas origens e ao ambiente que os levou à prisão, e que são hoje pessoas responsáveis e até algumas comprometidas na Igreja.

Luís Miguel Ferraz | Presente Leiria-Fátima

 

Lugar de conversão

2014-10-22 OSE Samaritanos Rui-AcacioUma das atitudes primordiais e fundamentais da fé é a regeneração, o mesmo é dizer, a conversão. Toda a atitude de perdão e misericórdia que Jesus demonstrou teve como alicerce o desejo de conversão. A expressão “vai e não tornes a pecar” é representativa desta “metanoia” ou conversão que está na base da fé.

Esta premissa é fundamental para percebermos a presença da Igreja nas prisões. O recluso não pode ser visto como um criminoso condenado e definitivamente perdido. A prisão não é apenas local de castigo. Sendo lugar de penitência, é automaticamente lugar de conversão, lugar de regeneração e lugar de mudança.

Acreditar que podemos sempre ser melhores do que fomos é o desafio que me anima neste trabalho. Por isso entendo a fé como uma “nova visão ou novo olhar sobre o mundo e sobre os outros”. É essa nova visão que quero ter sobre os reclusos e gostaria de lhes transmitir sobre si próprios e sobre o mundo e os outros.

Este desafio ultrapassa a presença ritualista, sacramental e espiritual. Sinto que o desafio que Deus e a Igreja me pedem é, por isso, mais humano, mais básico, mas não menos exigente.  Estou preparado para o embate de querer as estrelas, mas na realidade não conseguir descolar da terra.

A presença da Igreja, no grupo de “Os Samaritanos”, será sempre momento de alento, esperança e confiança. Sem pretensões proselitistas, daremos o nosso trabalho como bem sucedido sempre que um recluso conseguir vislumbrar o sol que brilha para lá da sua cela escura.

Sinto o peso da grande obra dos meus antecessores, que me habituei a ouvir e a admirar, e sei que será com a sua ajuda e intercessão que poderei fazer alguma coisa. Assim Deus me ajude.

P. Rui Ribeiro, Capelão dos Estabelecimentos Prisionais de Leiria

 

“Missão entre grades”

2014-10-22 OSE Samaritanos ElsaLançaram-me um desafio! Falar-vos do momento mais importante que vivi como voluntária na Prisão Escola de Leiria. Antes de mais, posso dizer-vos que esta missão é um constante desafio, pela sua complexidade e, ao mesmo tempo, simplicidade de sentimentos. Há alguns anos,  convidaram-me para fazer parte da Associação de Visitadores dos Estabelecimentos Prisionais de Leiria. Um pouco receosa, sem saber se tinha perfil e vocação para conseguir ajudar aqueles rapazes, decidi aceitar e, hoje, agradeço por ter dito sim a esse apelo. São tantos os momentos especiais que tenho vivido nesta missão, histórias de vida partilhadas, sorrisos e desabafos…

Já tantas vezes os reclusos me perguntaram: “Porquê? Porque vens cá?”. Confesso-vos que nunca procurei encontrar a “resposta certa”, porque a verdade é que todos precisamos de sentir que alguém está do nosso lado. Cada um tem a sua missão, sinto que a minha também é estar ali. Como tal, nos últimos anos, tenho celebrado parte do dia do meu aniversário na Prisão Escola, junto destes rapazes que me chamam “mana”, porque eles também se tornaram a minha família.

Recordo um dos momentos marcantes, ocorrido há cerca de 4 anos, quando um dos rapazes desprovido de liberdade me disse algo que nunca irei esquecer: “Eu não sei rezar, nunca fui destas coisas, nem sei se acredito, mas vou pedir a Deus por ti. Vais estar um tempo longe de nós e isso vai custar-nos, mas sei que, se rezar, tudo vai correr bem e vou pedir-lhe que depois voltes para junto de nós outra vez”. Sei que ele, como tantos outros, rezaram e rezaram mesmo de coração.

Ouvir palavras simples como “obrigada”, “sem vocês isto era muito mais difícil”, “voltem sempre”… faz-me ter a certeza de que vale a pena sermos do outro, em qualquer lugar do mundo, mesmo que seja uma “missão entre grades”.

Elsa Pedro, voluntária dos Samaritanos

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