“Com tanta veemência foi doloroso à Sé Apostólica, quando as circunstâncias a induziram a suprimir, no dia trinta de setembro do ano do Senhor de mil oitocentos e oitenta e um, a Diocese de Leiria, em Portugal, a qual Paulo III erigira em vinte e dois de Maio do ano do Senhor de mil quinhentos e quarenta e cinco, quanto agora rejubila porque a feição dos tempos Lhe permite restabelecer aquela antiga Igreja Catedral.
Portanto, manifestando-se os fiéis daquela antiga Diocese, Nós, ligados aos exemplos dos Nossos Predecessores, e meditando atentamente quanto este negócio interessa ao incremento da fé e à verdade evangélica, de ânimo propício recebemos as suas súplicas; por quanto foi sempre dos Romanos Pontífices, por virtude do múnus divino que lhes foi conferido, prover às necessidades espirituais do tempo, conforme a matéria e o tempo.”
Assim se inicia o documento em que o Papa Bento XV restaura o Bispado de Leiria, datado de 17 de janeiro de 1918 e publicado nas “Acta Apostolicae Sedis” de 1 de março de 1918 (ano X, vol. X, num. 3), intitulado “Apostolicae Sub Plumbo Litterae – De Diocesis Leíriensis Restitutione”. Sob a forma de Carta Apostólica, trata-se de uma bula pontifícia, por ser lacrada com uma pequena bola (“bulla”) de cera ou metal, em geral, chumbo (“sub plumbo”).
Não existia, à época, a velocidade de comunicação dos nossos dias. A notícia chegou à cidade de Leiria apenas a 22 de fevereiro e “o entusiasmo foi grande”, como conta “O Mensageiro” na sua edição de 28 desse mês (n.º 177). O título, a toda a largura da primeira página, exprime esse sentimento: “CATÓLICOS! Foi restaurado o Bispado de Leiria! Saudando-vos por essa restauração, bradamos: Viva S. Santidade Bento XV! Viva a Diocese de Leiria!”. O mesmo jornal publicaria o documento oficial na íntegra, na edição de 16 de maio de 1918 (n.º 187).
Como se lê no primeiro parágrafo da Bula, havia sido “doloroso” ao Papado extinguir a Diocese de Leiria, mas com a mesma veemência podia agora afirmar que “rejubila” com a sua restauração, dada a nova “feição dos tempos”.
São 670 palavras escritas em latim, onde se dá conta de que foram “ouvidos os Reverendíssimos Ordinários de Portugal”, principalmente o Patriarca de Lisboa, cardeal António Mendes Belo, e o Bispo de Coimbra, D. Manuel Luís Coelho da Silva, “aos quais este negócio interessa mais de perto”, já que haviam sido divididas por estas duas dioceses as paróquias da extinta Diocese de Leiria. “De novo constituímos a referida antiga sé de Leiria”, escreve o Papa, declarando a ela “restituídas” as 50 paróquias: Alcaria, Aljubarrota (Prazeres), Aljubarrota (S. Vicente), Alpedriz, Alvados, Alqueidão, Amor, Arrabal, Arrimal, Azoia, Barosa, Barreira, Batalha, Caranguejeira, Carvide, Coimbrão, Colmeias, Cortes, Espite, Fátima, Freixianda, Juncal, Leiria, Maceira, Marinha Grande, Marrazes, Mendiga, Milagres, Minde, Mira, Monte Real, Monte Redondo, Olival, Ourém, Pataias, Porto de Mós (S. João), Porto de Mós (S. Pedro), Pousos, Parceiros, Regueira de Pontes, Reguengo do Fetal, Rio de Couros, Santa Catarina da Serra, São Simão, Seiça, Serro Ventoso, Souto da Carpalhosa, Vermoil, Vieira, Vila Nova de Ourém”.
“De novo erigimos em cidade episcopal a Leiria, cidade principal, com todos os direitos e privilégios de que em Portugal gozam as restantes sedes episcopais” e “de novo elevamos a catedral a igreja paroquial de Nossa Senhora da Assunção, na qual mandamos que seja constituído um Cabido de seis cónegos, com as duas dignidades do deado e do chantrado”, continua o documento. “E se isto não puder fazer-se de presente, mandamos que em vez dos cónegos sejam eleitos consultores diocesanos”, delegando a decisão no Patriarca de Lisboa, nomeado Administrador Apostólico. Deveria, ainda, ser erigido um seminário diocesano, “logo que se ofereçam recursos”.
Segue-se uma série de indicações práticas para a sustentação da diocese restaurada e a indicação de que “a ninguém em tempo algum seja lícito infringir-se, opor-se ou de qualquer modo contrariar aquilo que nas presentes letras decretamos com autoridade apostólica”. E reforça que “se alguém, o que Deus não permita, ousar atentar semelhante coisa, saiba que incorrerá nas penas fulminadas pelos sagrados cânones contra os que se opuserem ao exercício da jurisdição eclesiástica”.
Por fim, é dado o prazo de três meses para o envio à Sagrada Congregação Consistorial da ata de execução desta Bula.
Luís Miguel Ferraz
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