Um novo impulso rumo à unidade entre Cristãos

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A visita que o Sumo-Pontífice fez à Terra Santa, em maio passado, marcou o 50º aniversário do encontro entre Paulo VI e o patriarca Atenágoras, em Jerusalém. Para celebrar o encontro dos seus predecessores, o Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu reuniram-se num momento histórico que pode dar novo alento para o ecumenismo.

A origem da divisão

O Grande Cisma foi o momento histórico que marcou a divisão entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa.  Data do século XI e concretizou-se formalmente na excomunhão, pela Igreja de Roma, de Miguel Cerulário, Patriarca de Constantinopla da altura. Este terá sido, na opinião de muitos historiadores, o momento marcante que foi separando, progressivamente, cristãos católicos e ortodoxos no decorrer dos séculos seguintes. No entanto, o distanciamento entre as duas Igrejas já vinha do passado, potenciado pela divisão do império romano no ocidente e no oriente, com a transferência da capital da cidade de Roma para Constantinopla, no século IV.

Seguiram-se uma série de disputas eclesiásticas e teológicas que alimentaram as tensões. A questão conhecida pelo termo latim “Filioque”, sobre a fonte do Espírito Santo, foi uma delas. A discussão teológica sobre a natureza do Espírito Santo assumiu um especial relevo na cisão crescente entre as duas Igrejas, que resultou no Grande Cisma. A expressão “e do Filho”, do Credo de Niceia, em uso na Igreja de rito latino, não está presente no texto grego do Credo, formulado originalmente no primeiro Concílio de Constantinopla, onde se lê apenas que o Espírito Santo procede “do Pai”. A questão da primazia jurídica e pastoral do Papa foi outro dos motivos que alimentou o desacordo. Os ortodoxos reconhecem no sucessor de Pedro um primado de honra e de caridade, mas não de jurisdição, enquanto que, na Igreja Católica, o Papa tem uma jurisdição universal.

Os concílios de Lyon, em 1274, e de Florença, em 1439, tentaram uma reunificação efetiva que não perdurou. Os séculos que se seguiram foram marcados pelas mútuas excomunhões, só levantadas a 7 de dezembro de 1965, depois do Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras se terem encontrado, numa tentativa de aproximar as duas Igrejas, afastadas há séculos. Este momento terá sido o primeiro sinal de abrandamento da tensão existente entre as duas Igrejas desde o Grande Cisma do século XI.

Um novo rumo

Passados 50 anos desde o encontro entre o Papa Paulo VI e o Patriarca Athenagoras , que marcou o início da reaproximação dos dois ramos mais antigos do cristianismo, foi a vez do Papa Francisco  fazer uma viagem à Terra Santa, evocando oficialmente o encontro do seu predecessor.

O encontro decorreu a 25 de maio e o Sumo-Pontífice fez questão de sublinhar a importância daquele momento, referindo-se a ele como o ponto “culminante da sua primeira viagem à Terra Santa”.

Simbolicamente, chegaram à basílica por caminhos diferentes e encontraram-se no centro da praça, num abraço ao som dos sinos, entrando juntos na basílica.

Além do Papa e do Patriarca ortodoxo, a celebração contou com os vários bispos católicos da Terra Santa, os arcebispos das Igrejas copta, síria e etíope, para além dos bispos das Igrejas luterana e anglicana e outros responsáveis cristãos.

Um caminho longo e árduo

Diante do Santo Sepulcro, o Papa convidou os cristãos a um “feliz anúncio da Ressurreição” ao mundo e a superar as “divisões que ainda existem” entre as Igrejas. Lembrando o encontro de 1965, o Sumo-Pontífice reconheceu “com gratidão e renovada admiração” o “impulso do Espírito Santo” para a realização de “passos verdadeiramente importantes rumo à unidade”.

“Ponhamos de parte as hesitações que herdámos do passado e abramos o nosso coração à ação do Espírito Santo, o Espírito do Amor e da Verdade, para caminharmos, juntos e ágeis, rumo ao dia abençoado da nossa reencontrada plena comunhão”, pediu.

Já o Patriarca de Constantinopla afirmou que o caminho ecuménico “pode ser longo e árduo” e “para alguns, pode às vezes parecer uma estrada sem saída”, mas “é o único caminho que leva ao cumprimento da vontade do Senhor: “que todos os seus discípulos sejam um só”.

Um desejo expresso por escrito

O momento de oração que juntou Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu antecedeu a assinatura de uma declaração conjunta, na qual os dois líderes assumiram compromissos comuns em causas sociais e no diálogo entre religiões.

O texto assinala que o diálogo teológico bilateral “não procura o mínimo denominador comum”, mas “aprofundar o próprio conhecimento da verdade total que Cristo deu à sua Igreja”. “Apelamos a todos os cristãos, juntamente com os crentes das diferentes tradições religiosas e todas as pessoas de boa vontade, para que reconheçam a urgência deste tempo que nos obriga a buscar a reconciliação e a unidade da família humana”, referem os líderes cristãos.

“O abraço trocado entre o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras, depois de muitos séculos de silêncio, abriu a estrada para um gesto epocal: a remoção da memória e do meio da Igreja dos atos de recíproca excomunhão de 1054”, lê-se na declaração conjunta.

O texto, assinado por Francisco e Bartolomeu, pede respeito pela liberdade religiosa e convida os cristãos a “promoverem um diálogo autêntico com o judaísmo, o islamismo e outras tradições religiosas”.

No documento, é ainda assumido o combate contra “a fome, a pobreza, o analfabetismo, a distribuição desigual de recursos” para construir juntos uma sociedade “justa e humana”.

A reunião ecuménica contou com a presença de dignatários ortodoxos e católicos, incluindo o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, e o presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos (Santa Sé), cardeal Kurt Koch.

Um futuro ecuménico

Para o capelão da Universidade Católica Portuguesa, padre Hugo Santos, o encontro entre o Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu de Constantinopla é um “estímulo” no caminho da unidade das Igrejas. O sacerdote lembra que o encontro do Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras em 1965 foi um “passo necessário” que teve como desenvolvimento, em 1979, o estabelecimento da Comissão Internacional Conjunta da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa, pelo Papa João Paulo II e o Patriarca Demétrio de Constantinopla e cuja missão é “o aprofundar de ambas as partes do conhecimento mútuo do património doutrinal, litúrgico e tradicional das Igrejas em ordem ao caminho da unidade que se manifesta sempre como dom de Deus”.

Num artigo de opinião publicado no semanário digital da Ecclesia, o sacerdote acredita que este passo “pode servir de estímulo para recuperar um entusiasmo renovado no caminho da unidade visível das Igrejas e à reflexão do tipo de primado nelas exercido”.

Em entrevista ao jornal do Vaticano, ‘L’Osservatore Romano’, o líder ortodoxo afirmou que o encontro de 1964 abriu um caminho que “já não é possível interromper”. Passados 50 anos da primeira tentativa de união entre as Igrejas, o encontro entre o Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu parece ter dado um novo impulso, rumo à unidade entre os Cristãos. O tempo que os juntou em celebração e que permitiu uma declaração conjunta, ditará o sucesso das vontades agora expressas.

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