Sou a Maria, uma, entre os mais de 23 mil voluntários de todos os continentes que se dedicaram ao serviço da Igreja jovem reunida, em Cracóvia, para a XXXI Jornada Mundial da Juventude. Transpor para palavras aquilo que me foi concedido viver, durante as duas semanas que passei na Polónia, não é de todo uma tarefa fácil!
Participar como voluntária foi uma decisão tomada gradualmente. Em Madrid e no Rio de Janeiro, a experiência de peregrinação deixara marcas tão profundas que desejei, um dia, contribuir para que outros jovens tivessem uma vivência igualmente rica em graças. Em julho de 2015, num contexto de missão, o contacto direto com quem, anos antes, aceitara o mesmo desafio, foi o impulso final para o meu “sim”. Em Cracóvia, queria estar do lado de lá. Queria estar do lado dos que dão, para que outros possam acolher.
Assim, dei início ao processo de candidatura, que havia de terminar, em dezembro, com a minha admissão. Nesse momento, a JMJ começava para mim. Desde cedo, apercebi-me de que, a par do grande trabalho logístico, existia um alicerce muito firme a partir do qual a jornada se erguia: a oração. Para além da oração pessoal, todos os dias os voluntários de longo prazo e o Comité Organizador rezavam juntos e, uma vez por mês, transmitiam sessões de preparação espiritual, que procurei acompanhar.
► Maria Felício ficou responsável pela catequese na paróquia de św. Jadwigi Królowej. Na foto, com duas voluntárias, o presidente da câmara e o pároco.
Uma cidade e língua desconhecidas
Com o aproximar da partida, novas aprendizagens haviam de chegar: a escassos dias do início do nosso serviço, a notícia de voluntários que viam a sua viagem negada pelas embaixadas dos seus países. Três anos de angariação de fundos para, tão perto, não chegarem a embarcar. A sua resposta? A entrega, com redobrado empenho, à oração! Como tantos peregrinos que não puderam estar, também estes voluntários fizeram parte da jornada – e talvez o seu contributo tenha sido, afinal, bem maior que o meu.
Para mim, a grande aventura começaria a 16 de julho: deixar Portugal sozinha, rumo a uma cidade e língua desconhecidas, com poucos detalhes da minha função… com uma mala apenas e o desejo de dar – não “o que me sobra, mas dar-me, ainda que não sobre”!
A primeira semana em Cracóvia seria destinada à formação: geral, sobre primeiros socorros e segurança (era palpável a preocupação com a ameaça terrorista); específica para a função de cada voluntário; e ainda espiritual (todos os dias, com momentos de oração, reflexão e Eucaristia, e ainda Adoração ao Santíssimo e acesso ao Sacramento da Reconciliação).
Houve também tempo para descobrirmos a cidade e seus arredores: passeamos pelo centro histórico e bairro judeu (Kazimierz), visitamos as minas de sal (Wieliczka), a aldeia de São João Paulo II (Wadowice) e ainda o Campo de Concentração de Auschwitz. Pudemos ainda explorar cada recanto do Centro João Paulo II, onde ficamos alojados, e do Santuário da Divina Misericórdia.
Finalmente, a t-shirt azul
Chegar à cidade antes da multidão permitiu, ainda, contemplar a transformação que se ia operando: tudo se vestia das cores da jornada, centenas de bandeiras e sinais começavam a adornar os caminhos e até os transportes anunciavam a vinda do Papa. Por “culpa” dos voluntários, as ruas inundavam-se de mochilas coloridas – e se, no começo, esta presença criava algum desconforto (nascido, sobretudo, do receio do terrorismo), também aqui uma bonita mudança se operou: a desconfiança inicial cedeu rapidamente à alegria e ao acolhimento afectuoso!
Com a segunda semana, chegava a hora de vestir a aguardada t-shirt azul. Em conjunto com uma grande amiga de Portalegre e 2 voluntários do Brasil, fiquei responsável pela catequese na paróquia św. Jadwigi Królowej, que nos recebeu de sorriso e coração abertos. A cada manhã, deixávamos a nossa “casa” e partíamos para servir: ajudando nos registos dos peregrinos, no acolhimento ao Bispo encarregue da catequese desse dia, na preparação dos espaços e da Eucaristia e, terminadas as atividades, na limpeza.
De tarde, participávamos nos Atos Centrais, como a Missa de Abertura ou a Via Sacra, ou procurávamos chegar onde fossemos precisos: quer fosse no Centro João Paulo II, nas ruas da cidade ou até no ICE Kraków, onde se realizou o encontro português (LusoFesta).
► Na companhia de outras voluntárias, na Lusofesta, que juntou mais de 3.000 portugueses em Cracóvia.
Chegar, servir e despedir-se
Com o fim de semana, chegavam os pontos culminantes da jornada: a Vigília e a Missa de Encerramento, no Campus Misericordiae. Para os voluntários, estava reservado um último presente: o encontro com o Santo Padre! Aqui, teríamos oportunidade de olhar para trás e, em palavras breves, encontraríamos uma síntese do que a jornada fora para nós: um “chegar”, “servir” e “despedir-se”. Simples e verdadeira!
Com efeito, tudo começou com o desafio de partir: “Para seguir a Jesus, é preciso ter uma boa dose de coragem, é preciso decidir-se a trocar o sofá por um par de sapatos”. Depois, veio o serviço: preparar espaços, fazer traduções, distribuir águas, orientar peregrinos, facilitar a passagem dos mais frágeis, socorrer quem sucumbia no meio da multidão, oferecer o sorriso e o abraço: “Caminhar pelas estradas seguindo a «loucura» do nosso Deus, que nos ensina a encontrá-Lo no faminto, no sedento, no maltrapilho, no doente, no amigo em maus lençóis, no encarcerado, no refugiado e migrante, no vizinho que vive só”. Por fim, a despedida: “Ele quer as tuas mãos para continuar a construir o mundo de hoje. Quer construí-lo contigo.”.
Dizer sim!
De regresso, a gratidão não cabe no peito. Nestes dias que passaram a voar, são incontáveis os “mimos” de Deus, os testemunhos vivos de misericórdia e as lições de humildade que bebi, em abundância. Como é bom abandonarmo-nos a Jesus!
Nos três anos que separam o nosso encontro com o Sucessor de Pedro, no Panamá, possa eu, com a minha vida, responder “sim” ao desafio que, em Cracóvia, nos lançou: o de “ter memória” e “coragem”… “para ser esperança do futuro”!
► Maria Felício e outros voluntários portugueses na companhia dos Bispos portugueses que marcaram presença na JMJ de Cracóvia.
“O mundo de hoje pede-vos para serdes protagonistas da história, porque a vida é bela desde que a queiramos viver, desde que queiramos deixar uma marca. (…) Jesus, que é o caminho, chama-te a deixar a tua marca na história. Ele, que é a vida, convida-te a deixar uma marca que encha de vida a tua história e a de muitos outros. Ele, que é a verdade, convida-te a deixar as estradas da separação, da divisão, do sem-sentido. Aceitas?”
(Papa Francisco, na vigília da JMJ de Cracóvia)|