Entre os dias 3 e 28 de outubro de 2018, decorreu no Vaticano a 15.ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, sobre o tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. Esta sessão foi marcada pela participação inédita de mais de 30 jovens dos cinco continentes, chamados a juntarem-se a cerca de 400 bispos, religiosos e outros convidados para debater a relação entre as comunidades católicas e as novas gerações.
Passamos a resumir algumas das principais notas de reportagem elaboradas pelos jornalistas Octávio Carmo e Ricardo Perna, enviados a Roma numa parceria da Agência Ecclesia, Família Cristã, Flor de Lis, Rádio Renascença e Voz da Verdade, com o apoio da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre.
Abaixo, publicamos também a “Carta aos Jovens” escrita pelos Padres Sinodais no final desta jornada e um artigo do P. Eduardo Caseiro sobre o horizonte futuro da pastoral juvenil.
Luís Miguel Ferraz
“Mudar o rosto da Igreja”
O Documento Final do Sínodo foi aprovado pelos 249 participantes que tinham direito a voto. Com 12 capítulos e 167 parágrafos, dividido em três partes, o documento vai beber a forma do instrumento de trabalho, o que traduz desde logo uma vontade dos padres sinodais em seguir o método de acolher os contributos que os jovens deram no pré-sínodo e no questionário online. Em causa, realçam os padres sinodais, está a necessidade de preparar adequadamente “leigos, homens e mulheres, capazes de acompanhar as jovens gerações”, que, perante fenómenos como a globalização e a secularização, se movem numa direção de “redescoberta de Deus e da espiritualidade”.
É um documento essencialmente pastoral, que não aborda qualquer tipo de questões teológicas, mas que não estabelece normas e práticas claras, o que parece ir contra as pretensões dos jovens, que pretendiam que a Igreja delineasse estratégias. Apesar disso, o ponto 3 do documento aponta para uma “fase de aplicação”, o que vai no sentido do “Motu Proprio” do Papa sobre o Sínodo, publicado pouco tempo antes de esta reunião ter tido início, e que indica a criação de um momento pós-sínodo, do qual ainda nada se sabe. Houve quem falasse também na necessidade de realizar sínodos locais, nas dioceses, reunindo a juventude, os agentes pastorais e o clero, mas não saíram indicações precisas sobre o que poderá ser feito em cada local.
Ao contrário do que aconteceu no último sínodo sobre a família, em que alguns pontos foram rejeitados (embora igualmente publicados, por indicação do Papa Francisco), todos os itens deste documento foram aprovados, embora alguns com curta margem dos 2/3 necessários.
Entre os que provocaram mais polémica, está o que se refere à relação da Igreja com as pessoas homossexuais, que teve mais de 20% de votos contra. Havia muita pressão para o documento incluir a sigla LGBT, mas tal não aconteceu, embora a expressão “tendências sexuais” habitualmente usada pela Igreja tenha sido substituída por “inclinações sexuais”. No documento lê-se que “o Sínodo reafirma que Deus ama todas as pessoas e assim faz a Igreja, renovando o seu empenho contra qualquer discriminação e violência de base sexual”, mas também “reafirma a determinante relevância antropológica da diferença e reciprocidade entre o homem e a mulher e considera redutor definir a identidade da pessoa a partir unicamente da sua ‘orientação sexual’”. Nesse sentido, aconselha que se “favoreçam” os percursos já existentes na Igreja para o acompanhamento de pessoas homossexuais: “Nesses caminhos, as pessoas são ajudadas a ler sua própria história; a aderir com liberdade e responsabilidade à sua vocação batismal; reconhecer o desejo de pertencer e contribuir para a vida da comunidade; para discernir as melhores formas para que isso aconteça. Isso ajudará todos os jovens, sem exceção, a integrarem cada vez mais a dimensão sexual na sua personalidade, crescendo na qualidade das relações e caminhar em direção ao dom de si”, pode ler-se no ponto 150, aquele que teve maior oposição, com 65 votos contra.
O texto aborda ainda a questão dos “abusos sexuais”, sublinhando a necessidade de “reagir” e “pedir perdão” pelo sofrimento causado por “alguns bispos, sacerdotes, religiosos e leigos” nas vítimas, entre elas muitos jovens. A questão é apresentada como um “sério obstáculo” à missão da Igreja, pelo que o Sínodo afirma um “sério compromisso” de adotar “medidas rigorosas” de prevenção, a partir da “seleção e formação” dos que têm responsabilidades educativas. São elencados “abusos de poder, económicos, de consciência e sexuais” e agradece-se aos que tiveram a “coragem de denunciar o mal sofrido”.
Também referida é a necessidade de “um maior reconhecimento e valorização das mulheres na sociedade e na Igreja”. O texto considera que “em muitos locais, demora-se a dar-lhes espaço nos processos de decisão, mesmo quando não exigem responsabilidades ministeriais específicas” e que “a ausência da voz e do olhar feminino empobrece o debate e o caminho da Igreja”. Por isso, defende que há “urgência de uma mudança que não se consegue evitar”, a partir de uma reflexão antropológica e teológica sobre a “reciprocidade entre homens e mulheres”.
Em resumo, trata-se de uma visão muito pastoral, que aponta caminhos, mas deixa de lado estratégias específicas. A presença da juventude foi elogiada, mas parece evidente que nem todos concordam com este novo rosto que o Sínodo pretende dar à Igreja.
Papa pede que se ouçam os jovens
Na homilia de encerramento solene do Sínodo, o Papa Francisco pediu desculpa aos jovens, em nome dos adultos, “se muitas vezes não vos escutamos; se, em vez de vos abrir o coração, vos enchemos os ouvidos”. E afirmou: “Como Igreja de Jesus, desejamos colocar-nos amorosamente à vossa escuta, certos de duas coisas: que a vossa vida é preciosa para Deus, porque Deus é jovem e ama os jovens; e que, também para nós, a vossa vida é preciosa, mais ainda necessária para se avançar”.
Perante centenas de pessoas reunidas na Basílica de São Pedro, Francisco apresentou uma reflexão sobre “três passos fundamentais no caminho da fé”, a começar pelo “apostolado do ouvido”, ou seja, “escutar, antes de falar”. Para uma Igreja “próxima” da vida dos jovens, propôs mais do que “formulações doutrinárias” ou ativismos sociais e recusou a “tentação das receitas prontas” e da indiferença, indicando a necessidade de “sair dos nossos círculos para abraçar aqueles que ‘não são dos nossos’ e a quem Deus ansiosamente procura”.
O Papa concluiu com o agradecimento a todos os que participaram neste “caminhar juntos”, o significado de Sínodo (palavra de origem grega), realçando que nestes dias se trabalhou “em comunhão e com ousadia, com o desejo de servir a Deus e ao seu povo”.
“Modo de ser em trabalhar em conjunto”
Na oração do ângelus, após a Missa de encerramento, o Papa voltou a sublinhar que o resultado principal do Sínodo dos Bispos não é a redação de um documento conclusivo, mas o “modo de ser e trabalhar em conjunto”, capaz de fazer propostas em sintonia com a realidade. Assim, “o primeiro fruto desta a assembleia sinodal deve estar antes de tudo no exemplo”, um método seguido deste a fase preparatória, marcado pela escuta e pelo envolvimento dos jovens. Francisco defendeu um “estilo sinodal” que não tenha como “objetivo principal a redação de um documento”, considerando o valor “precioso e útil” da proposta de conclusões.
Na mesma linha, sobre o decurso destas semanas de trabalho, frisou “a presença viva e estimulante de jovens, com as suas histórias e os seus contributos”, considerando que “a realidade multiforme das novas gerações entrou no sínodo; vimos a realidade, os sinais do nosso tempo”. Convicto de que “o sínodo dos jovens foi uma boa vindima, que promete um bom vinho”, pediu que se continue a “caminhar em conjunto, através de tantos desafios”, nomeadamente “o mundo digital, o fenómeno das migrações, o sentido do corpo e da sexualidade, o drama das guerras e da violência”.
Uma «oportunidade perdida»?
Os delegados da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) no último Sínodo dos Bispos, que decorreu no Vaticano, consideram que os trabalhos convocados pelo Papa deixaram clara a necessidade de uma aposta clara nos jovens, nas comunidades católicas. “Seria uma oportunidade perdida se assim não fosse, a Igreja em Portugal voltar a olhar para os jovens nesta nova perspetiva que é, em primeiro lugar, valorizar o papel dos jovens como uma parte importante da Igreja, como sujeitos da ação pastoral”, disse o presidente da Comissão Episcopal das Vocações e Ministérios, D. António Augusto Azevedo. A preocupação passa agora por “reunir as pessoas” para decidir “que passos dar para aplicar este Sínodo”.
Também D. Joaquim Mendes, presidente da Comissão Episcopal do Laicado e Família, sublinhou que a transmissão da fé, hoje, “não se faz tanto, às vezes, pelos meios tradicionais, da família”, mas são os jovens que evangelizam outros jovens. “Os jovens pedem à Igreja que acompanhe, qualifique e amplie esta realidade, para que jovens possam acompanhar outros jovens. Para isso, é preciso que a Igreja lhes dê atenção e os acompanhe, os forme, caminhe com eles”.
Carta dos Padres Sinodais aos Jovens
A vós, jovens do mundo, nós Padres Sinodais nos dirigimos com uma palavra de esperança, confiança e consolação. Nestes dias, reunimo-nos para escutar a voz de Jesus, “o Cristo, eternamente jovem”, e reconhecer Nele as vozes dos jovens e seus gritos de exultação, lamentos e silêncios.
Sabemos das vossas buscas interiores, das alegrias e das esperanças, das dores e angústias que fazem parte de vossa inquietude. Agora, queremos que escutem uma palavra nossa: desejamos ser colaboradores da vossa alegria para que as vossas expectativas se transformem em ideais. Temos a certeza de que, com a vossa vontade de viver, estais prontos a empenhar-vos para que os vossos sonhos tomem forma na vossa existência e na história humana.
Que as nossas fraquezas não vos desanimem, que as fragilidades e pecados não sejam um obstáculo à vossa confiança. A Igreja é vossa mãe, não vos abandona, está pronta para vos acompanhar em novos caminhos, nas sendas mais altas onde o vento do Espírito sopra mais forte, varrendo as névoas da indiferença, da superficialidade, do desânimo.
Quando o mundo, que Deus tanto amou a ponto de lhe dar o seu Filho Jesus, é subordinado às coisas, ao sucesso imediato e ao prazer, pisando os mais fracos, ajudem-no a reerguer-se e a dirigir o seu olhar ao amor, à beleza, à verdade e à justiça.
Ao longo de um mês, caminhámos juntos, com alguns de vós e muitos outros unidos a nós na oração e carinho. Desejamos continuar o caminho em todas as partes da terra onde o Senhor Jesus nos envia como discípulos missionários.
A Igreja e o mundo precisam urgentemente do vosso entusiasmo. Sejam companheiros de estrada dos mais frágeis, dos pobres, dos feridos pela vida.
Vós sois o presente, sede o futuro mais luminoso.
Vaticano, 28 de outubro de 2018
O Sínodo começa agora
Por P. Eduardo Caseiro
Este Sínodo dos Bispos, bastante noticiado dentro do ambiente eclesial, foi apenas uma etapa de um longo processo. Uma etapa que foi antecedida por uma preparação que envolveu, inclusive, um questionário feito aos jovens e uma Reunião Pré-Sinodal que reuniu em Roma jovens de todo o mundo, e uma etapa que continuará com a sua implantação, nas realidades concretas onde a Igreja acontece. Esta última, talvez, a fase mais importante e decisiva que corresponde à concretização do Sínodo em cada Igreja local.
Como fazer passar as conclusões que brotaram desta Assembleia Sinodal à vida concreta da Igreja na sua dimensão mais diocesana, paroquial, de movimentos e dos vários ambientes? Como fazer o Sínodo acontecer na nossa realidade concreta? Esta é a pergunta fulcral que devemos fazer. É a pergunta que nos deverá acompanhar ao lermos os documentos redigidos por ocasião deste Sínodo e ao tomarmos consciência das temáticas que aí foram debatidas.
Numa entrevista dada a alguns jornalistas, ainda no decorrer dos trabalhos sinodais, o bispo português D. Carlos Azevedo chamou à atenção para a necessidade deste Sínodo não terminar com a sua conclusão. A reflexão feita e os documentos produzidos deverão, sobretudo, alimentar uma reflexão concreta no terreno, nas várias realidades juvenis e da vida da Igreja, para que algo de novo possa verdadeiramente acontecer no seio das nossas comunidades. Só assim esta vida e esta reflexão poderão significar uma revitalização, uma renovação e uma opção de fundo relativamente aos jovens. Por conseguinte, esta última parte do Sínodo não diz respeito apenas aos Padres Sinodais, mas a todos: aos bispos, sacerdotes, comunidades, leigos, e sobretudo aos jovens. Eles, os jovens, continuarão a ter uma palavra decisiva para que este Sínodo corresponda às suas expectativas. Vale a pena pensarmos nisto. Vale a pena orientarmo-nos por isto!
Estamos a viver, na nossa Diocese, um biénio pastoral dedicado à Pastoral Juvenil e Vocacional, sob o tema “«Quem és tu Senhor?» – Os Jovens, a Fé e a Vocação”. Sintamo-nos interpelados também nós, enquanto Diocese, a implementar este Sínodo dos Bispos na nossa realidade concreta, acompanhando os nossos jovens nos seus itinerários de vida, na certeza que a comunidade cristã é o primeiro sujeito de acompanhamento. Saibamos apresentar a fé de um modo belo e renovado, a partir do cuidado nas relações pessoais e do testemunho de vida. Saibamos escutar os nossos jovens, como aliás nos dispusemos a fazer, e o fizemos, no contexto da nossa Assembleia Diocesana quando escutámos o testemunho de alguns jovens da nossa Diocese. E, sobretudo, sejamos capazes de colocar os jovens no centro desta renovada pastoral juvenil, tornando-os protagonistas, sem cairmos na tentação de querermos uma Igreja diferente para os Jovens, mas antes trabalhando por dotar a nossa Igreja de um rosto jovem, atraente e renovado, o que só é possível com a entrega e dedicação dos nossos jovens.