Redescobrir a beleza da Igreja doméstica

Não é nova na história da Igreja a impossibilidade de ir à igreja e de se reunir em assembleia. No seu livro “Onde dois ou três...”, Chiara Lubich (1920-2008), fundadora do Movimento dos Focolares, cita antigos escritos cristãos da época das perseguições onde se ensina como alimentar a fé e ajudar-se em tais situações.

Tivemos mais um domingo em que muitos católicos não puderam ir às igrejas, fechadas e sem missas comunitárias. Ficaram em casa como os demais cidadãos, para evitar contactos sociais em que poderiam contagiar ou ser contagiados pelo vírus da atual pandemia. Nestas circunstâncias, temos que reaprender o essencial da vida, sozinhos, em família ou comunidade, procurando descobrir ou reencontrar novas formas de relação, convivência e solidariedade. Também no que se refere à vivência da fé e ao crescimento espiritual. O essencial da vida cristã é a relação e comunhão pessoal e comunitária com Jesus Cristo vivo presente em cada um dos seus discípulos, na família e nas comunidades. Ele prometeu estar no meio de dois ou três discípulos que se reúnem no seu amor vivendo entre eles o mandamento novo.

Não é nova na história da Igreja a impossibilidade de ir à igreja e de se reunir em assembleia. No seu livro “Onde dois ou três…”, Chiara Lubich (1920-2008), fundadora do Movimento dos Focolares, cita antigos escritos cristãos da época das perseguições onde se ensina como alimentar a fé e ajudar-se em tais situações.  As Constituições Apostólicas (séc. IV) recomendam: “Se não é possível reunir-se nem numa casa, nem numa igreja, cada um salmodie, leia (as Escrituras), reze na própria casa, especialmente dois ou três juntos, porque «onde estão dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles»”. E Tertuliano de Cartago (155-220) ensina: “Não podes frequentar as reuniões? Para ti, mesmo sendo apenas três que se reúnem, existe a Igreja”. Esta relação com Jesus Cristo nas próprias casas dos cristãos garante a autenticidade de vida segundo o Evangelho, ensinam os testemunhos antigos. 

A experiência de “Jesus no meio daqueles que estão reunidos no seu nome – escreve o bispo Klaus Hemmerle (1929-1994) – é o que fica da Igreja. Não poderemos e não deveremos nunca, enquanto houver história, renunciar ao ministério, ao dogma, aos sacramentos. No fim dos tempos, porém, estas formas hão de retirar-se para trás daquilo de que foram mediadoras; e só isto ficará: o próprio Jesus, contemplado diretamente, vivo sem mediações no meio da comunidade dos santos”. E o mesmo bispo e teólogo continua, concretizando: “Esta realidade definitiva, este futuro absoluto entra já, desde agora, nas sombras, nas coisas que passam, no tempo, se os crentes estão unidos de tal modo que Cristo esteja no meio deles. Só quando se pode olhar para a meta é que se torna compreensível também porque são necessários meios e caminhos para a atingir. E vice-versa: mudanças radicais da sociedade podem pôr em perigo e limitar extremamente a possibilidade de ação da Igreja; no entanto, a comunhão de dois ou três com Jesus no meio deles há de ser sempre a célula indestrutível, viva, da Igreja” (in C. Lubich, Onde dois ou três…, p. 10-11).

A presença do Senhor na família

O Papa Francisco confirma a importância desta presença do Senhor e os seus efeitos. Diz: “A presença do Senhor habita na família real e concreta, com todos os seus sofrimentos, lutas, alegrias e propósitos diários. Quando se vive em família, é difícil fingir e mentir, não podemos mostrar uma máscara. Se o amor anima esta autenticidade, o Senhor reina nela com a sua alegria e a sua paz. A espiritualidade do amor familiar é feita de milhares de gestos reais e concretos. Deus tem a sua própria habitação nesta variedade de dons e encontros que fazem maturar a comunhão. Esta dedicação une «o humano e o divino», porque está cheia do amor de Deus. Em suma, a espiritualidade matrimonial é uma espiritualidade do vínculo habitado pelo amor divino” (AL 315).

Como a Igreja tem a sua liturgia mediante a qual presta culto a Deus, vive a comunhão com Ele e é santificada, assim a Igreja doméstica, a partir do sacramento do matrimónio, tem a sua liturgia específica que envolve a vida e a relação de amor entre os esposos e os demais membros: filhos, irmãos, avós, etc. Escreve o Papa Francisco, citando os bispos do Quénia: “O significado procriador da sexualidade, a linguagem do corpo e os gestos de amor vividos na história dum casal de esposos transformam-se numa «continuidade ininterrupta da linguagem litúrgica» e «a vida conjugal torna-se de algum modo liturgia»” (AL 215). A beleza e a liturgia da Igreja doméstica manifestam-se em toda a sua vida quotidiana permeada de amor, confiança, gratidão e perdão entre os seus membros. Na doação, compreensão e entreajuda mútuas. No trabalho e no serviço vivido pelos outros. Nas alegrias partilhadas e nas festas. Nos sofrimentos suportados e nos desafios e crises enfrentados juntos. Na proximidade e na distância das separações exigidas pela vida. Na comunicação viva e nos silêncios fecundos ou dolorosos. Nos elogios e nas correções mútuas. Tudo vivido com sentido cristão, alimentado na leitura orante da Palavra de Deus e na oração, em que os membros da família se juntam para escutar, louvar, agradecer e implorar a Deus. 

A já citada Chiara Lubich, em 1960, deixou-nos palavras bem atuais para a situação que estamos a viver. Dizia então: “E se as igrejas forem fechadas, quem poderá destruir o templo vivo de Deus que é Cristo entre nós? E se os sacramentos forem cancelados, como poderemos não beber daquela fonte de água viva que é a caridade viva entre nós, que é Cristo entre nós?” Ela faz as perguntas e sugere a resposta: se não podemos ir às igrejas nem celebrar os sacramentos, Cristo dá-nos a possibilidade de o encontrarmos nas nossas casas, de o termos entre nós reunidos no seu amor e de bebermos da água viva do seu Espirito, que ele mesmo nos comunica com a sua presença e o amor que nos une. É ele quem faz de cada família e de pequena comunidade cristã uma Igreja doméstica que bendiz a Deus que a reuniu no amor de Cristo, como rezamos no início de cada Eucaristia.
A identidade, alimento e espiritualidade da família como Igreja doméstica estão na comunhão com Jesus vivo no seu seio. Ele é quem a sustenta, acompanha e ajuda na sua vida e vicissitudes, fortalece-a nas crises e sofrimentos, enche-a de alegria e torna-a capaz de irradiar o amor e a esperança na sociedade.

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