Mário Costa nasceu a 8 de dezembro de 1933, na Golpilheira, paróquia da Batalha. Ali assumiu a coordenação de coros litúrgicos, numa lógica de constante dedicação à comunidade.
Os mais velhos e os mais novos conhecem-no por “senhor Mário”. O tratamento distinto reflete, tanto a admiração, quanto a proximidade que criou junto dos que reconhecem na sua pessoa uma figura ímpar. Entrega, integridade e dinamismo são apenas algumas das palavras de que se serve quem o caracteriza. O PRESENTE foi conhecer este diocesano, que ao longo de mais de 50 anos se dedica à liturgia.
Mário Costa recebeu-nos em sua casa, num escritório que reserva para lembranças que foi guardando ao longo dos 80 anos de vida. Uma máquina de escrever e objetos de outros tempos apropriam-se do espaço. Inúmeras pastas perfilam-se em prateleiras, ao ponto de cobrir a parede por completo. Enquanto nos conta o seu passado, vai folheando documentos que comprovam o que vai dizendo. A acomodação do espaço evidencia um cuidado diligente e criterioso. Os dias são curtos para reorganizar todo este espólio, mesmo assim é para isso mesmo que dedica, atualmente, a maior parte do seu tempo. A gestão criteriosa e metódica é resultado de uma vida profissional de quase 40 anos como empregado de escritório.
A passagem pelo Seminário
Viúvo há pouco meses, pai de dois filhos, Mário Costa é o penúltimo de seis filhos de uma família muito ligada à Igreja. Quando fez o exame da 4.ª classe, aos 12 anos, foi trabalhar com o pai como carpinteiro, o primeiro mister que exerceu. À parte deste, conheceu apenas mais dois trabalhos, ambos como empregado de escritório, na área da contabilidade, o último dos quais, onde esteve durante 37 anos, até se reformar. Para a forma como viveu a sua carreira profissional, contribuiu em grande parte a formação que adquiriu no seminário.
Foi aos 18 anos que Mário Costa manifestou ao pai o interesse em ingressar no seminário, onde entrou em 1951. Foi para Fátima, onde na altura funcionava o Seminário Menor da Diocese e onde esteve até 1954. Recorda que, um ano antes de ter saído, fez parte do grupo de 30 seminaristas diocesanos que ajudaram na transladação dos restos mortais do Beato Francisco Marto, do cemitério de Fátima para a basílica na Cova da Iria.
Foi no seminário que aprendeu latim, francês, português, matemática e música, disciplina que o acompanharia para o resto da vida. Enquanto seminarista, foi aluno de D. João Pereira Venâncio, que na altura era vice-reitor do Seminário Diocesano e mais tarde viria a ser Bispo da Diocese. “Comecei a aprender música e, como tinha boa voz, convidaram-me para integrar o coro do seminário”.
O gosto pela música
Quando saiu do seminário, cumpriu 27 meses de serviço militar obrigatório, período durante o qual colaborou com o coro litúrgico de Tavira e, depois, aquando da vinda para o quartel de Leiria, na paróquia da Batalha, ajudando na ação litúrgica o padre Manuel Gonçalves, pároco da altura. O gosto pela música começava a crescer e, durante toda a sua vida, jamais deixou de o fomentar.
Recorda que o facto de ter participado no coro da Sé de Leiria, que era coordenado pelo padre Carlos da Silva, em muito o ajudou nas suas funções. “Os ensaios do doutor Carlos da Silva eram uma lição para eu poder ensaiar os outros”.
Desde então, foi responsável pelo coro da Golpilheira durante 55 anos e pelo coro da Batalha durante 50 anos. Ensaiou ainda outros coros litúrgicos da Diocese, nomeadamente, na Pocariça, Maceira e Vale do Horto. Aquando da celebração dos 800 anos do Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, foi ele o responsável pela liturgia da festa.
No decorrer deste período, Mário Costa conjugava a sua vida familiar e profissional com as inúmeras deslocações que as responsabilidades de regente de coros litúrgicos lhe exigiam. “Quinta-feira tinha ensaio na Golpilheira, sexta-feira era na Batalha, aos sábados tinha ensaios do coro da Sé de Leiria, do qual fazia parte e, ao domingo, ia às Missas coordenar os coros que ensaiava: primeiro aqui na terra, depois à Batalha e, da parte da tarde, à Nazaré”.
Esta ação intensa no trabalho com os coros litúrgicos permitiu-lhe juntar uma considerável coleção de cânticos. Era no Encontro Nacional de Liturgia, onde marcou presença durante 20 anos, que ia buscar grande parte deste acervo. “Eu trazia de lá um livro, do qual escolhia alguns cânticos para passar à máquina para folhas, que depois dava aos coros. Além disso, tinha ainda os livros fornecidos pela Diocese”, conta, enquanto se levanta para nos mostrar uma edição do antigo cancioneiro diocesano “Assembleia Viva”, que ajudou a compor.
Ao serviço da comunidade
Na paróquia, Mário Costa não é apenas conhecido pela sua entrega à ação litúrgica, mas também pela fundação do Coro Infantil e Juvenil da Golpilheira, que coordenou entre 1982 e 2003. Durante este tempo, passaram por esta dinâmica local mais de 250 crianças e jovens de diferentes gerações. “Havia muitas crianças e não havia atividades para as ocupar. Eu lembrei-me de as juntar num coro. Aos pouco, foram trazendo amigos e rapidamente se juntou um grupo grande. Chegámos a ter 70 elementos nos ensaios”. Ali, era proporcionado aos mais novos um espaço de convívio, aprendizagem e camaradagem intergeracional, com base numa convivência sadia.
A responsabilidade da coordenação do coro foi assumida por paroquianos que frequentaram o Coro Infantil e Juvenil da Golpilheira. Apesar de já não coordenar, continua a colaborar com o coro da terra sempre que necessário.
“Agora a minha voz já não é a mesma”, solta em jeito de desabafo. O lamento não parece afinado com o testemunho que nos deu, mas o que diz de seguida atesta o tom de empenho e entrega com que pautou a sua vida. “As pessoas têm muita consideração para comigo e eu para com elas. Ainda hoje me dizem que aprenderam muito comigo”. O reconhecimento pelo trabalho de Mário Costa não é apenas demonstrado pessoalmente, tendo já sido condecorado ao nível institucional pelo Município e pela Junta de Freguesia, pelos serviços prestados no âmbito da cultura. A voz de quem se dedica aos outros é assim, não se perde, recria-se e transforma-se nas vozes de outros, as mesmas que hoje agradecem o trabalho de quem se deu ao longo de uma vida.
Uma imagem de marca
O lamiré é um dos objetos característicos que sempre acompanhou Mário Costa. Quem o conheceu na sua lide musical lembra-se de ele, antes de iniciar a regência, ir buscar o tom que dava ao coro ao lamiré. “É uma espécie de realejo, que tem as notas de dó a dó, com os sustenidos, que servia para eu me guiar no tom que queria”. Este objeto ainda hoje é solicitado para ser usado durante a Semana Santa da paróquia, como guia para entoar a “Hora de Noa”.