Fernando Brites tem 63 anos e é da Marinha Grande. Zeloso e dedicado, divide o seu tempo entre a família e as várias funções que exerce ao nível paroquial, vicarial e diocesano.
Apesar de aposentado da profissão de bancário, desde dezembro de 2010, a preenchida agenda do dia-a-dia reflete o seu dinamismo. Mesmo assim, guardou-nos um pouco do seu tempo para contar o seu percurso de vida, marcado por uma caminhada de procura gerada pela dúvida, que o fez descobrir a alegria da fé.
A disponibilidade imediata demonstrada por Fernando para nos receber é reflexo da sua entrega à comunidade: é catequista do 5.º ano, colabora com a catequese de adultos e com os Cursos Alpha, coordena o grupo coral litúrgico na Missa das 11h00, orienta reuniões de preparação para os batismos e integra a comissão que organiza a festa da padroeira. Porque quem faz caminho, chega mais longe, a sua ação não se restringe apenas à paróquia. Participa também num grupo de dinamização da vigararia da Marinha Grande, que representa no Conselho Pastoral Diocesano. Recentemente dá formação de canto litúrgico, na Escola Diocesana Razões da Esperança.
A forma refletida, estruturada e crítica com que dá o seu testemunho, faz transparecer um caráter assertivo, convicto e marcadamente crente. À medida que desvela a sua caminhada, percebemos que a fé que agora tem, apesar de autêntica, não se manifestou de uma forma instantânea. Para aqui chegar, Fernando abdicou do conforto das certezas que já teve e deixou-se permeável à dúvida. Só assim, no incómodo da interrogação, foi encontrando respostas, que lhe dão um porto seguro na fé que agora transparece.
A vida
Fernando Brites nasceu em Leiria, a 23 de junho de 1951. Filho mais novo de uma família que, apesar de “tradição católica”, “não era de prática religiosa”, foi através dos avós maternos que teve um contacto próximo com uma vivência profunda da fé. “O meu avô era evangélico batista e a minha avó era ‘católica de Missa diária’.”
Aos nove anos, emigrou com os pais para os Estados Unidos da América, onde estudou numa escola católica, dirigida por freiras franciscanas. Foi através de um convite feito pela madre superiora, que frequentou pela primeira vez a catequese, com vista à preparação para a Primeira Comunhão que recebeu.
O regresso a Portugal, 19 meses depois, coincidiu com a entrada na adolescência e um “resfriar da caminhada na fé”. Durante este período, entrou para o escutismo e ainda que a experiência tenha sido enriquecedora, a sua ligação com a Igreja ia esmorecendo. “O entusiasmo que tinha na religião não era suficientemente profundo para contrabalançar ideias inovadoras que iam surgindo”, confessa.
A altura era de grandes convulsões políticas e sociais: a revolta estudantil de maio de 1968, em França, a independência das colónias dos países europeus e a Primavera Marcelista, que viria culminar na revolução de Abril de 1974. As ideias contestatárias de então, “fascinavam qualquer jovem”. Fernando acedeu-lhes através do meio universitário, que estava envolto numa forte dinâmica de consciencialização política. Fernando admite que abraçou estas correntes “por arrastamento”. “Como eu não tinha referências muito sólidas ao nível da religião, era um alvo permeável a outras ideias.”
Para ilustrar a ausência de espiritualidade, recorda o momento em que pediu para ser crismado, mesmo sem qualquer tipo de preparação. Lembro-me de, na altura, ter pensado: isto é importante, mas eu não sei porquê!”
A certeza no homem
Aos 21 anos Fernando cumpriu o serviço militar durante dois anos e meio, o que aumentou ainda mais a dispersão em relação à Igreja. O 25 de Abril de 1974 deu-se quando estava na tropa. Com a revolução, veio uma “avalanche de ideias novas: materialistas, marxistas, leninistas, ateias, agnósticas”. Esta “porta escancarada” para novas ideias fez com que ele aderisse, ainda na tropa e de forma clandestina, ao Partido Comunista. Na altura, era um homem de certezas, plenamente convicto das ideologias que abraçara.
A convulsão política e social do país, que redundou na revolução, potenciou uma rebelião na vida de Fernando, com um afastamento radical da Igreja. “De uma indiferença, passei para uma hostilidade latente, para um ateísmo e anti-cristianismo; colocava o Homem no centro de tudo e Deus foi corrido da minha vida.”
O nascer da dúvida
Foi no trabalho partidário que conheceu aquela que viria a ser sua esposa, com quem casou pelo civil em 1978, tendo ido morar para a Marinha Grande.
Um ano depois, nasceu a sua filha que, anos mais tarde, mostrou interesse para frequentar a catequese na paróquia de Leiria. Embora distante da Igreja, o pai não se opôs.
Foi numa das vezes em que foi buscar a filha, que deixou nascer a dúvida nas certezas que tinha. Enquanto aguardava que a catequese terminasse, deambulou pelo adro da Sé. A porta aberta foi o apelo para entrar. “Entrei. Não havia ninguém e sentei-me cá atrás, só a olhar para a penumbra. Às tantas, dei por mim a levantar a dúvida: e se eu estou errado?”. A incerteza deixou-o inquieto e despoletou nele um caminho de procura.
Gradualmente, as convicções políticas e as certezas ideológicas de Fernando iam esmorecendo. Esta nova perspectiva surgiu de uma forma indefinida. “Uma coisa tenho agora a certeza, era fruto da acção do Espírito Santo, que de uma forma suave, me ia ajudando a desconstruir todos os mitos que eu tinha construído.”
Fernando não hesita em afirmar que a base do crescimento da fé nasce de “um desconforto que vai sendo preenchido por Aquele que nos habita”.
Com o tempo, Fernando apercebeu-se que o que procurava, estava na Igreja Católica. Com esta consciência, veio uma gradual participação na Eucaristia e uma disponibilidade na comunidade paroquial da Marinha Grande. “Como estava apenas casado pelo civil, não comungava, mas participava de corpo e alma na Eucaristia.”
Em 1994, recebeu o Matrimónio. Ao recordar este marco, fala também do sacramento da Reconciliação e da experiência gratificante que foi, confessar-se pela primeira vez passados 20 anos. “Foi o desabar de uma montanha, mas saí de lá com um alívio enorme e realmente liberto!”
Na altura, fez com a esposa um retiro, a convite da Fundação Maria Mãe da Esperança (FMME), que lhes deu um aprofundamento da espiritualidade através de uma formação bíblica, catequética e teológica, fazendo-os “perceber o valor da comunhão eclesial”.
A certeza em Deus
No final da nossa conversa, lançamos uma pergunta em jeito de provocação: E se agora, estiver enganado?
“Não, não estou porque a minha fé consolida-se, não por impressão emotiva, mas, como se lê no catecismo da Igreja Católica, por uma série de ‘argumentos, convergentes e convincentes, que nos dão verdadeiras certezas da fé, no entanto sempre aberto à dúvida e à resposta, pela acção do Espírito Santo”, responde, assertivo.
Poderia ter sido de outra maneira?
“Foi assim por amor: livre, total e de doação plena”.