PARA QUE TODOS SE TORNEM CÉU

Escritas ontem, ao fim da tarde, tinha decidido não publicar estas palavras, tão íntimas e tão sinceras, que me pareceram inoportunas, ainda que me tivessem ajudado a sobrenaturalizar o momento que estávamos todos a viver, cada qual â sua maneira.

Corrijo a decisão, por reparar que passam onze precisamente onze anos sobre a canonização, precisamente pelo papa Francico, dos seus antecessores João XXIII e João Paulo II.

Funerais do Papa Francisco!

Não. não fui lá, nem acompanhei pela televisão, ou qualquer sistema da imensa teia electrónica que se usa para todos os fins, bons, maus e neutros, com a redução drástica da comunhão entre as pessoas.

Não fui lá, quem sabe, talvez nem sequer em espírito: porque às vezes, quando nos esforçamos por mergulhar no universal, se não nos precatamos, caímos no mais reduzido dos particularismos. E eu quis estar, não com os que sincera ou hipocritamente homenageiam o Papa que morreu, mas com a fé de que que ele foi para mim rocha segura, durante mais de uma década.

Ora, essa fé diz-me que, de facto, ele não morreu, mas foi libertado do tempo e do espaço pelo Senhor, que o chamou a receber o prémio da sua entrega. E, nesse encontro com o Pai, pode agora secundar os meus pedidos, que uno aos da Igreja universal, agradecida, com humanos laivos de saudade, mas suplicando ao seu divino Esposo que não a deixe muito tempo, sem outro guia seguro e fiel, como Simão Pedro.

Com o máximo respeito por quem quis manifestar a sua gratidão e saudade de outro modo, fiz questão de aproveitar estes momentos para me recentrar em pontos fulcrais da minha fé, sempre em risco de se sumirem na curiosidade dos gestos e no ruído dos discursos, mesmo quando calha serem correctos.

Oração universal com a Igreja e cultivando a sua solicitude por todos os homens.

Como recomenda Santo Agostinho, numa das suas pregações sobre a Oração Dominical, concretamente, em parte do seu discurso sobre a 3ª petição: “Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”:

Diz o santo bispo de Hipona:

“Quando o espírito aspira acima da carne, faz-se a sua vontade no céu: quando a carne não contraria o espírito, faz-se a sua vontade na terra.

(…) Podemos assim interpretar o «faça-se a vossa vontade, na terra como no céu», tomando o céu como a Igreja, porque contém Deus: a terra serão os infiéis, aos quais foi dito: «és terra e à terra voltarás» (Gen 3, 19).

Portanto, quando rezamos pelos nossos inimigos, pelos inimigos da Igreja, dos cristãos, pedimos que se faça a sua vontade na terra como no céu. Isto é, que tanto nos fiéis como nos infiéis, ela se cumpra de modo que todos se tornem céu” (Sermão 58, 3.4).

Que todos se tornem céu: ut omnes caelum fiant!

Omnes, todos!

E dou-me com um termo do nosso querido Papa Francisco, que merecia ter sido mais bem compreendido e menos manipulado: ele certamente não terá querido dizer mais do que o que afirmou o grande doutor da Igreja, sábio e santo, que, depois de tanto procurar, encontrou Cristo na então capital do Império Romano.

Que todos se tornem céu, no contexto das palavras de Agostinho, significará que todos, procurando identificar cada vez mais a sua vontade com a de Deus, firmes na fé, aprofundem a sua condição de membros da Igreja: na coerência do seu Baptismo, os que já o receberam, caminhando para ele, os que ainda lá não chegaram.

Vem-me à memória o grito apaixonado de um outro papa, quase dos nossos dias, ao iniciar o seu ministério petrino: – Escancarai as portas a Cristo!

E fico a pensar nas voltas que se tem querido dar ao TODOS do Papa Francisco, quase como se fôssemos convidados, não a escancarar as portas a Cristo, mas – peço perdão do meu jogo absurdo de palavras -, a escancarar Cristo às nossas portas, a abrir n’Ele pequenos postigos, à medida da mediocridade de cada um.

Às vezes temos a impressão de que se quer corrigir o próprio Evangelho, no qual temos este aviso solene de Jesus:

«Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que seguem por ele. Como é estreita a porta e quão apertado é o caminho que conduz à vida, e como são poucos os que o encontram!» (Mt 7, 13-14).

O Papa Francisco, de saudosa e veneranda memória, afirmou cm particular solenidade, que a Igreja não tem portas.

Bem entendidas tais palavras do Papa, elas repetem apenas aquilo que é evidente na caminhada messiânica de Jesus e dos evangelizadores que O seguiram e seguem: para a Igreja, que é o mistério de Cristo na história dos homens, não há fronteiras de nenhum tipo. E não deixa de conter uma profunda ironia da mesma história, que com base em tais palavras se tenham precisamente multiplicado as portas e as fronteiras.

Como disse Santo Agostinho: que todos, identificando, cada vez mais. a sua com a vontade de Deus, se tornem céu.

Cantata “Santo Agostinho – O cantor da sede de Deus”
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, às 10:00
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