João Cidade nasceu em Montemor-o-Novo, em 1495, e distinguiu-se pelo serviço aos pobres e doentes, sobretudo no hospital que fundou em Granada. Pouco conhecido por este nome, é o famoso São João de Deus, canonizado em 1690. Quando morreu, em 1550, os seus discípulos constituíram um instituto religioso, aprovado pelo Papa S. Pio V em 1572.
Servir Cristo no doente
A vida deste santo português é uma daquelas histórias fantásticas de conversão. Abandonou os pais aos 8 anos de idade e foi pastorear ovelhas para Espanha, tendo experimentado pelo meio a carreira militar. Regressou, mas os pais tinham morrido, pelo que voltou a Granada. Aí ouviu os sermões de São João de Ávila, que o levaram a andar pelas ruas a penitenciar-se pelos seus pecados. Foi dado como louco e viveu anos num hospício. Quando o seu espírito serenou, e após uma visita ao Mosteiro de Guadalupe, fundou um hospital para doenças contagiosas e incuráveis, tendo permanecido ao seu serviço o resto da vida. Hoje é o padroeiro dos hospitais, dos doentes e dos enfermeiros.
Com o lema “Fazei o bem, irmãos” deixado pelo fundador e inspirados na sua afirmação de que “tudo perece, só a boa obra permanece”, os discípulos formaram uma congregação para continuar e alargar a missão da assistência aos enfermos e necessitados. Aprovada em 1572, foi reconhecida como Ordem Religiosa pelo Papa Sisto V, em 1586, estatuto que perdeu logo em 1592, por ordem de Clemente VIII. O Papa Paulo V restituiu-lhe a categoria de Ordem, em 1611 na Espanha e em 1617 na Itália, donde resultaram duas congregações autónomas durante dois séculos e meio.
As políticas antirreligiosas do século XIX quase fizeram desaparecer a Ordem. Mas S. Bento Menni encarregou-se da sua restauração e reunificação, a partir de 1867, donde brotou uma grande expansão mundial, sobretudo em meados do século XX. Para isso, muito contribuiu também o reconhecimento de santidade de diversos irmãos, confirmando este carisma de “seguimento de Cristo mediante a consagração a Deus no serviço aos enfermos e aos necessitados como caminho certo para alcançar a santidade”. Como eles, também muitos colaboradores, voluntários e benfeitores da Ordem seguem o exemplo carismático de S. João de Deus.
Em Portugal
A primeira comunidade portuguesa surgiu na terra natal do fundador, em 1606, erigindo-se a Província em 1671. Suprimida pela lei subversiva de 1834, foi uma das comunidades restauradas por S. Bento Menni, em 1893, mas a Província apenas em 1928.
A revolução de 1974 ameaçava colocar em risco o seu património, pelo que procurou uma solução para enquadrar juridicamente os estabelecimentos hospitalares e assistenciais e a ação dos irmãos e outros profissionais de saúde. Assim se constituiu o Instituto S. João de Deus como Pessoa Coletiva de Utilidade Pública Administrativa e, posteriormente, como Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) e Fundação, “com fins de saúde, de assistência, de reabilitação e de reinserção social, nomeadamente, nas seguintes valências: psiquiatria e saúde mental, alcoologia, toxicodependência, cirurgia e ortopedia, medicina física e de reabilitação, prestação de cuidados em geriatria e aos sem abrigo, e prestação de cuidados nas valências da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados”.
Além disso, fundou o Museu São João de Deus – Psiquiatria e História, na Casa de Saúde do Telhal, e edita a revista nacional trimestral “Hospitalidade” e o mensário açoreano “O Irresponsável”.
A atração do Santuário
Como muitos outros, também os Irmãos de S. João de Deus se sentiram atraídos pelo Santuário de Fátima. Adquiriram ali meio hectare de terreno em 1953, mas só em 1982 lhe dariam uso, com o início de atividade de um Centro Vocacional – Escola Apostólica, com apoio das Irmãs Vicentinas e dos colégios da região.
A experiência durou apenas seis anos e as instalações passaram a residência, para apoio a irmãos e outros peregrinos, bem como para atividades desportivas de jovens locais. Ao longo dos anos, muitas centenas de pessoas por ali têm passado, em encontros de formação e de espiritualidade, tal como para receber diversos cuidados básicos de saúde, ministrados sobretudo aos mais pobres.
A comunidade canónica de Nossa Senhora de Fátima foi erigida em 2001 e tem atualmente dois edifícios com a mesma finalidade. Os irmãos dedicam-se a acolher peregrinos e grupos, sobretudo ligados ao Instituto, à visita aos doentes e ao cultivo do jardim, horta e pomar. Para além, claro, da oração pessoal e comunitária.
Testemunho vocacional
“Espalhando os vírus da hospitalidade”
O irmão Paulo Irineu Corte de Gouveia (em primeiro plano na foto), nascido há 42 anos na Serra de Água, Ribeira Brava (Madeira), é o superior da comunidade de Fátima. Partilhou connosco o seguinte testemunho:
Falar sobre a minha vocação em poucas palavras é algo muito difícil; há muitos acontecimentos importantes na minha caminhada vocacional. Muitos deles, só à luz do Evangelho serão possíveis de se compreender. Desde criança que fui educado pelos meus pais numa verdadeira família cristã, onde as bases da educação coesa eram fundamentais para uma família de 11 membros. Sendo a Ilha da Madeira uma terra turística, desde logo, aprendi a acolher em casa quem passasse pelos caminhos pedestres a passear. A alegria e o bom acolhimento dado pelos pais e irmãos às visitas foram algo marcante na minha infância.
Fui acólito desde criança, mais tarde passei a ser responsável dos mesmos. Após o Crisma, criei um grupo de jovens. Aos 16 anos, conheci os Irmãos de São João de Deus, numa experiência de campo de férias. O serviço de hospitalidade ficou marcado para sempre, pelo exemplo transmitido pelos Irmãos Hospitaleiros.
Com 18 anos, após acompanhamento do pároco e dos irmãos de São João de Deus, parti da Madeira para Lisboa. Fiz dois anos de pré-postulantado em Fátima, cumpri o serviço militar, fiz mais dois anos de postulantado no Telhal e dois anos de noviciado em Espanha. Consagrei-me à hospitalidade com os primeiros votos, em 1997, em Lisboa.
Desde então, passei pelos Açores, por Lisboa e agora Fátima, exercendo a hospitalidade nos nossos centros, ao serviço dos utentes e necessitados.
A dedicação à hospitalidade, seguindo os passos de Jesus ao exemplo de São João de Deus, exige todos os dias um grande esforço. É necessário abandonar-se nas mãos de Deus para crescer espiritual e humanamente.
Hoje, sinto-me feliz pelo caminho percorrido e continuo a dar resposta ao meu ‘sim’, espalhando os vírus da hospitalidade nos serviços que a Ordem me confia.
Ir. Paulo Gouveia
Números
Mundo
Casas: 356
Membros: 1200
Portugal
Casas: 9 hospitais e várias residências
Membros (c/ Brasil e Timor): 56
Diocese
Casas: 1 comunidade com 2 edifícios
Membros: 3 irmãos, um deles padre
Mais novo: 42 anos
Mais velho: 82 anos