O VALOR DAS COISAS PEQUENAS

Por mais que movimente, abrindo, vasculhando e fechando, as gavetas da memória, não consigo descobrir como se chamava, nem quem era o autor do livro: sei apenas que se tratava do livro de leitura da então chamada terceira classe – para esse nível o também então designado Ministério da Educação Nacional não impusera ainda o seu “Livro Único”.

Sei que havia neles textos de alguns mestres da língua, que encontrei depois nos meus estudos literários; e recordo perfeitamente aquela história do engenheiro encarregado de vigiar a construção de uma ponte e que impôs o regresso do trabalho às oficinas, porque descobrira uma pequena fissura que todos diziam não pôr em questão a segurança da obra.

Depois, não sei quanto tempo mais tarde, um exército de muitos homens e pesados carros de combate, teve de passar de uma margem para a outra do rio, cujo caudal criara um vale profundo entre montanhas alcantiladas.

A ponte, dizia o texto, construída no respeito pelo rigor do engenheiro responsável, tremeu, vergou, mas não cedeu ao peso dos homens e das máquinas, que passaram com absoluta segurança para a outra margem do rio.

Uma história exemplar, das muitas que encheram de alegria, espanto e algumas dores, a minha adolescência.

Esta veio-me à memória inumeráveis vezes, ao longo de uma vida onde os acontecimentos e as pessoas se cruzaram com paisagens e vias de comunicação de todo o tipo, entre cidades, países e culturas.

Mas o momento em que as suas raízes se fixaram no mais fundo da memória, foi quando me ensinaram como para Deus eram importantes as coisas pequenas: porque, se o são para Deus, têm necessariamente de o ser para os homens.

Confesso que era ainda muito jovem e estava longe de conhecer a importância que já tinha – e muito menos que viria a ter – para tantos milhares, ou mesmo milhões de pessoas, um livrinho cuja leitura iniciei naquela tarde em que começava a sentir-se o avanço do Outono, gozando o calor de uma lareira que já não existe e não vale a pena identificar, apesar das muitas lembranças que dela me ficaram dos anos da minha formação sacerdotal e humana.

Quase no fim da leitura, a frase que, se quiséssemos comentar em toda a sua amplitude, teríamos de consagrar-lhe uma biblioteca inteira: “As almas grandes têm muito em conta as coisas pequenas” (Josemaria Escrivá, “Caminho”, nº 818”).

Primeiro aquela figura de estilo a que um linguista de grande prestígio poderia, como fez noutros casos, dar o nome de oxímoro: as almas grandes/as coisas pequenas.

Afinal uma antítese que, como em muita coisa da nossa vida, o amor desfaz, sempre que amamos verdadeiramente, no respeito absoluto pela verdade das coisas e das pessoas, cujo fundamento é Deus.

É também por isso que, mesmo do ponto de vista puramente humano, para os corações apaixonados não há pormenores sem importância: temos a contraprova, hoje infelizmente tão espectacular, nas amizades que acabam, nos vínculos matrimoniais que se desfazem, nos acordos que se quebram, nas famílias que se arruínam, pelo desprezo de pormenores que pareciam sem importância.

É pensando nisto que me confortam as palavras de Jesus, que, guardando, como de costume, a linguagem dos doutores da Lei – o que cria alguns equívocos nos que se esquecem disso – afirma como a totalidade da Lei, em todos os seus pormenores, ainda os mais pequenas que dois mais curtos sinais gráficos do alfabeto hebraico, está sob o mistério da Sua missão messiânica: tudo tem valor divino, e é para que isso aconteça que o Filho de Deus Se faz Homem:

“Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar, mas completar. Em verdade vos digo: Antes que passem o céu e a terra, não passará da Lei a mais pequena letra ou o mais pequeno sinal, sem que tudo se cumpra.

Portanto, se alguém transgredir um só destes mandamentos, por mais pequeno que seja, e ensinar assim aos homens, será o menor no reino dos Céus. Mas aquele que os praticar e ensinar será grande no reino dos Céus» (Mt 5, 17-19).

“As almas grandes têm muito em conta as coisas pequenas”.

Por onde se segue que quem não tem muito em conta as cosias pequenas, nas distracções e superficialidades com que vive, não peca apenas contra os outros: se não se emenda, vai a pouco e pouco reduzindo os horizontes dos seus projectos de serviço e entrega, acabando por cair numa vida mesquinha, sem altura.

Permito-me concluir com os dois parágrafos iniciais do livrinho citado acima:

“Que a tua vida não seja uma vida estéril. – Sê útil. – Deixa rasto. – Ilumina, com o resplendor da tua fé e do teu amor.

Apaga, com a tua vida de apóstolo, o rasto viscoso e sujo que deixaram os semeadores impuros do ódio. – E incendeia todos os caminhos da Terra com o fogo de Cristo que levas no coração”.

E pensar a gente que estas palavras estão hoje traduzidas num número de línguas só ultrapassado pelo número traduções da Bíblia!

Também assim Deus cumpre as suas promessas.

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