É um lindo dia de sol!
Enquanto contemplo este sorriso da natureza, em que até os braços despidos das árvores do parque me dizem que a esperança imortal tem raízes escondidas, por onde, se não forem cortadas, subirá a seiva das verduras da Primavera e do Verão, sai-me do fundo da alma a beleza imorredoira da poesia crente de um profeta (=poeta), cujo estro, iluminado pelo Espírito Santo, cantou e escreveu para que se cantasse:
“Rejubilo de alegria no SENHOR, e o meu espírito exulta no meu Deus; porque me revestiu com as vestes da salvação. Como um noivo que cinge a fronte com o diadema, e como uma noiva que se adorna com as suas joias.
Porque, assim como a terra faz nascer as plantas, e o jardim faz brotar as sementes, assim o Senhor DEUS faz germinar a justiça e o louvor diante de todas as nações, e me envolveu num manto de triunfo.” (Is 61, 10-11)
Canta o poeta/profeta, submerso na história do seu povo, figurado na mítica cidade de Sião, conquistada, rebaptizada e engrandecida por David, diante de cujo túmulo ainda hoje há quem se prostre em oração.
Uma história que, com as suas grandezas e misérias, será, dizem os sábios das Letras Sagradas, a revelada metáfora da História da Salvação.
Isso mesmo! A História da Salvação, que, como tudo o que é histórico, acontece no tempo, com o homem e Deus, Criador de ambos.
Ela, de facto, surge de um projecto divino, que, misteriosamente sabotado no seu começo, tem de ser continuamente retomado e posto em marcha, sempre com a colaboração livre dos mesmos protagonistas; mas agora, irremediavelmente marcada pela luta dos que aceitam o traçado divino desse projecto e dos que sacrilegamente o rejeitam, tentando eternizar a sabotagem do começo.
Enquanto história, terminará com o tempo; mas não podemos construir-lhe nenhuma cronologia. Do seu segredo, Deus deixou apenas a sugestão de alguns factos exemplares, que, mesmo assim, permanecerão sinais equívocos, como é todo o temporal que reflete o eterno: se a linguagem humana é, já de si, inadequada à comunicação entre os homens, como poderia deixar de o ser na comunicação de Deus com os mesmos homens?
Esses factos – pessoas, acontecimentos e discursos – foram reunidos numa série de livros, tradicionalmente designada por Bíblia (plural do termo grego “bíblion”, livrinho), cuja mensagem se torna inacessível a qualquer leitura puramente jornalística: o mistério fica sempre acima e para além do sensível, palpável e visível.
Projecto divino que podemos imaginar, enquanto dependente do tempo, história, uma linha que vai da Criação à Redenção.
E do protagonismo humano dessa história, o aspecto mais marcante, que, talvez precisamente pelo que contém de mistério, foi também o mais escamoteado ao longo dos séculos, até agora; diríamos, em síntese, ontem, hoje e amanhã:
Esse aspecto, para mim, leitor crente, sem pretensões de sábio exegeta, é o papel central da mulher.
Já se debruçou largamente sobre isso a patrística, comentando o paralelismo EVA/MARIA, especialmente nas referências a Maria como a nova Eva.
Mas o mistério é bem mais profundo; e talvez tenha chegado o momento de aprofundar esse mistério, na sua globalidade, saindo dos limites que podem levar-nos a reduzi-lo a simples consideração piedosa sobre Nossa Senhora.
Quando São Josemaria exortava com tanta veemência os aderentes à sua espiritualidade a seguirem “com Pedro, por Maria a Jesus” (“omnes cum Petro, per Mariam ad Jesum”), em meu entender, tocava num dos dados mais profundos e radicais da fé, a nossa fé de cristãos: crentes unidos ao sucessor de Pedro, como sinal e garantia da unidade da fé.
Precisamos de ver isto melhor, por dois motivos fundamentais: a justiça que ainda não se fez ao papel que, desde sempre, a mulher desempenhou na conservação e desenvolvimento de uma autêntica cultura humana e como, ao longo dos séculos, até hoje, sempre houve forças a tentar impedir ou manipular esse papel, à medida da tentação do Paraíso, desvirtuando a dignidade desse desempenho.
Talvez nem tudo o que hoje se faz, mesmo nos quadros da Igreja, corresponda exactamente à missão da mulher, como nos aparece indicada, no fundo mais profundo da História da Salvação.
Fez sempre muito mal, mesmo na exposição da doutrina, a confusão da igualdade com a negação das diferenças, promoção com descaracterização, ministério e carisma, poder e serviço, que não são concorrentes, mas colaboradores, na mesma tarefa de construção do espaço da existência harmoniosa de todos.
Não se promove o bem da comunidade senão criando condições para que cada um seja cada vez mais o que exige a verdade da sua natureza íntima.