O novo bispo da diocese de Leiria-Fátima presidiu no dia 20 de março à missa dominical no Santuário de Fátima onde condenou a guerra na Ucrânia, apelidando-a de “maior loucura humana” e apelou ao espírito de solidariedade, “até que seja necessário”, para com os refugiados que fogem “à tirania e à injustiça”.
“A guerra a que assistimos no leste Europeu é bem o exemplo desse jogo infernal do recurso à violência para submeter, escravizar, destruir, baseado numa visão de estratégia pessoal, de grupo ou de nação, que se arroga o direito de anular a liberdade dos outros e de os levar à sujeição. Não podemos deixar de condenar estes modos de pensar e de agir”, disse lembrando que a resposta a estas tentações dominadoras não pode ser feita na mesma moeda.
“Não podemos entrar na lógica da resposta igual, mesmo quando se trata do dever de deter a mão dos tiranos. Não se trata de uma vitória, é urgente que também aqui um novo modo de pensar” disse.
“Os povos da Ucrânia e da Rússia são filhos/as de Deus e o mundo tem necessidade deles dois. É urgente a conversão de mentes e, mais urgente ainda, cuidar das vítimas da maior loucura humana que é a guerra. Nunca haverá vitória nestes conflitos. As vitórias militares contam-se em mortes, ódio e sofrimento, sobretudo dos mais fracos. A única vitória é a paz”, salientou.
A partir do convite à conversão a que este tempo quaresmal desafia e focado na liturgia deste domingo, sem perder de vista o conteúdo essencial da mensagem de Fátima, D. José Ornelas estabeleceu um paralelo entre Maria, “mãe e modelo da Igreja” e os milhares de mulheres que juntamente com os filhos e os mais idosos fogem da guerra, em busca da paz.
“Os eventos de Fátima em 1917 tiveram lugar durante a sangrenta primeira guerra mundial, a revolução russa e uma pandemia com efeitos mais devastadores do que aquela que ainda condiciona as nossas vidas. Maria, a Senhora de rosto resplandecente, traz a misericórdia de Deus a um mundo com muitas semelhanças àquele em que vivemos. Ela não é estratega militar, não fala para comités internacionais e dirige-se a três crianças que sofrem as consequências, não apenas da situação geral do planeta, mas igualmente do pobre estado do país, que nem lhes permitia acesso ao ensino”.
“Perante a loucura dramática da guerra, a Mãe Maria, dedica a sua atenção e carinho a estas crianças simples e iletradas” prosseguiu destacando que Nossa Senhora “não lhes esconde o horror da guerra, mas infunde-lhes uma coragem superior à sua idade, para vencerem o medo, com a confiança na força e no carinho de Deus, cujo Coração se encontra ferido pelo horror e a perversão da humanidade”.
“Maria, Mãe e modelo da Igreja, pode ser vista nos milhares de mães que estão a sair da Ucrânia com as suas crianças e os seus idosos. Ela sabe o que é fugir da fúria dos tiranos, ser refugiada, depender da boa-vontade de gente desconhecida, para proteger o seu Menino, o seu tesouro, a esperança de um futuro melhor”, afirmou na homilia da missa concelebrada, entre outros, pelos bispos eméritos de Leira-Fátima, cardeal D. António Marto e D. Serafim Ferreira da Silva.
“Estas mães são dignas de toda a nossa estima, de todo o nosso apoio e acolhimento, até que seja necessário” enfatizou, elogiando a resposta que tem sido dada quer em termos nacionais quer em termos europeus no acolhimento aos mais de 3 milhões de refugiados que esta guerra no leste já fez.
“É bom ver que o mundo e a Europa – também o nosso país – se mobilizaram perante esta tragédia humana, no acolhimento e na ajuda. São sementes positivas de bem que, paradoxalmente, vão caindo nos escombros de milhões de vidas causados pela violência e a morte”, sublinhou.
“Que os nossos braços e a nossa vontade não se cansem e que a nossa generosidade se una e organize, para que possamos focar a nossa atenção e a nossa ajuda naqueles/as que passam por provações tão grandes” disse ainda ao lembrar que este é o modelo de Igreja que defende para a nova diocese que dirige desde o dia 13 de março.
“É esta Igreja, que tem Maria como Mãe e Modelo que, no início do meu ministério nesta Diocese, peço ao Senhor que nos ajude a construir: uma Igreja disponível para escutar a voz de Deus; unida pelo Espírito de comunhão e partilha entre os irmãos e irmãs; aberta e sensível aos apelos e desafios do mundo em que vivemos; generosa no acolhimento e apoio fraterno a quem precisa e a quem se vê privado da justiça e dos meios para uma vida livre e digna aos olhos de Deus, neste mundo que Ele criou para toda a humanidade e aberta ao mundo que definitivo que Ele nos oferece” disse.
Deus “não tem inimigos” enfatizou ao afirmar que “os desastres naturais, a violência e a injustiças que nos afetam não são castigos de Deus” .
“Pensar que Deus é como uma balança de pesar bem e mal, para dar bênçãos aos bons e castigar os maus é alimentar os mecanismos da divisão, da vingança, que levam à violência e à guerra”.
“O verdadeiro castigo é ausência de Deus. Sem Ele, ficamos limitados à nossa fragilidade e incapacidade de vida em plenitude”, reiterou apelando à conversão dos corações e da mente.
“Jesus diz que é necessário sobretudo mudar de mentalidade, façam um reset na vossa maneira de ser, introduzam um upgrade na vossa maneira de pensar para que possam entender Deus e aplicá-lo na vossa existência”, afirmou.
No inicio da celebração o prelado, titular desta diocese, dirigiu-se aos milhares de peregrinos, presentes e que seguiam a transmissão da eucaristia pelos meios de comunicação social e digital, sublinhando que o Santuário de Fátima, “ é parte desta Diocese e tem um papel muito importante para toda a Igreja, para além dos limites diocesanos”.
O prelado cumprimentou nominalmente os dois bispos eméritos, o administrador diocesano de Setúbal, eleito depois da sua saída e o reitor do Santuário, padre Carlos Cabecinhas e afirmou que este “Santuário da misericórdia e da paz está aberto a todos, é um lugar da nossa diocese mas estende-se ao mundo” ao serviço “do projeto misericordioso de Deus, de dar um coração à humanidade, para fazer o bem ou destruir. É urgente encontrar caminhos de misericórdia e caminhos de paz. Que o Senhor nos guie por caminhos de paz”, concluiu.