“Meu Senhor e meu Deus!”
Lectio divina para o Domingo II da Páscoa, 11 de abril de 2021
Breve introdução
Termina hoje a oitava da Páscoa, durante a qual fomos convidados a viver de forma particularmente intensa a ressurreição do Senhor. Uma festividade é prolongada no tempo quando se pretende realçar a sua importância. De facto, a Páscoa não é uma festa circunscrita a um dia de alegria e convívio familiar. Se assim fosse, estaríamos praticamente impedidos de a celebrar devido às limitações da luta contra a pandemia que nos assola. A Páscoa é o âmago mais profundo da fé cristã: Cristo ressuscitou! Ele é a nossa vida! Por isso, nos alegramos e repetimos vezes sem conta: Aleluia! Aleluia! Aleluia! Por outro lado, a centralidade da Páscoa convida os cristãos a receber essa vida nova, a deixar-se transformar por ela e a transformar o mundo por causa dela.
No ano 2000, S. João Paulo II, por ocasião da canonização de Santa Faustina Kowalsca, agraciada em vida por diversas mensagens de Jesus Cristo sobre a Sua divina misericórdia, decretou que este Domingo II da Páscoa passasse a denominar-se “Domingo da Divina Misericórdia”. Através desta religiosa polaca, que viveu entre as duas guerras mundiais, Cristo convidou a humanidade a aproximar-se do seu coração misericordioso, “abrigo e refúgio de todas as almas.” De facto, “a humanidade não encontrará paz enquanto não se dirigir à fonte da minha misericórdia.”
- Invocação inicial
Senhor Jesus,
que destes a paz aos apóstolos
quando lhes aparecestes
na tarde do dia da Vossa ressurreição,
concedei-nos também a nós o dom da paz.
Vós que morrestes e ressuscitastes por amor,
afastai de nós, das nossas famílias e do nosso meio
todas as formas de desespero e desânimo,
para que vivamos como pessoas ressuscitadas
e sejamos portadores de vossa paz.
Ámen!
- Escuta da palavra de Deus
- Vamos escutar uma passagem do Evangelho segundo São João
Que Jesus Cristo é uma figura marcante da história da humanidade é um dado aceite por crentes e não crentes. Afirmar que Ele morreu, ressuscitou e está vivo é algo que só a fé permite dizer. Por isso, as aparições do Ressuscitado que encontramos nos evangelhos são peças determinantes para o credo que professamos. A ressurreição de Jesus é um acontecimento histórico que, todavia, rompe o âmbito da história e a ultrapassa. O ressuscitado não é alguém que voltou à vida biológica normal e que, mais tarde, segundo as mesmas leis da biologia, morreu novamente. Também não é um fantasma ou espírito que pertence ao mundo dos mortos e se manifesta no mundo dos vivos. Jesus Ressuscitado é o mesmo que esteve na última ceia e morreu na cruz: “mostrou-lhes as mãos e o lado”, vai dizer-nos o nosso texto. Mas, ao mesmo tempo, o seu corpo já não está sujeito às limitações do tempo e do espaço, é um corpo glorioso. É nesta experiência viva e real com o Ressuscitado que os discípulos cimentam a sua fé pessoal e comunitária e, posteriormente, se sentem enviados a anunciar o que os seus olhos viram, as suas mãos tocaram e os seus ouvidos escutaram acerca do Filho de Deus.
- Leitura do Evangelho segundo São João (Jo 20, 19-31)
Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos». Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor». Mas ele respondeu-lhes: «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei». Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa, e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, apresentou-Se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco». Depois disse a Tomé: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente». Tomé respondeu-Lhe: «Meu Senhor e meu Deus!». Disse-lhe Jesus: «Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto». Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.
(momento de silêncio para interiorizar a Palavra)
- Breve comentário
O relato evangélico começa por fazer um apontamento temporal e espacial do episódio que se vai seguir. No que respeita ao tempo, tudo se passa na tarde do primeiro dia da semana, ainda debaixo dos holofotes do acontecimento da ressurreição, algumas horas depois da experiência do sepulcro vazio. O local é a casa onde os discípulos estavam reunidos e escondidos com medo das autoridades judaicas. Depois desta introdução, os discípulos são surpreendidos pela aparição de Jesus ressuscitado, sem que nada o fizesse esperar. Àqueles corações desiludidos perante a morte na cruz, perplexos com o relato do túmulo vazio e espantados diante do que estavam a ver, Jesus concede o primeiro dom da sua ressurreição: a paz, harmonia, serenidade e plenitude de todos os bens que a saudação hebraica Shalom significa. Assim pacificados e revestidos de alegria pascal, os discípulos recebem do Ressuscitado o Espírito Santo e são enviados para levar ao mundo o perdão dos pecados.
Entramos, depois, numa segunda parte do texto onde a figura principal é o apóstolo Tomé. Tendo estado ausente quando Jesus apareceu, pôde escutar o entusiasmo e a alegria dos que tinham presenciado a cena: “Vimos o Senhor!” Mas a palavra dos companheiros não foi suficiente para o levar a acreditar, o seu testemunho não bastou. A sua fé precisava de ver o sinal dos cravos e de tocar as feridas da paixão, exigia provas irrefutáveis e não se contentava com palavras de terceiros. Duvidava da possibilidade da ressurreição ou da veracidade das palavras dos outros discípulos? Talvez um pouco das duas. O que é certo é que a fé da comunidade não lhe foi suficiente.
O relato continua com uma nova referência temporal: passaram oito dias, ou seja, estamos novamente no primeiro dia da semana, ocasião em que a comunidade dos discípulos se reunia. É de singular importância salientar que, logo desde o acontecimento da ressurreição, a cadência semanal marcou a vida dos discípulos: o “seu” dia era aquele em que Cristo ressuscitara, era o dia do Senhor, o domingo. É nesse contexto que se dá a nova aparição de Jesus aos discípulos, agora com Tomé presente. Em primeiro lugar somos surpreendidos com as palavras fortes que Jesus dirige a Tomé, em resposta às dúvidas que ele manifestara anteriormente. As provas que ele exigira para acreditar estão ali, diante dos seus olhos e ao alcance da sua mão. Por isso mesmo é que a sua profissão de fé também não se faz esperar: «Meu Senhor e meu Deus!»
Tomé torna-se assim um exemplo para todos os crentes: para aqueles que têm dificuldades e vacilam; para aqueles que fazem depender a sua fé de provas irrefutáveis; para aqueles que a buscam de forma isolada, autónoma ou até individualista; para os que não se satisfazem com o testemunho, ainda que coerente, daqueles que os precederam; para os que, apesar de interiormente o desejarem, ainda não chegaram à fé e se definem como eternos buscadores de Cristo vivo. Em suma, Tomé é exemplo de todos os que caminham na fé.
- Silêncio meditativo e diálogo
Na tarde daquele dia, o primeiro da semana
O domingo marca a vida da comunidade dos crentes desde a sua origem. Ele é o primeiro dia da semana, em que Cristo inicia um tempo novo com a sua ressurreição. Por isso mesmo, ele é também o dia por excelência da Eucaristia, memorial do mistério pascal do Senhor, de onde todos recebemos vida em abundância. Consequentemente, o domingo torna-se o dia da comunidade, em que ela se reúne para celebrar a sua fé, se alimentar da Palavra e do Pão da vida e viver o mandamento do amor fraterno.
Como vivo o meu domingo? Que importância lhe dou? É dia do Senhor, da Eucaristia e da comunidade?
Vimos o Senhor
A celebração da Páscoa permite-nos, tal como aconteceu com os discípulos, “ver” o Senhor com os olhos da fé, pois Ele vem até nós com uma força e uma luz renovada. A sua vitória sobre a morte surpreende-nos e enche de alegria os nossos dias. Ainda que os nossos problemas e angústias possam permanecer, a celebração da Páscoa desafia-nos a uma esperança renovada e a uma visão positiva sobre a vida.
O que significa para mim dizer no Credo que acredito na ressurreição de Jesus? É uma afirmação teórica, mais ou menos aceitável e compreensível do ponto de vista teórico ou é o facto histórico que dá sentido ao meu acreditar e à minha prática cristã?
Se não vir …, se não meter …, não acreditarei
A condição humana é caraterizada por muitas limitações e, consequentemente, muitas inseguranças. Por isso, buscamos certezas, pontos firmes onde alicerçar a nossa vida. No campo da fé, procuramos também provas irrefutáveis da existência de Deus e da sua bondade. Às vezes, quando não as temos, duvidamos. Outras vezes, só acreditamos depois de elas nos serem apresentadas. Outras vezes ainda, deixamos de acreditar quando elas não nos chegam com gostaríamos.
Porque é que eu acredito? Porque tive experiências de Deus na minha vida, porque dou crédito a testemunhos de outros, porque cheguei à conclusão de que sem Deus a vida não fazia sentido, por outra razão qualquer? A exemplo de Tomé, quais são os “ses” da minha fé?
- Gesto familiar e oração final
Procurar fazer do domingo, especialmente da celebração da Eucaristia, uma festa da ressurreição. Procurar fortalecer a minha fé na ressurreição de Jesus e esclarecer as dúvidas que possam existir.
Para terminar, pode-se rezar a oração do Pai Nosso e a Ave-Maria. Se se estiver em família, pode-se eventualmente fazê-lo de mãos dadas.