Jantar no Lisotel reuniu empresas doadoras num gesto de reconhecimento e celebração do património local. Intervenção orçada em 205 mil euros visa recuperar estrutura com quase 400 anos
A igreja matriz da paróquia de Amor prepara-se para iniciar uma profunda intervenção de conservação e restauro, depois de mais de duas décadas sem obras significativas. O projeto, orçado em 205 mil euros (mais IVA), contempla a recuperação de elementos estruturais fundamentais do templo que está quase a completar quatro séculos de história.
Na noite de 16 de outubro, o restaurante do hotel Lisotel acolheu um jantar de homenagem aos empresários que decidiram apoiar financeiramente esta empreitada. O evento, oferecido pelo próprio estabelecimento hoteleiro, reuniu representantes de trinta empresas que contribuíram com 1.500 euros cada uma para fazer parte do núcleo de “doadores premium” da obra.
Uma intervenção urgente e profunda
As necessidades de intervenção são vastas e urgentes. “São muito profundas, desde os soalhos do coro, os balaústres, os guardaventos de entrada e depois toda a estrutura da nave principal, que está muito degradada, inclusive a instalação elétrica”, explicou Ramiro Santos, membro da equipa coordenadora das obras, acrescentando que “a Igreja não tem obras há mais de 20 anos”.
A dimensão do projeto exigiu uma estratégia diversificada de angariação de fundos. O primeiro contributo foi dado pela Câmara Municipal de Leiria, que contratualizou um apoio de 58.500 euros. “Foi o primeiro apoio confirmado”, sublinhou Ramiro Santos, destacando que o pagamento será feito à medida que forem entregues as faturas das aquisições.
Puzzle financeiro em construção
Para além do apoio camarário e dos empresários, a equipa coordenadora apresentou uma candidatura à Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL), no valor de cerca de 63 mil euros, que já foi validada e aguarda aprovação final. O Santuário de Fátima comprometeu-se com 10 mil euros, e a tesouraria da paróquia dispõe de cerca de 25 mil euros.
“Estamos muito próximo daquilo que são os valores necessários, se não houver derrapagens”, afirmou Ramiro Santos, reconhecendo que “uma obra daquela envergadura arrisca-nos a ter algumas surpresas”. No entanto, a equipa garante ter outras iniciativas preparadas caso surjam imprevistos.
A estratégia de angariação passou por separar públicos. “Nós convidámos empresas e temos particulares que estão seguramente disponíveis para dar isso ou mais. Mas quisemos separar os públicos, porque no nosso entendimento, o tecido empresarial quer uma comunicação específica, quer uma forma de interação própria”, justificou o coordenador.
Empresários unidos pelo património e pela memória
O jantar no Lisotel não foi apenas um momento de reconhecimento, mas também de apresentação e convívio. Suzel Lisboa, também membro da equipa dinamizadora, sublinhou que “um dos nossos principais objetivos é criar um ambiente mais próximo e descontraído, promovendo o diálogo e o espírito de colaboração”.
Entre os empresários presentes, as motivações eram claras. Diamantina, empresária das Barradas, nascida e batizada em Amor, explicou: “gostamos que o património se mantenha nas devidas condições. Se quem está à frente na organização acha que a igreja precisa ter manutenção profunda, eu acho que sim, devemos ajudar e se ajudamos todos muito menos custa”.
Sebastião Fartaria, empresário imobiliário, nascido em França, mas residente em Amor há 32 anos, partilhou: “temos boas recordações da igreja: o batizado da nossa filha, por exemplo, alguns casamentos da família. É uma forma de conservar o património que os antepassados, com tanto sacrifício, fizeram para nos deixar”.
Um tecido empresarial robusto
Os números apresentados por Ramiro Santos revelam a força económica das empresas apoiantes. “Estas empresas, no seu conjunto, empregam 524 pessoas, geram um volume de negócios superior a 105 milhões de euros e exportam 45% da sua faturação”, afirmou, descrevendo-os como “números impressionantes, que revelam a força, a resiliência e o dinamismo do nosso tecido empresarial”.
A maioria das empresas tem atividade em Amor, embora muitas estejam sediadas nas freguesias vizinhas de Marrazes, Barosa, Regueira de Pontes e Ortigosa. Apenas uma empresa se situa fora do concelho de Leiria. “Infelizmente, muitas empresas continuam a instalar-se ou a deslocar-se para freguesias vizinhas. Uma realidade que exige reflexão e medidas concretas para melhorar as acessibilidades e zonas industriais”, observou Ramiro Santos.
Uma experiência que se repete
Esta não é a primeira vez que Ramiro Santos coordena obras na igreja. Em 2005-2006, a convite do então pároco, conduziu o restauro das talhas douradas, numa intervenção que custou entre 120 e 125 mil euros. “Pensava que tinha dado aquele apoio em 2007, que era um apoio para a vida, que não voltava a fazer isso”, confessou, acrescentando que “na altura conseguimos da DGAL umas verbas significativas a fundo perdido, que nos ajudou, porque a igreja também não tinha dinheiro”.
Quando foi novamente desafiado, Ramiro admitiu: “eu não percebo nada de obras, não percebo no sentido técnico”. Mas a sua experiência anterior em mobilização de recursos e coordenação foi decisiva. “Estou muito contente de termos chegado aqui, e com a resposta que estamos a ter dos empresários e das pessoas que estão ligadas às operações”, celebrou.
Um projeto sem contrapartidas
A abordagem foi direta e pessoal. “Ligámos, marcámos uma reunião e fomos visitá-los um a um. Claro que isso teve um custo de tempo enorme”, relatou Ramiro Santos, explicando que todos os presentes no jantar já tinham feito o seu contributo antes do evento.
A equipa optou por não oferecer contrapartidas publicitárias. “No nosso entendimento, os canais de comunicação para as empresas, uma empresa que comunica bem com o mercado, tem os seus mercados onde vai comunicar”, justificou Ramiro Santos. “Não temos aqui contrapartidas publicitárias. Eles contribuem porque é viver a Igreja, porque é património da freguesia, e é um local de interesse público, até pela própria arquitetura da igreja, pela antiguidade da igreja, e por ser memória para muitos empresários”.
Diocese acompanha e autoriza
A Diocese de Leiria-Fátima acompanhou o processo desde o início. “A Diocese identificou quais são as áreas de intervenção, fez as recomendações, sugeriu até algumas empresas para poderem contribuir ou executar a obra”, explicou Ramiro Santos, acrescentando que a paróquia já recebeu “o despacho ou o documento que autoriza a paróquia a poder executar essa obra”.
O responsável do Departamento Diocesano do Património Cultural, Marco Daniel duarte, visitou o local e partilhou recomendações técnicas com a equipa coordenadora.
Pároco chegou com processo em andamento
O pároco José Henrique Pedrosa assumiu a paróquia quando o projeto já estava em curso. “Quando entrei para a paróquia, pouco depois informaram-me de tudo aquilo que eram os processos que havia para avançar e também este processo de restauro da igreja paroquial”, contou. Os processos de licenças já estavam avançados e o contrato com a Câmara estabelecido, tendo apenas de assiná-lo.
Sobre a equipa coordenadora, o pároco foi claro: “A equipa está com vontade, está determinada e está a avançar agora nesta fase concretamente em que as obras estão para dar início”. A equipa foi constituída a partir da comissão administrativa da igreja de Amor, que sofreu renovação, mas manteve os elementos dedicados a este projeto específico.
Obras já arrancaram, missas vão ser transferidas
Algumas intervenções preliminares já começaram. “Já recuperaram um pilar. Já andaram ali com algumas pequenas coisas”, confirmou Ramiro Santos, admitindo que as obras “já deveriam ter começado” em profundidade, mas que isso acontecerá “a qualquer momento”.
O plano prevê que as celebrações sejam transferidas durante as intervenções. “Vai haver um período em que vai haver intervenções na parte sul da igreja, a entrada da porta lateral, e as celebrações vão-se fazer só ao norte. Quando houver intervenção ao norte, aí sim vamos ter que encontrar uma solução diferente”, explicou o coordenador, reconhecendo que essa solução alternativa ainda não foi discutida.
Presidente da Câmara: “Quem não preserva o património não preserva a identidade”
Gonçalo Lopes, presidente da Câmara Municipal de Leiria, esteve presente no jantar e destacou a importância da iniciativa. “Em 2030 faz 400 anos, um bocadinho mais velho do que nós, não é? E são poucas as igrejas com tanta idade no concelho e, portanto, quem não preserva o património histórico não preserva a nossa identidade”, afirmou.
O autarca sublinhou o valor do processo coletivo: “Às vezes não é só a obra que é importante, o que é importante é o processo para alcançar a obra, que é isto que está aqui a ser feito hoje, que é fazer comunidade”. Gonçalo Lopes elogiou também o gesto de agradecimento: “Não foram só pedir o apoio, mas hoje estão a agradecer esse apoio. Isso é um gesto muito bonito e que às vezes as pessoas esquecem de agradecer”.
“Desempenhar bem a missão como empresário é corresponder ao convite de Deus”
No seu discurso final, o padre José Henrique evocou o Papa Francisco e a encíclica ‘Laudato si’ para enquadrar o papel dos empresários. “Desempenhar bem a missão como empresário é corresponder ao convite de Deus para guardar e cuidar deste mundo”, afirmou, sublinhando que “o vosso trabalho é muito importante. Podem sentir que aquilo que é o vosso trabalho é também continuar esta missão que Deus confiou à humanidade”.
O pároco destacou ainda a dimensão social do empreendedorismo: “O desenvolvimento económico traz desenvolvimento social, desenvolvimento cultural”. Citando novamente o Papa Francisco, lembrou que a atividade empresarial pode ser “uma nobre vocação orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos”.
Relativamente à preservação do património, padre José Henrique foi claro: “Somos herdeiros de tudo aquilo que os nossos antepassados nos deixaram. Hoje nós temos tantas coisas porque a humanidade, durante tantos e tantos anos, milhares de anos, foi fazendo todo esse caminho de progresso”. E concluiu: “Se nós imaginarmos perdermos a nossa memória, o que é que fica de nós? E nós queremos deixar Amor com essa memória”.
Agradecimento especial ao Lisotel
Tanto Ramiro Santos como o padre José Henrique destacaram a generosidade do Lisotel, na pessoa da Simone Cordeiro, por ter oferecido o jantar. “O seu gesto amplia ainda mais o espírito de partilha e reforça o valor da união em torno desta causa”, afirmou Ramiro Santos.
A coordenação das obras está a cargo de uma comissão de quatro elementos: Ramiro Santos, Carlos Cruz, Lurdes e Suzel Lisboa. A acabar, ompároco quis fazer um último agradecimento: “Obrigado, Ramiro, Carlos, Lurdes e Suzel, pelo vosso entusiasmo, por esta vontade de concretizarmos este projeto”.
A Igreja Matriz de Amor, prestes a completar 395 anos de existência, prepara-se assim para uma nova vida, sustentada pela união da comunidade, pelo compromisso dos empresários locais e pela determinação de preservar a memória e a identidade de uma freguesia.