Homilia da Ordenação de Rui Ruivo

NAS TUAS MÃOS ESTÁ A MINHA VIDA

Nós Te louvamos, ó Deus; nós Te bendizemos, Senhor! – é a exclamação de louvor que brota espontaneamente do meu coração de bispo neste dia da ordenação dum novo presbítero para a nossa querida diocese.

O dia tão esperado

Chegou finalmente o dia tão esperado por ti, caro Rui, com tanta emoção e alegria; e, de igual modo, esperado também pelos teus caros familiares e amigos, pelos seminários e pelos padres que te acompanharam e apoiaram, pelo nosso presbitério, pelas paróquias de origem e de estágio pastoral, por toda a comunidade diocesana. A todos, particularmente a ti, caro Rui e aos teus familiares, saúdo, de todo o coração. Com todos me congratulo porque a festa é de todos nós. A vossa participação tão numerosa é um sinal claro de que o povo de Deus sente a necessidade de sacerdotes, deseja-os, estima-os, reza por eles, está-lhes grato pela sua missão.

O sacramento da Ordem que vais receber toca profundamente o teu coração; mas também toca profundamente a todos nós como Igreja. É sinal do infinito amor de Deus por nós, seu povo, e pela humanidade.

Na carta que me escreveste a acompanhar o convite para a tua ordenação dizes, com palavras tocantes, a tua vontade de responder totalmente à voz de Cristo que te chama a servir a Igreja. E manifestas também a consciência dos limites próprios de ser criatura que te leva a interrogar: “Será que as minhas mãos vão fazer sempre o bem?”. Esta interrogação ofereceu-me o mote para a homilia: “Nas tuas mãos, Senhor, está a minha vida”. Contemplemos pois algo da beleza deste mistério que nos envolve e supera, deixando-nos iluminar pela Palavra de Deus proclamada e pelos gestos próprios desta celebração.

Nas tuas mãos, Senhor, está a minha vida

O rito da Ordenação começou com o chamamento do candidato que respondeu: “Presente”. Expressa o sim definitivo que resume todo um percurso existencial para responder ao chamamento de Deus através da Igreja: eis-me aqui, estou pronto para que possas dispor de mim. Um sim que vai ser ratificado pelo gesto impressionante e comovente da prostração por terra como sinal do despojamento total e da dádiva inteira de si mesmo ao Senhor, sem reservas, sem condições, sem cálculos. Um gesto insólito que não encontramos em nenhuma investidura ou tomada de posse de algum cargo social.

A este gesto de entrega, o Senhor responde com um outro que está no centro da celebração: o da imposição das mãos do bispo e dos presbíteros sobre a cabeça do ordinando, seguido pela oração de consagração. Com este gesto, o Senhor toma posse dele como que dizendo-lhe: “Tu pertences-me. Tu estás sob a proteção das minhas mãos, do meu coração, do teto imenso do meu amor para eu te enviar na força do Espírito Santo”.

Não esqueças, caro Rui: a tua vida está nas suas mãos. São as mãos que os discípulos puderam ver abertas e trespassadas na cruz. São as mãos que Cristo mostrou aos seus apóstolos após a ressurreição e que Tomé queria tocar. São as mãos que partiram o pão e tomaram o cálice na última ceia; que lavaram os pés sujos dos doze apóstolos; que agarraram Pedro quando se afundava nas águas do lago; que levantaram a filha de Jairo já sem vida; que tocaram e curaram o leproso descartado por todos; que se estenderam sobre as crianças para as abençoar.

A estas mãos a Igreja confia hoje este candidato para que, com a força do Espírito Santo, façam dele ministro de Cristo ao serviço da sua Igreja e da humanidade.

Mas lembremo-nos de que, por detrás das mãos trespassadas de Cristo, está o seu coração com todo o mistério de amor entregue até à cruz. Por isso, o significado da imposição das mãos é iluminado pelo dom deste amor que Jesus deixou como testamento na última ceia: “Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão que sois meus discípulos”. Os apóstolos, tal como Paulo e Barnabé, são chamados ao ministério especial de dar testemunho do amor paterno e materno de Deus, de o servir para edificar e animar comunidades de discípulos que vivam e irradiem o amor fraterno.

Para isso, o Senhor confia aos apóstolos uma missão específica; confia-se a si mesmo de tal modo que possamos falar e agir em seu nome, na sua pessoa. Os sinais da Ordenação são manifestações desta missão: a imposição das mãos com o dom do Espírito; a entrega do Evangelho, já realizada no diaconado, isto é, para proclamar a sua Palavra; a entrega do pão e do cálice com vinho para celebrar o mistério da sua presença e comunhão connosco na eucaristia ; a unção das mãos com o óleo que é sinal da força e do perfume da consolação do Espírito Santo.

Este gesto da “unção” das mãos sobressai enquanto complementar ao da “imposição” das mãos. O Senhor primeiro impõe-nos as mãos; e agora quer as nossas mãos – as tuas mãos – para que no mundo se tornem a extensão das suas, pondo-as ao serviço do seu amor e da sua misericórdia. Se as mãos do homem representam, simbolicamente, as suas faculdades de relação, comunicação e ação, então as mãos ungidas do sacerdote devem ser um sinal da sua capacidade de dar e levar aos homens os dons da misericórdia, do perdão, da reconciliação, da comunhão fraterna, da consolação, da paz e da alegria oferecidos por Deus.

2018-04-24 ordena rui

Nas tuas mãos de sacerdote a vida de muitos

Uma última palavra dirigida ao ordinando. A tua vida, a partir de hoje, está a um novo título nas mãos de Deus, nas mãos de Cristo crucificado e ressuscitado. Mas de ora em diante, em virtude do teu ministério presbiteral, também as vidas de muitas pessoas estarão nas tuas mãos, ou melhor, nas mãos de Cristo através das tuas.

Dar-te-ás conta de que muitos irmãos e irmãs, por causa do sacramento que hoje recebes, te confiarão a sua vida, te abrirão o seu coração, partilharão contigo os seus sofrimentos e alegrias, confessarão os próprios pecados. As tuas mãos erguer-se-ão sobre eles para abençoar, batizar, ungir, absolver, confortar, levantar. Nas tuas mãos o pão da Eucaristia tornar-se-á Corpo de Cristo, Pão de vida eterna, mistério admirável e adorável da nossa fé!

Muitas vezes, as tuas mãos apertarão outras em sinal de amizade e de paz. Oxalá possam fazer sentir o calor da caridade, a compaixão da misericórdia, a alegria da redenção. Oxalá os outros possam ver, por detrás das tuas mãos, o teu coração de pastor moldado segundo o coração de Jesus.

Caros amigos, através da simbólica das mãos pudemos contemplar um pouco da beleza do sacerdócio como um reflexo da beleza do Amor Eterno que sustenta e salva o mundo e como um serviço para a beleza espiritual das almas e dos corações.

Que grande confiança Jesus Cristo e os fiéis põem no sacerdote! Que grande responsabilidade pesa sobre ele tão humano e tão frágil! Conforta-nos a advertência de S. Paulo: “Nós trazemos em vasos de barro o tesouro do nosso ministério, para que se conheça que um poder tão sublime vem de Deus e não de nós”.

Por isso mesmo, o dom do sacerdócio requer uma grandeza daqueles que o recebem: a grandeza da humildade e da fidelidade no ministério, a partir da intimidade com Cristo que nos dá a mão que nos sustém e guia; e a partir da fraternidade com os irmãos padres e fiéis leigos que nos oferecem o apoio e o calor humano para vivermos com coragem e alegria o nosso ministério.

Caro Rui, escolheste como lema do teu ministério a palavra de Cristo: “Eis a tua Mãe”. Com isso afirmas que a queres acolher como dom de Cristo ao discípulo amado, tua protetora e intercessora pelo teu sacerdócio. Que esta Mãe amorosa e cheia de ternura te acompanhe no caminho do ministério, te defenda de todo o mal, te guarde na paz e te confirme na alegria da doação a Cristo e aos irmãos. Coragem! Não tenhas medo!

Leiria, 19 de maio de 2019

† Cardeal António Marto, Bispo de Leiria-Fátima


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