Encontro vicarial da Marinha Grande: “Hoje não há menos diálogo inter-geracional”

Cerca de 250 pessoas lotaram por completo o Teatro Cibra, em Pataias Gare, no passado dia 30 de janeiro, no encontro que juntou a vigararia da Marinha Grande em torno do tema “Família e Identidades Pessoais (Relações inter-geracionais)”.

Após a oração e a meditação do Bispo diocesano sobre a importância da família na missão evangelizadora e social da Igreja, o primeiro contributo para o debate veio da reflexão feita nas semanas anteriores nas comunidades da própria vigararia. Três questões abordadas resultaram noutras tantas “ideias-força” e num vasto elenco de pistas para retratar a realidade e melhorar o diálogo em família.

Quanto à avaliação dessa realidade, indicava-se que “apesar dos sinais de dificuldades e obstáculos que se manifestam em muitas famílias, da falta de tempo para uma relação mais aberta, preenchido com atividades que não facilitam a comunicação, existe também uma realidade salutar de diálogo inter-geracional, especialmente nos casos em que os avós acompanham com maior proximidade os netos, devido à atividade profissional dos pais, mas que se dilui e enfraquece com a entrada na pré-adolescência, adolescência e juventude”.

Questionados sobre as dificuldades atuais, os grupos de reflexão concluíram que “o excesso de atividade, tanto dos pais como dos filhos, associado ao culto do ter e do usufruir torna o diálogo superficial e enfraquece os laços”, enquanto “a ausência de vida espiritual cria um ambiente favorável para as consequências se agravarem, diminuindo o respeito, a entre-ajuda, o sentido da fé, a responsabilidade, a fidelidade”. Para superar estes entraves, há que encontrar “decisões e iniciativas pequenas e simples” para reforçar os laços familiares e “focar a atenção no fim pretendido” para estimular o surgimento dessas e de outras iniciativas.

Uma última pergunta referia-se às novas situações de famílias não tradicionais. “Nenhuma das sínteses mencionou ou sugeriu a ideia de ‘julgamento’, em todas estiveram presentes conceitos de acolhimento, compreensão, entendimento, perdão, promoção do diálogo, encontro, confraternização, aceitação, abertura, respeito, oração, amor”, referia a conclusão.

 

Novos desafios, novas respostas

Convidado para falar nesta sessão, Juan Ambrosio, da Universidade Católica, começou por reforçar a meditação inicial de D. António Marto: “A família cristã não deve procurar viver ‘apesar’ das contrariedades do mundo, mas sim procurar a voz de Deus precisamente no coração do mundo e nas suas vicissitudes”. Nesse contexto, desmontou a afirmação comum de que há menos diálogo nas famílias do que há alguns anos. “Não estou nada convencido disso”, considerou, referindo que “poderá haver menos tempo em comum, mas mais intensidade nas relações e novas formas na sua concretização”, por exemplo, pelo uso das novas tecnologias para esse encontro.

Numa exposição mais sistemática sobre o tema, o orador demonstrou como num contexto social de “menos crianças e mais idosos”, a família continua a ser “uma realidade fundamental para o desenvolvimento das crianças, dos adultos e dos idosos”, devendo procurar caminhos que contrariem a tendência de “segmentarização da sociedade”. As relações de proximidade, de contacto, de afetividade e de amor entre as pessoas de diversas gerações são a resposta a esse desígnio e o “segredo da construção equilibrada do indivíduo, da família, da sociedade e da própria comunidade crente”.

 

Procura de sentido

A primeira experiência que se vive nessa relação é a de “ser acolhido e reconhecido como humano, ser amado e amar, ser ajudado no processo de crescimento rumo à autonomia”. É também na família que se recebem “as aprendizagens mais decisivas”, desde as noções básicas de corporeidade, de espaço e de tempo, ao exercício da memória e das “linguagens” de relação, cuidado e dom ao outro humano e ao Transcendente. Isto porque “a identidade pessoal edifica-se na relação de um ‘eu’ com um ‘tu’ que descobrem um ‘nós’ em conjunto”, lembrou Juan Ambrosio.

Mas “o nível mais fundo de toda a atividade humana é a pergunta pelo sentido”, considerou o professor, desde o sentido de si mesmo até ao da vida que “precisa de um significado, uma orientação, um valor”. Só descobrindo o seu sentido, tarefa que se realiza plenamente também na relação familiar, o ser humano acrescenta ao biológico “uma dimensão que lhe permite avaliar toda a existência percebendo o valor que ela tem, ajudando-o a procurar o caminho da realização e da felicidade”, ao mesmo tempo que o leva a “abrir-se ao mistério de Deus”.

Por fim, algumas “pistas para um caminhar”. É nas relações inter-geracionais que se aprende a “olhar e discernir” o que é verdadeiramente importante, a encarar a velhice como “uma das fases belas e boas da vida, sabendo prestar os serviços que estão ao alcance e a aceitar os necessários”, a “comungar e partilhar” ideais, alegrias e tristezas, certezas e dúvidas, a oração e a própria refeição como “ocasião privilegiada para concretizar o corpo familiar”.

E foi em refeição de convívio que terminou a noite, sentindo-se ainda o eco da citação da carta pastoral de D. António Marto, “A beleza e a alegria de viver em família”, com que Juan Ambrosio terminou a sua apresentação: “A família é a comunidade onde cada ser humano, em primeiro lugar, descobre e realiza a sua natureza relacional; o lugar privilegiado onde aprende a receber e a dar amor. […] Esta comunhão requer o contributo de todos os membros, de cada um segundo o dom que lhe é peculiar e na sua função específica. Para isso, há que apostar sobretudo na qualidade da presença, da relação, do diálogo, da participação, da cooperação e do serviço recíprocos. A união familiar não se faz na fotografia!…”.

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