Em memória do padre Manuel Janeiro

É com imensa gratidão que fazemos memória do dom que foi a vida deste nosso irmão Manuel Janeiro.

[Nota do editor: este texto foi lido na missa exequial do padre Manuel Janeiro, presidida pelo Senhor D. José Ornelas, no sábado, dia 14 de setembro, às 11h00, na igreja paroquial de Ribeira do Fárrio. O autor, que privou com o sacerdote durante muitos anos, quis partilhá-lo também como forma de homenagem ao amigo que partiu para a Casa do Pai e deixar memória viva do presbítero que, mesmo longe da Diocese natal, manteve sempre com ela os seus laços afetivos.]

Neste momento em que a fé nos permite celebrar a morte na esperança do reencontro, é com imensa gratidão que fazemos memória do dom que foi a vida deste nosso irmão Manuel Janeiro. Tomo a liberdade, e a ousadia, de deixar este breve testemunho em nome de paroquianos, amigos e colegas que, na Alemanha, conviveram com o nosso querido padre Janeiro.

Depois de ter estudado em Roma e de ter sido professor no seminário de Leiria, o padre Manuel Janeiro foi enviado para a Alemanha, pelo seu bispo, para prosseguir os estudos. Foi residir na cidade de Constança, onde se matriculou na universidade local e aí fez os seus estudos para doutoramento em Sociologia. Numa carta que o arcebispo de Freiburg escreveu por ocasião da sua passagem a emérito, afirmou: “Foi um golpe de sorte para a nossa arquidiocese o facto de o padre Janeiro ter sido enviado pelo seu bispo, em 1971, para estudar Sociologia na Universidade de Constança.”

Durante os seus estudos, o padre Janeiro conheceu muitas famílias portuguesas, imigrantes, que tinham vindo para Singen, uma cidade próxima de Constança, em busca de trabalho. Juntamente com o padre Gebhard Reichert, criou a Missão Católica Portuguesa de Singen, com sede na igreja do Sagrado Coração de Jesus. Em 1978, foi nomeado oficialmente diretor desta missão e pároco dos portugueses que viviam em toda aquela região.

Para inúmeros portugueses, a presença e a ação pastoral do padre Janeiro foram uma preciosa ajuda. Organizou estruturas para a pastoral da paróquia, desenvolveu atividades, atendia todos os que o procuravam e, sobretudo, estava próximo das pessoas. Tínhamos tudo o que poderia ter qualquer outra paróquia na Alemanha ou em Portugal. O seu dinamismo e o seu desejo de fortalecer a fé dos que ali viviam levavam-no a ter muitas iniciativas. Manuel Janeiro foi um padre e pastor com todo o coração. A sua relação de pastor facilmente se tornava numa relação de amizade. Algumas famílias da sua comunidade tornaram-se também família para ele.

Apesar da sua elevada formação académica e dos seus estudos em Sociologia, nunca deixou de ser uma pessoa simples, modesta e acessível. Foi nomeado monsenhor, mas para ele isso nunca foi importante. Foi distinguido com um título honorífico na Igreja alemã (Geistlicher Rat), mas tentou que isso nunca fosse publicitado. Queria ser, sobretudo, alguém próximo, estar presente nas dificuldades das pessoas, ajudar no que podia, contribuir para que os membros da sua comunidade vivessem uma fé sólida e esclarecida.

Procurava que os seus estudos e investigações académicas fossem centrados nos problemas reais das pessoas e nos desafios do quotidiano. Era um pároco dedicado à ação pastoral e à celebração da liturgia, mas também um conselheiro compreensivo e um confidente, para crentes e não crentes. Exercia a sua missão de padre, mas também trabalhava como assistente social, como educador, como professor. Queria alimentar a fé dos que ali viviam, mas também se empenhava para que tivessem mais formação, para abrir os seus horizontes culturais, para poderem ter melhores condições de vida, para conseguirem lutar pelos seus direitos.

Em 1991, mantendo a sua responsabilidade na Missão de Singen, foi nomeado pela Conferência Episcopal Alemã, delegado para todas as missões católicas de língua portuguesa na Alemanha. Exerceu estas funções durante 25 anos. Coordenou todos os padres e agentes pastorais destas missões, organizava as atividades a nível nacional, mediava as relações entre os padres portugueses e as dioceses alemãs. Era notável a sua especial dedicação a ajudar os colegas, não só nos assuntos oficiais, mas também nas dificuldades pessoais de cada um. Com frequência, viajava muitas centenas de quilómetros para acompanhar algum colega em dificuldade, para o ajudar a integrar-se ou, simplesmente, para celebrar algum momento especialmente festivo. Para ele, um colega era sempre alguém a quem se abriam as portas e que se ajudava.

Em 2018, passou à situação de emérito e continuou a viver em Singen até 2020. Durante a pandemia, e porque necessitava já de cuidados de saúde, foi viver para casa de uma família, em Villingen, com quem tinha feito amizade há 50 anos. Aqui viveu até falecer. Os últimos anos foram de intenso sofrimento, com diversas patologias e idas frequentes ao hospital. Muito debilitado pela doença, necessitava constantemente de ajuda. Nesta fase, foi cuidado e acompanhado permanentemente pela senhora Ellen Riester, aqui também presente. Alguns de nós fomos testemunhas da sua dedicação extrema, do seu serviço incansável, da sua fé firme que apoiava o padre Janeiro nos momentos de maior desânimo. Como amigos do padre Janeiro, agradecemos de todo o coração à senhora Ellen Riester todo o bem que ela fez, muito do qual só Deus conhece. O Senhor a recompense.

Depois de um período muito árduo, o padre Manuel Janeiro faleceu no dia 4 de setembro, pelas 23h, no hospital onde estava internado. Estava acompanhado pela senhora Riester e viveu os últimos instantes com serenidade.

Apesar dos muitos anos que passou na Alemanha, o padre Janeiro manteve-se ligado à sua terra natal. Era seu desejo ser sepultado junto da família.

Alguns dias antes de falecer, tinha telefonado a um amigo a dizer que queria vir a Portugal para fazer um almoço de festa com todos os amigos e familiares, para celebrar a vida. “Gosto tanto de viver”, dizia com frequência.

Sabemos, pela fé, que está na plenitude dessa vida que tanto desejava. Certamente com o humor, que também o caracterizava.

Na memória dos que com ele conviveram, fica a imagem de um sacerdote dedicado, de um amigo próximo, de uma pessoa autêntica, de alguém que saboreava a vida, que contagiava com a sua boa disposição. Gostava de viver e transmitia alegria em viver.

Na sua comunidade, em Singen, é viva a recordação da forma como o padre Janeiro levou muitos a viver a fé em Jesus. Nos seus amigos, fica a memória de um homem bom, cuja amizade nos fazia lembrar o amor incondicional de Deus. Passou entre nós a fazer o bem e permanece no coração de muitas pessoas que o conheceram e trabalharam com ele.

Louvado seja Deus por nos ter dado o padre Manuel Janeiro.

Partilhar

Leia esta e outras notícias na...

Receba as notícias no seu email
em tempo real

Pode escolher quais as notícias que quer receber: destaques, da sua paróquia

plugins premium WordPress