Em jeito de diário de bordo: Por uma fé viva além-fronteiras

Este é mais um testemunho da peregrinação da paróquia de Monte Redondo à Venezuela.

[Nota do editor] Este é mais um testemunho da peregrinação da paróquia de Monte Redondo à Venezuela. A viagem surgiu como continuidade da experiência de acolhimento de peregrinos venezuelanos naquela comunidade, antes da Jornada Mundial da Juventude de 2023, conforme já relatado no nosso artigo anterior publicado em setembro (http://lefa.pt/?p=58937).

23 de agosto de 2024, 21h00, Monte Redondo. Embarcávamos numa das maiores aventuras da nossa vida. Voámos rumo à Venezuela, em peregrinação, um grupo de dez portugueses acompanhados por uma imagem peregrina do Santuário de Nossa Senhora de Fátima.

Se recuássemos no tempo um ano e meio, encontraríamos Monte Redondo de portas abertas a cerca de 160 peregrinos venezuelanos que se preparavam para partilhar as pré-jornadas, a semana antes da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa, com a nossa comunidade. Bastaram poucos dias para entender a importância que a vinda destes jovens teve e continua a ter para a nossa comunidade, especialmente para as famílias de acolhimento. Para recordarmos um pouco esse momento… Muitos traziam consigo poucos ou nenhuns bens, nem mesmo aqueles que para qualquer jovem são considerados essenciais. Mas as suas malas vinham carregadas. Traziam a história, a cultura, o amor, a vontade de partilhar, de celebrar, de abraçar. Traziam a alegria da sua Igreja, a fé de um povo para quem estar em Portugal, prestes a viver o espírito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), era um sonho que implicava grande sacrifício e coragem.

As diferenças que inicialmente pareciam tremendas foram rapidamente substituídas pelo desejo de reencontro. “Vamos voltar a ver-nos em breve, agora temos uma família aqui”, diziam na hora da despedida. E não podiam estar mais certos.

Nós não estávamos assim tanto. Numa altura em que o clima de incerteza e instabilidade política reinava, e ainda reina, na Venezuela, os medos pelos riscos reais e hipotéticos cresciam. A incerteza aumentava. Debatemos se deveríamos ir e procurámos responder à pergunta da verdadeira razão pela qual iríamos fazer esta viagem. Sabíamos que não íamos para um país com o conforto do nosso, sabíamos que não íamos para um país seguro como o nosso… Chegámos a poucas conclusões, mas fizemos as malas e…

Um ano depois da JMJ, lá estávamos nós, prestes a viver dezoito dias em peregrinação pela Venezuela. Depois de uma noite de viagem até Madrid, voámos cerca de nove horas até que finalmente aterramos no aeroporto de Maiquetía, estado de La Guaira, próximo de Caracas. A verdade é que preparámos esta viagem com bastante antecedência. Tomámos todas as precauções necessárias, todas as vacinas, profilaxias, seguros… Viajámos com uma mala de primeiros socorros, snacks de reforço alimentar, redes mosquiteiras, repelentes, medicamentos para todas as eventualidades, roupa para todos os climas. Mas a verdade é que não estávamos preparados (não tínhamos como) para o que nos esperava.

24 de agosto de 2024, Caracas, Venezuela. Fomos recebidos em romaria! As pessoas tinham saído à rua para olhar, rezar, pedir, agradecer a Nossa Senhora. Queriam saber quem eram os peregrinos que se atreviam, neste gesto de generosidade para com a sua gente, a sair do seu conforto para lhes trazer a Esperança. Terminámos o primeiro dia na Catedral de Santa Teresa, no centro de Caracas. Não dormíamos há cerca de trinta e seis horas. Lembro-me de pensar que não aguentaríamos estar ali. O corpo estaria, certamente, mas só isso. Estava enganada! Centenas de pessoas tinham vindo partilhar este momento. Queriam abraçar-nos, tirar uma fotografia de recordação deste evento histórico que foi uma imagem peregrina viajar junto do povo venezuelano, ser-lhes permitida esta bênção, como nos confidenciavam. Afinal, não havia como não manter o coração alerta para tudo o que nos rodeava e, por isso, abraçámos e fomos abraçados, rimos muito e também chorámos. Chorámos de felicidade, de emoção (nossa e daquela gente), de perplexidade. Dançámos (nas eucaristias). Jantámos “em família” e cantámos músicas típicas portuguesas como agradecimento pela refeição. Fomos dormir, acabava o primeiro dia… Partíamos em cerca de três horas para a próxima paragem…

Era só o primeiro dia e o que estávamos a viver já era muito maior do que nós. Sabíamos pouco ou mesmo nada (para dizer a verdade) sobre o que se passaria nos próximos dias, mas já tínhamos a resposta à pergunta do porquê de estarmos ali.

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Estávamos ali por aquele povo que vivia uma fase da sua história em que no dia a dia lhes restava pouco mais do que a Esperança de que viveriam melhor ou pelo menos em paz. No conforto das nossas casas, onde não nos falta comida, luz ou água. No conforto da nossa comunidade, onde todas as nossas crianças, que têm o que vestir e calçar, se debatem em lágrimas pela última inovação tecnológica, pode-nos parecer que, na verdade, perante as suas tremendas necessidades de tudo, não fizemos nada (de especial) por este povo. Pois bem, os mais observadores aprenderam que, para eles, o mais importante foi alguém querer visitar as suas casas, conhecê-los. Esta viagem ensinou-nos que eles não querem que façam por eles, só querem ter a liberdade de se libertarem por si próprios.

De Caracas seguimos viagem. Connosco viajaram quinze peregrinos jovens venezuelanos e, juntos, percorremos doze dos vinte e três estados deste país infindável. Foram quilómetros e quilómetros entre: Caracas, Miranda, Apure, Anzoátegui, Bolívar, La Guaira, Mérida, Zulia, Falcón, Carabobo, Lara e Portuguesa. Viajámos, maioritariamente, durante a noite, em viagens que variavam entre quatro a seis, a doze ou a catorze horas. Fomos parados inúmeras vezes em locais de revista obrigatória pela polícia nacional. Visitámos dezenas de cidades e, em cada uma, incontáveis paróquias. Celebrámos a alegria de quem nos recebia em cada paróquia como se fosse, também para nós, a primeira paragem. Percorremos a sua beleza, conhecemos as suas entranhas e fragilidades. Visitámos comunidades indígenas onde, entre abraços com as crianças, escutávamos com o coração pedidos para que regressássemos. Fomos confrontados com a discrepância inimaginável entre classes sociais. Agradecemos o conforto das nossas casas enquanto pedíamos pelo conforto de uma cama para dormir ou uma casa de banho com as condições mínimas a que estamos acostumados.

Conhecemos as diferentes variações da cultura venezuelana. Fomos acolhidos com a generosidade e amor de quem acolhe a sua própria família. E vivemos tudo: dançámos as danças mais típicas, comemos muita cachapa, comemos ainda mais arepas. Rezámos para que o gelo fosse feito de água potável de cada vez que nos ofereciam uma bebida. Dormimos no chão, crentes de que nenhum “bicho” entraria pelas redes mosquiteiras. Agradecemos todos os dias podermos tomar um banho, mesmo que fosse de caneco e bidão, “como era antigamente”.

Monte Redondo: Por uma fé viva além-fronteiras

Fomos celebrar a JMJ, fomos ser jovens peregrinos do mundo como nos pediu o papa Francisco. Tal como Maria, e pondo em prática o lema da JMJ, “partimos apressadamente”. Dissemos que sim ao desafio da JMJ e dissemos que sim a esta missão. Fomos abraço e fomos abraçados. Dançámos e cantámos repetidamente, a cada nova procissão, a cada nova eucaristia, mesmo que fosse à uma hora e cinquenta minutos da manhã, as mesmas ou novas canções. Tirámos fotografias, muitas fotografias e mais fotografias, demos entrevistas e mais entrevistas, porque não sabíamos, mas esta peregrinação realizava-se num momento histórico. Fomos confidentes dos pedidos mais pessoais de um povo a Nossa Senhora, das súplicas, das promessas. Prometemos orar por eles, era o que mais nos pediam. Mas por que razão isto teve tanta importância para este povo? É difícil expressar, é difícil encontrar as palavras e…

A verdade é que, numa sociedade ocidental onde parece que ter fé e ser jovem são dois conceitos que se chocam numa aparente incompatibilidade em parte incompreensível, é difícil explicar a devoção de milhares de jovens, de milhares de pessoas, que inundaram as ruas de todas as dezenas de cidades por onde passámos para caminhar com a imagem peregrina, nem que fosse por dois minutos.

9 de setembro de 2024, voo Caracas-Madrid. Era hora de voltar. Trocámos abraços de conforto, de até já, de agradecimento e repetimos crentes: “Vamos voltar a ver-nos em breve, agora temos uma família aqui”. Afinal, a nossa viagem de reencontro e partilha com as amizades que consumámos nas JMJ tornou-se numa peregrinação com a nossa padroeira nacional a um país, a um povo que precisava mais do que nunca da mensagem de Nossa Senhora de Fátima. O sim ao desafio, o exemplo de prontidão e serviço.

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10 de setembro de 2024, de volta a casa. Já de regresso a Monte Redondo, fomos novamente recebidos em romaria. Desta vez pela nossa gente. As nossas famílias, as famílias de acolhimento das pré-jornadas e os amigos tinham vindo para nos abraçar pelo nosso regresso (obrigada!). Choraram de alívio por estarmos de volta. Estávamos cansados e com a sensação estranha de irrealidade pela forma volátil como tinham passado aqueles dias. Mas felizes, sobretudo por podermos contar histórias, partilhar memórias e responder a todas as perguntas daqueles que, afinal, também foram uma parte essencial desta peregrinação.

Hoje, um mês depois do nosso regresso, de volta às rotinas e banalidades quotidianas, fica a nostalgia de uma experiência transformadora, as saudades de todos os que se cruzaram connosco e, em especial, dos peregrinos venezuelanos com quem partilhámos esta missão. Somos mais gratos e conscientes do mundo em que vivemos e trouxemos a certeza de que podemos fazer a diferença nas pequenas coisas, na forma como cruzamos o caminho do outro e de que, por vezes, o amor que temos para dar supera o que o outro esperava receber.

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