EM BUSCA DA BELEZA QUE NÃO MORRE

Cai o pano sobre os últimos aleluias pascais, e logo a Igreja, esposa de Cristo e, como tal, mãe de todos os homens, aliás figurados no discípulo por cujo amor se morria naquele madeiro; o discípulo que estava junto á Cruz, como Maria, a Mulher que, além do mais, figurava precisamente esta Igreja, que, com o seu carinho materno, me diz que o mundo não é o que parece: para além da lama que o inimigo primordial lança sobre ele, está a beleza incriada de que nos falam os textos sagrados e que descobrem os olhos iluminados pelas luzes do Espírito.

Dizem, sobretudo os políticos e certos dirigentes sindicais, que é o Dia de Portugal. Extrema ironia da história: que o poeta que fez o Gama dizer “esta é a ditosa pátria minha amada”, e que em pleno centro do seu imortal poema, grita de amargura perante o desfasamento entre a cultura e a acção, que esse poeta, sem ser mencionado como devia, sirva de pretexto a uma festa nacional que tem todas as características das ruínas provocadas por esse desfasamento!

Continha talvez menos ironia a celebração do Dia de Portugal no 1º de Dezembro, como acontecia na minha juventude, ainda que, ao reflectir sobre o tema, me não parecesse razoável, primeiro, porque, já então, o aproveitamento político da data era claro, e, afinal, em 1640, o país apenas mudara de casa reinante, ficando dependente de outras potências, sem dúvida menos respeitadoras da nossa identidade.

Não. verdadeiramente, o Dia de Portugal tem de ser outra coisa; algo muito mais profundo e, por isso mesmo, muito menos espectacular.

Não pode ser pretexto para gritos e discursos inspirados no ódio: o ódio que me recuso a adjectivar, porque, venha donde vier, será sempre ódio e, como tal, indigno da identidade nacional; além de que, quando adjectivamos alguma coisa ou alguém, corremos o risco, mais real do que se quer ver, de nos pormos ao mesmo nível do que nos atrevemos a adjectivar.

Para mim, o Dia de Portugal será qualquer dia em que possa serenamente recordar o lar onde nasci e donde saí ainda adolescente, mas com a consciência viva da minha identidade; sem ter consciência disso, uma identidade caldeada numa cultura, certamente rudimentar, mas de tal modo cimentada na fé e no amor, que, pela vida fora sempre me ajudou a perceber que não amava a minha pátria se não nutrisse um profundo respeito pela pátria dos outros.

O Dia de Portugal com a sombra de Camões?

Porque não? Mas seria preciso que ele servisse para ajudar as novas gerações a deitar sobre a história da humanidade o olhar que, mau grado o véu da sua linguagem, goteja nas veias mais profundas de um poema que, apesar do seu título, fala de um povo que não se pode identificar com nenhuma entidade política ou territorialmente delimitada.

Dia de Portugal, com tanto ódio â mistura?

Só é possível num país profundamente alienado. Nunca em homenagem a um pensador e artista como Camões.

Foi por isso que aproveitei, ou pelo menos, tentei aproveitar o dia para comtemplar realidades mais inocentes, algumas visíveis e coloridas, como aquela multidão de crianças, a recordar os três pequeninos que receberam, na então inóspita serra de Aire, o recado da Senhora “mais brilhante que o sol”.

Mas confortei-me sobretudo com as invisíveis, ou que nada fazem para serem vistas: os milhões de almas boas que vivem totalmente entregue ao bem dos outros, os missionários, os mártires e os santos de todos os tempos.

É verdade! Sem condenar nada do que de bom o homem cria, com a ciência, que também é um dom de Deus, sinto muitas vezes necessidade de calar todos os instrumentos de comunicação com o exterior, para reencontrara a beleza das coisas, dos homens e dos acontecimentos.

E assim, vou também vendo mais claro como, de facto, Deus sempre cumpre o que promete, desde Adão ate aos nossos dias: pelo que disse com a palavra humano-divina de Jesus, e na exclamação do Apocalipse:

“O que estava sentado no trono afirmou: «Eu renovo todas as coisas.» E acrescentou: «Escreve, porque estas palavras são dignas de fé e verdadeiras.» E disse-me ainda: «É verdade! Eu sou o Alfa e o Ómega, o Princípio e o Fim.

Ao que tiver sede, Eu lhe darei a beber gratuitamente, da nascente da água da vida. O que vencer receberá estas coisas como herança; Eu serei o seu Deus e ele será meu filho»” (Apc 21, 7-11).

O Senhor também disse, certa ocasião, que a Sua linguagem significava muito para além das palavras que todos pronunciavam, porque o seu conteúdo real só era atingível pelos corações rectos, os olhos não fechados pelo véu da mentira.

Assim, soam-me com um novo sabor, mais profundo e actual, as palavras daquele grande sábio e santo que foi Agostinho de Hipona:

“Quão tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, quão tarde te amei!

Eis que estavas dentro de mim, e eu por fora, procurando-te nas coisas belas que criaste. Tu estavas comigo, e eu não estava contigo: mantinha-me longe de ti o que não existiria sem ti.

Chamaste, clamaste e rompeste a minha surdez. Brilhaste, cintilaste e afugentaste a minha cegueira.

Exalaste o perfume que respirei suspirando por ti. Saboreei-te e agora tenho fome e sede de ti. Tocaste-me e ardi no desejo da tua paz” (Confissões, X, 27.38).

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