Dei-lhes a tua palavra e o mundo odiou-os, por não serem do mundo, como Eu não sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. Eles não são do mundo, como Eu não sou do mundo (Jo 17, 14-15).
Chove, como desejávamos que chovesse há cerca de um mês.
Chove! Mas, como ouvia repetir em criança, precisamente a quem mais dependia do modo como se comportava o tempo, quem manda pode.
Não era pura resignação, mas acto de fé confiante: aquela fé que também levava repetir numa tonalidade poética, de hora a hora Deus melhora.
Poesia que, apesar de todos os pesares, respiro, quando abro a janela sobre o parque, onde a natureza verdejante dá ambiente e espaço para as aves cantarem as réstias de sol que as nuvens deixam de vez em quando, dar mais brilho ao verde das folhas viçosas.
É o mundo.
Não, não é o mundo: é o cosmos, a natureza, quando consegue escapar à maldade dos homens e salvar um pouco da beleza que lhe concede a bondade do Criador.
O mundo, nos textos bíblicos, é algo de muito mais complexo, e a liturgia desta quarta-feira fala-nos sobretudo no mudo pelo qual Jesus não quis orar, o mundo que O odeia e, consequentemente, odeia todos os que escutam com docilidade da palavra de Deus, anunciada por Ele: “Dei-lhes a tua palavra e o mundo odiou-os, por não serem do mundo, como Eu não sou do mundo”.
O mesmo Jesus, afirma antes, na sua oração ao Pai, informou os discípulos do que os esperava na sua condição de discípulos, para que eles tivessem em si mesmos a plenitude da sua alegria.
Leio e fico a pensar, como quem se interroga cheio de dúvidas, se realmente todos os que lêem estas palavras e outras com o mesmo conteúdo que encontramos disseminadas pelo Evangelho, as tomam verdadeiramente a sério.
Já sei. A santidade participada pelo homem, ou a “perfeição da caridade”, como lhe chama o último Concilio, vive-se como um mistério que, de si mesmo não faz espectáculo.
E também sei que, pela infinita Bondade de Deus, desde os primeiros que as ouviram, até aos nosso dias, muitos milhares, digamos mesmo milhões de pessoas as tomaram, tomam e tomarão a sério.
Mas acontece que também se lê hoje aquela belíssima cena de São Paulo despedindo-se da grande metrópole de Éfeso, que evangelizara durante três anos, com um total desprendimento, até daquilo que dizia a comunidade dever aos que a serviam, este Paulo, envolto numa saudade que só os corações grandes como o seu entendem, faz este aviso aos responsáveis da Igreja:
“Tende cuidado convosco e com todo o rebanho, do qual o Espírito Santo vos constituiu vigilantes para apascentardes a Igreja de Deus, que Ele adquiriu com o sangue do seu próprio Filho.
Eu sei que, depois da minha partida, se hão-de introduzir entre vós lobos devoradores que não pouparão o rebanho. De entre vós mesmos se hão-de erguer homens com palavras perversas, para arrastarem os discípulos atrás de si. Por isso, sede vigilantes.”
É impressionante o tom do discurso paulino, no esforço de fazer compreender aos guardas do rebanho, não por uma hipótese de assalto dos lobos, mas porque sabia, tinha a certeza de que eles viriam, aproveitando inclusivamente o facto de terem saído do meio das ovelha, para mais facilmente as devorarem.
Os factos seriam uma nova base para que o Discípulo Amado, o evangelista dos sinais, percebesse e ajudasse a perceber as palavras de Jesus, que fala do ódio do mundo, como tema do seu diálogo com o Pai. É como se Ele dissesse do cimo da Cruz: tudo está consumado! Agora é contigo, porque o ódio que provocou a minha morte e foi vencido por ela, tentará fazer o mesmo aos que me deste, e EU guardei para Ti.
Isto ninguém o pode alterar.
Por isso me espanta que às vezes se faça tanto esforço para tornar aceitável pelo mundo o que ele não quer aceitar, senão transformando em conquista o que só se alcança como dom. O que significaria o fim da Graça, a negação total de todo o mistério da Redenção.
Afinal, se Jesus quer que estejamos no undo sem sermos do mundo, não é para lhe agradarmos, nem muito menos o imitarmos.
É para lhe mostramos, com a nossa adesão a Jesus Cristo, individual e comunitariamente, como se ama de verdade: estar sempre de tal maneira comprometido com a vida, que se deixa morrer para não matar, seja qual for o sentido que queiramos dar aos dois termos.
O mundo, este que nos odeia porque estamos apaixonados por Cristo, que queremos seguir como o CAMINHO, a VERDADE e a VIDA, não precisa que o imitemos, mas que o espantemos com a nossa fidelidade. À semelhança do que aconteceu com Estêvão e Saulo.