Homilia proferida por D. António Marto na Eucaristia celebrada na casa episcopal no dia 29 de março de 2020 e transmitida pela internet. Nesta data far-se-ia peregrinação anual da Diocese a Fátima que foi cancelada por razões devidas ao estado de emergência que obrigou ao confinamento e à consequente suspensão de todas as actividades religiosas comunitárias.
Hoje e a esta hora deveríamos encontrar-nos reunidos em Fátima na nossa peregrinação diocesana. Em virtude da emergência sanitária não nos é possível. Todavia, mesmo estando em nossas casas, vivemos este momento em espírito de peregrinação e unidos espiritualmente como Igreja diocesana.
Não se peregrina só a pé e com os pés ou com a deslocação física. Também se peregrina com a mente e o coração, quer dizer, fazendo uma peregrinação interior na busca de luz e de verdade, de regeneração e de cura, de conforto espiritual e de paz, no encontro do peregrino consigo mesmo e com o mistério de Deus, para continuar a caminhar com a força da esperança! Nesta peregrinação interior temos presente o lema escolhido para este ano “Peregrinar ao encontro de Cristo com Maria e com Jacinta Marto”. Maria, Mãe de ternura, conduz-nos, como conduziu a santa Jacinta, ao amor de Jesus e à compaixão com quem sofre e mais necessita da consolação e da esperança de Deus, sobretudo neste tempo de incerteza e de angústia. Com o seu testemunho ajudam-nos a meditar a mensagem do evangelho de hoje.
O relato da restituição da vida a Lázaro, que sai do túmulo pelo poder da palavra de Jesus, não é apenas para narrar um facto maravilhoso, mas é sobretudo um sinal para revelar quem é Jesus para nós e para despertar a fé nele.
Eis como o prefácio da missa de hoje nos oferece a chave de leitura para compreender a notícia do choro de Jesus e do seu grito que chama Lázaro à vida: “Como verdadeiro homem, Ele chorou pelo seu amigo Lázaro; como Deus e Senhor da Vida ressuscitou-o do túmulo; compadecido da humanidade faz-nos passar da morte à vida mediante os seus sacramentos pascais”.
Em primeiro lugar é surpreendente e impressionante o choro de Jesus, a comoção que não reprime as lágrimas e os soluços e deixa aparecer plenamente a sua humanidade. Há lágrimas que é bom deixar correr, não para ficar atolado no sofrimento, mas para o partilhar e oferecer ao Senhor. Jesus partilha o nosso sofrimento, estremece de compaixão – comoveu-se profundamente, perturbou-se e chorou -, derrama as suas lágrimas carregadas de muito amor pessoal, concreto a Lázaro e a cada um de nós. As lágrimas são a linguagem do coração, são manifestação do amor solidário e não mera impotência da dor. Jesus chora por amor. As suas lágrimas são as nossas lágrimas, as lágrimas da humanidade face ao mistério do sofrimento e da morte. Lágrimas de oração que nos ensinam a rezar a partir da dor e do amor. Interroguemo-nos: acompanhamos esta singular hora de sofrimento e aflição com a oração e a compaixão com os que sofrem e com os que choram, os internados, os isolados, os que estão em quarentena, os mortos e seus familiares?
Em segundo lugar, Jesus oferece-nos a esperança de uma vida nova ao revelar à irmã de Lázaro, Marta, a sua própria identidade e missão: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em mim nunca morrerá. Acreditas nisto?” “Acredito, Senhor, que tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo”. Só depois desta confissão de fé por parte de Marta, é que Jesus brada em voz forte “Lázaro, sai para fora” do túmulo.
Aqui se apresenta o tema central da nossa fé cristã: Jesus, o Ressuscitado, é o Senhor da vida, que dá vida, vida nova, vida em abundância, vida eterna. É um acreditar, uma fé que nos abre ao dom da vida não só para além da morte, mas já agora, a partir do presente. Jesus não cessa de nos abrir ao dom da vida.
Jesus repete hoje a cada um de nós o chamamento à vida que dirigiu a Lázaro: Sai para fora; vem a mim e vive. Sim, todos trazemos em nós um Lázaro à espera de vida, atado e sepultado nos túmulos existenciais das nossas culpabilidades e pecados, de errados caminhos e de falsas aparências e seguranças. O Senhor chama cada um(a) pelo nome próprio. O nome quer dizer toda a vida da pessoa. Ele defende-a do mal. Diz a cada um(a): sai fora de tudo o que ata, amarra e ameaça a tua vida, do que a atrofia e afunda, do que impede a sua realização verdadeira e plena e eu te libertarei para uma vida nova.
Sai para fora:
– do teu isolamento e solidão para viveres no amor do Pai em que és amado como filho que confia e te torna capaz de amar;
– do teu individualismo e egoísmo para viveres o amor fraterno, partilhando as alegrias e as dores dos irmãos;
– dos teus ressentimentos e ódios para viveres no perdão, na reconciliação e na paz;
– dos teus medos e desânimos para viveres com a força do Espírito Santo que ajuda a caminhar com confiança e esperança;
– da tua apatia e indiferença para teres um coração sensível e próximo, cheio de ternura, carinho e compaixão para com os mais frágeis e pobres;
– da tua tristeza e do vazio interior para viveres a alegria do Evangelho que abre um novo horizonte à vida e lhe imprime um novo rumo.
Eis o caminho que o Senhor nos chama a percorrer para reavivar a nossa fé pascal, reacender a nossa esperança, reconstruir a saúde espiritual do povo abatido, para celebrar uma nova Páscoa de Ressurreição.
Compreendemos também a mensagem de esperança que Deus dirige ao povo no exílio, na leitura do profeta Ezequiel: “Vou abrir os vossos túmulos e deles vos ressuscitarei, ó meu povo… infundirei em vós o meu espírito e revivereis”.
Nada é irrecuperável para o Espírito do Senhor. Ele pode recompor e dar vida nova a um povo desfeito. Também a nossa vida em Cristo é inspirada pelo Espírito que habita os nossos corações, como diz S. Paulo. O Senhor interpela a todos e cada um de nós:
Acreditamos que Cristo ressuscitado está em nós e que o Espírito Santo nos dá vida que traz alegria, paz e ação de graças?
Deixamos que o Espírito Santo inspire e oriente os nossos pensamentos e gestos no serviço do amor e de solidariedade ao próximo, aos mais necessitados?
Terminemos, a modo de síntese, a nossa meditação, com a palavra de esperança que o Papa Francisco dirige particularmente aos jovens: “Cristo está vivo. Ele é a nossa esperança… Ele vive e quer-te vivo. Está em ti, está contigo e nunca te deixa. Por mais que te possas afastar, junto de ti está o Ressuscitado, que te chama e espera por ti para recomeçar… (CV 1 e 2)
“No coração deste mundo permanece presente o Senhor da vida que tanto nos ama. Não nos abandona, não nos deixa sozinhos, porque se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor leva-nos sempre a encontrar novos caminhos. Que Ele seja louvado!” (LSì 245).
Texto homilia: https://bit.ly/2xHQax9
Vídeo homilia: https://bit.ly/340mxU2