Conversas no caminhar III

Provocação - E a Igreja? O que é para ti a Igreja?

Provocação – E a Igreja? O que é para ti a Igreja?

Reflexão – Queres que te responda com o conhecimento formal, ou queres que te responda com o coração, com o sentir, com o viver?

P – Claro que com a segunda forma, visto que a primeira já a sabemos definir com a Doutrina, com o Catecismo, com tudo que é ensinado pela própria Igreja.

R – A Igreja, de uma certa forma, é para mim, passe a imagem redutora, um ninho!

Num ninho os passaritos recém-nascidos estão protegidos, têm o calor de que necessitam, são alimentados, os pais tratam deles com todos os cuidados.

Mas depois de crescerem no ninho partem para os seus voos, primeiro incertos, (e os pais têm que os fazer regressar ao ninho), e depois mais ousados, levando-os para outras paragens, onde irão também fazer os seus ninhos. Sinto-me assim muitas vezes em Igreja e sendo Igreja.

P – Mas isso é muito redutor, porque os passaritos apenas crescem, mas digamos que em nada contribuem para o seu ninho a não ser com a sua presença nele.

R – Claro que sim, tens toda a razão. Mas eu falava-te da Igreja num sentimento de ternura, de carinho, de protecção, de mãe, enfim, mas também de envio e proclamação da Boa Nova.

P – É bonita essa imagem, sem dúvida, mas abarca toda a Igreja?

R – Claro que não. A Igreja é para mim muito mais do que isso.

É presença da paternidade de Deus, no Sacramento do Baptismo.

É presença viva de Jesus, muito especialmente no Sacramento da Eucaristia.

É presença constante do Espírito Santo, no Sacramento da Confirmação.

É presença do perdão de Deus, pelas mãos dos seus sacerdotes agindo “in persona Christi”, no Sacramento da Penitência.

É presença do poder de Deus, no Sacramento da Unção dos Doentes.

É presença do amor de Deus em tudo, mas muito especialmente no Sacramento do Matrimónio.

É presença da entrega total de Deus e a Deus, na dádiva do Sacramento da Ordem.

P – Esses são os sete Sacramentos da Igreja.

R – Sim, mas a Igreja vai para além deles. É uma comunidade que é família, família de Deus.

Se cada um daqueles que é Igreja, meditasse e vivesse de acordo com a imagem de São Paulo do Corpo Místico de Cristo, poderíamos perceber/viver a Igreja como a mais bela “organização” fundada por Deus e feita pelo Homem.

Com efeito, se o Homem vivesse o ser Igreja como pertencendo realmente ao Corpo de Cristo, como poderia o Homem não se preocupar com aqueles que sofrem e constituem o mesmo Corpo em Cristo, como nos ensina São Paulo?

P – Mas mesmo aqueles que não pertencem à Igreja, que não são baptizados ou que até rejeitam a Igreja?

R – Claro que sim! Deus não faz acepção de pessoas e as portas da Igreja estão abertas para todos como o coração de Cristo está aberto para todos.

Cristo não morreu apenas por aqueles que estão ou são Igreja. Cristo morreu pelo Homem.

Então a missão daqueles que são Igreja é chamar os que o não são a encontrarem o Cristo vivo, que deu a vida por todos e a todos quer salvar.

Ninguém pode descansar enquanto souber que alguém ainda não ouviu falar de Cristo ou que ainda não se quer encontrar com Ele.

P – Mas e se alguém não se quer encontrar com Cristo, se alguém O rejeita, mesmo?

R – Não nos compete julgar e muito menos condenar. Devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance para chegar até esses homens, com os nossos gestos, as palavras que Deus colocar em nós, o testemunho do amor de Deus em nós.

Devemos ser portadores em nós e connosco da alegria do encontro pessoal com Cristo e como esse encontro transforma a vida, como esse encontro se transforma em vida e “vida em abundância”.

P – Mas esse é um encontro real?

R – Claro que é um encontro real!

A realidade nem sempre é mensurável, nem sempre é visível aos olhos humanos, nem sempre é palpável, mas é sempre sentida, reconhecida e vivida.

Quando desejamos e temos esse encontro pessoal com Jesus Cristo tudo se transforma, pois Ele sente-se próximo, mais, sente-se em nós, (e nos outros), tudo toma a dimensão verdadeira da criação de Deus, e assim, a nossa relação deixa de ser uma relação distante ou rotineira, para passar a ser uma relação constante, em que O sentimos em tudo, em todos e por isso, O reconhecemos no amor e na entrega.

Mais ainda, nessa relação pessoal com Cristo, abrem-se os “olhos do coração”, os “olhos do ser”, e assim podemos ver Jesus Cristo na Eucaristia e dEle nos podemos alimentar inteiramente por Sua graça.

P – E o que fazer para ter essa relação pessoal com Jesus Cristo?

R – Ah, se houvesse fórmulas, preceitos, normas, regras! Se houvesse um manual, um compêndio, um qualquer código! Mas não há!

Para além de tudo o que sabemos da perseverança na oração, da resistência à tentação e ao pecado, da vivência em Igreja, da presença viva de Jesus Cristo nos Sacramentos e na Palavra, da nossa vontade de fazer a Sua vontade, há “apenas” a nossa entrega, confiante, esperançosa e sobretudo a abertura permanente ao Espírito Santo que nos revela Jesus Cristo e o Pai se por Ele nos deixarmos iluminar e conduzir.

P – E depois?

R – Depois é um caminhar, ou mais do que um caminhar, é um viver e amar para melhor conhecer, e conhecendo melhor, amar ainda mais.

Uma relação entre pessoas torna-se cada vez mais forte à medida que as pessoas se conhecem, conhecem melhor os desejos e vontades do outro, à medida que cada vez mais dialogam de tal modo que muitas vezes no silêncio entre ambos se conseguem escutar um ao outro e perceber o que ambos querem dizer, nada dizendo.

Ora se entre nós, humanos assim é, quanto mais numa relação com Jesus Cristo, com Deus, que sendo perfeito nos quer aproximar da perfeição e por isso torna mais perfeita essa relação de tal modo que a relação em si, se torna vida para aquele que se aproxima de Cristo.

E nesta relação pessoal com Jesus Cristo, podemos dizer que “metade” do caminho está sempre feito, porque Ele nos conhece melhor do que nós nos conhecemos e, portanto, o nosso “contributo” para essa relação é sempre e cada vez mais, não darmo-nos a conhecer, mas sim querer conhecê-lO sempre e cada vez mais.

P – Parece que nos afastámos da conversa inicial que era afinal sobre a Igreja.

R – Sim, pode parecer que sim, mas a verdade é que a Igreja é o Corpo Místico de Cristo, a cabeça da Igreja é Cristo, o centro da Igreja é Cristo e só em Cristo a Igreja vive e é o que Cristo quer que Ela seja.

Assim, só nesta relação pessoal com Cristo, somos verdadeiramente Igreja, ou seja, a Igreja deixa de ser algo fora de nós ou uma questão de pertença, para passar a ser o nosso próprio ser, para passar a ser a relação de amor com Deus e com os homens, com Cristo, por Cristo e em Cristo.

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