Alegrem-se os céus, exulte a terra,
ressoe o mar e tudo o que ele contém,
exultem os campos e quanto neles existe,
alegrem-se as árvores das florestas.
Diante do Senhor que vem,
que vem para julgar a terra.
Julgará o mundo com justiça
e os povos com fidelidade.
Começo pela transcrição do Salmo, para que seja claro, logo de início, que a minha é uma reflexão crente e não se ocupará de temas sociais, económicos ou políticos, a não ser indirectamente, se não puder evitá-los sem trair as verdades da fé cristã.
Isto, como é obvio, não quer, nem por sombras, desvalorizar qualquer estudo sério dos referidos temas, dos quais o cristão não pode alhear-se, até por exigência da sua responsabilidade de cidadão do mundo, que lhe foi confiado por Deus, para que o possua e cuide dele.
A esse respeito, não me inibo de referir mais um vez o autor citado no meu último texto: “Se és frívolo, se te preocupas apenas com a tua comodidade pessoal, se centras a existência dos outros e até a do mundo em ti próprio, não tens o direito de te chamares cristão, nem de te considerares discípulo de Cristo: porque Ele marcou o limite da exigência em oferecer por cada um «et animam suam»: a própria alma, a vida inteira” (São Josemaria Escrivá “Forja”, 141).
Mas os extremos de que falo aqui e agora, não pertencem à linguagem política ou social, que, como sabem os conhecedores da história das ideias na Europa, nasceu de uma circunstância fortuita e puramente espacial, tão sem sentido hoje, que, quanto a mim, só com uma grande ginástica intelectual, os seus utilizadores a podem considerar razoável: digamos que será talvez por falta de reflexão ou por comodismo.
Posta esta introdução, que já vai longa, vamos ao tema que me levou a iniciar a escrita, que devo utilizar também como disciplinadora do pensamento:
“Alegrem-se os céus, exulte a terra, diante do Senhor que vem, que vem para julgar a terra. Julgará o mundo com justiça e os povos com fidelidade”.
Esta é a parte do salmo 95 (96) que a liturgia utiliza como cântico de resposta – “salmo responsorial” -, ao texto do livro do Apocalipse:
“Eu, João, vi uma nuvem branca, sobre a qual estava sentado Alguém, semelhante a um filho do homem, com uma coroa de ouro na cabeça e uma foice afiada na mão. Saiu do templo outro Anjo, que clamava com voz forte para Aquele que estava sentado sobre a nuvem:
«Mete a tua foice e ceifa; chegou a hora de ceifar, porque a seara da terra está madura». Então o que estava sentado sobre a nuvem lançou a foice à terra, e a terra foi ceifada. Depois saiu do templo celeste outro Anjo, que também tinha uma foice afiada.
Do altar veio ainda outro Anjo, que tinha poder sobre o fogo, e gritou com voz forte para aquele que tinha a foice afiada: «Mete a tua foice afiada e vindima os cachos da vinha da terra, porque as uvas estão maduras». O Anjo lançou a foice à terra, vindimou a vinha da terra e lançou as uvas no grande lagar da ira de Deus”.
Todos sabemos que há duas formas de eliminar radicalmente qualquer documento, por muito autêntico que seja: a primeira será o silêncio sistemático em que se envolve; a segunda, não menos eficaz e corruptora, é fazê-lo dizer o que não diz.
Esta é hoje a grande técnica das ideologias, que, por serem sistemas fechados, permanentemente decididos em manipular a opinião pública, sempre procuram que o que, de qualquer modo as contradiz, tenha um impacto que as favoreça o mais possível.
Bem sabemos que os documentos da Revelação divina, Tradição e Escritura, no essencial da sua mensagem, estão defendidos pelas luzes ao Espírito Santo e a força da fé. Claro, uma fé minimamente esclarecida, porque também se pode correr o risco de chamar fé ao que o não é: um erro cujas consequências não são menos trágicas que as de dizer que não é de fé o que, de facto, será herético negar.
Para concluir, já que é o livro do Apocalipse que nos ocupa, penso não estar errado ao afirmar:
Primeiro, trata-se de um livro tão inspirado e, como tal, tão santo como qualquer outro dos livros sagrados.
Escrito com o intuito de animar – termo mais positivo do que consolar – as comunidades cristãs no meio das perseguições a que estão sujeitas, o núcleo central da sua mensagem será a vitória final de Deus, em Jesus Cristo, pelo Espírito Santo, sobre o contra desígnio, o mal… referido com imagens, muitas delas importadas da literatura anterior, incluindo a sagrada.
Perante isto, há dois extremos a evitar: que se trata de um livro só para amantes dos textos obscuros, ou, no outro extremo, que as suas figuras devem tomar-se em sentido literal.
Entre o nada e o tudo, há que ler o Apocalipse com a mesma fé com que lemos qualquer outro texto sagrado, que, como diria Santo Agostinho, sempre nos fala do mistério de Cristo e da Igreja.