Como Jacob em Penuel

O brilho do sol torna-se mais fascinante, quando me lembro de que não tenho permissão para sair à rua, até novas ordens em contrário: parece tentação; agora, quando não posso, é que me apetece mais sair.

Estou de quarentena, como alguns milhões de portugueses, nesta hora.
Olho com certa nostalgia, pela janela, aberta de par em par, como o permite a amenidade da temperatura matinal: primaveril, por antecipação.
O brilho do sol torna-se mais fascinante, quando me lembro de que não tenho permissão para sair à rua, até novas ordens em contrário: parece tentação; agora, quando não posso, é que me apetece mais sair.
Depois, pensando melhor, dou-me conta de que sim; é uma tentação: não apenas esta vontade de sair à rua, quando não é permitido, mas tudo quanto se relaciona com a situação actual, nascida da periculosidade de um vírus e criada pelo medo, que produz uma quase histeria mundial.
Tentação, não no sentido moral do termo, como se estivéssemos todos à beira do pecado, mais do que estávamos há meses ou há anos. Provavelmente até estamos menos, porque, se calhar, muitos começaram já a perceber que o que lhes falta é introduzir, em certos casos, reintroduzir Deus nos seus horizontes.

Falo de tentação no sentido original grego, que segundo São Mateus, Jesus nos ensinou a pedir ao Pai que não nos introduzisse nela: discussões exegéticas à parte, os tradutores, talvez por um progressivo esquecimento do mistério das nossas relações pessoais com Deus, foram a pouco e pouco esvaziando o termo do seu conteúdo, com medo que nele estivéssemos a confundir o Pai de Jesus Cristo com o pai da mentira, que é o Diabo.
E, no entanto, a Sagrada Escritura está recheada de indicações que nos podem ajudar a evitar tal confusão:

Já não falo da prevenção de Tiago (1, 12-15), mas das inúmeras narrativas onde encontramos as “tentações” em que Deus (o Senhor Deus) Se envolve com os Seus escolhidos, desde Abarão a José (para não falar de Jesus), passando por Jacob e a maioria dos patriarcas e dos grandes profetas.
Fixo-me, por momentos no caso de Jacob, que será, não apenas o tronco por onde passa toda a descendência de Abraão, mas a figura e tipo da caminhada do Povo Eleito através da História. E nesta caminhada assume um significado muito especial aquela luta solitária com Deus (alguns dizem que com um Anjo, o que não altera o seu significado), antes de atravessar o ribeiro que fizera já passar pelos seus e tudo quanto era seu.

Uma luta corpo a corpo, que termina aparentemente com a vitória de Jacob, mas que deixa nele a marca indelével da sua condição: quem ultrapassa todas as provas, das quais sai vitorioso com a bênção e a marca do próprio vencido, que é Deus.

Quem me trouxe hoje à memória este episódio da História da Salvação – a história da relação íntima do Criador com a criatura, de quem, quer ser amigo e não senhor–foi o Cardeal Sarah, no livro que publicou em co-autoria com Bento XVI, ao exortar os sacerdotes a nunca desistirem da oração, pelas dificuldades que encontram nela: “não nos desencorajemos: a oração exige esforço. Implica um corpo a corpo, uma luta árdua com Deus, semelhante à de Jacob, que lutou toda a noite, até de madrugada” (Cf “Des profondeurs de nos coeurs”, 151-152).

Luta com Deus, para com Ele destruir o que em mim se nega a morrer para que a Sua amizade se alargue e aprofunde, para que as provas a que Ele sujeita a pureza do meu coração, nunca se transformem em tentações para o mal.

Destas provas podemos sair coxos como Jacob, mas certamente com a Sua bênção iremos longe, se vivermos a nova condição do nome que a acompanha.

Para quem quiser ler o episódio da luta de Jacob e possivelmente discordar da minha leitura, aqui o transcrevo.

“Naquela noite, Jacob levantou-se, tomou as duas mulheres, as duas servas e os onze filhos, para atravessar o lugar de passagem do Jaboque.
Depois de havê-los feito atravessar o ribeiro, fez passar também tudo o que possuía.

E Jacob ficou sozinho. Então veio um homem que se pôs a lutar com ele até ao amanhecer.

Quando o homem viu que não poderia dominar Jacob, tocou-lhe na articulação da coxa, de forma que a deslocou enquanto lutavam.
Então o homem disse: «Deixa-me ir, pois o dia já desponta». Mas Jacob respondeu-lhe: «Não te deixarei ir, a não ser que me abençoes».
O homem perguntou-lhe: «Qual é o teu nome?»

«Jacob», respondeu ele.

Então disse o homem: «O teu nome nunca mais será Jacob, mas sim Israel, porque lutaste com Deus e com homens e venceste».

Prosseguiu Jacob: «Peço-te que digas o teu nome».

Mas ele respondeu: «Por que perguntas o meu nome?» E abençoou-o ali.
Jacob chamou àquele lugar Penuel, pois disse: «Vi a Deus face a face e, todavia, a minha vida foi poupada».

Ao nascer do sol, atravessou Penuel, mancando por causa da coxa.
Por isso, até ao dia de hoje, os Israelitas não comem o músculo ligado à articulação do quadril, porque nesse músculo Jacob foi ferido” (Gen 32, 22-32).

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