Recolho este título das palavras de São Paulo aos Coríntios, ainda que seja muito claro que o Apóstolo não se refere à colaboração que nesta manhã me empurra para a reflexão e a escrita: de facto, o Apóstolo das Gentes, no trecho cuja leitura e meditação a liturgia ferial eucarística nos propõe hoje – quarta-feira da 22ª semana do Tempo comum – ocupa-se de um dos vícios que grassavam na comunidade de Corinto, recentemente fundada por ele, mas, como infelizmente acontece nos nossos dias, se dividia em questões que, afinal, nasciam de uma cultura de influências e prestígios que vinha de muito longe e continuou até hoje, com resultados verdadeiramente catastróficos.
Todos conhecemos, alguns até pelas dores que disso lhes vêm, quantas inimizades e guerrilhas absurdas, denunciam a falta de espírito cristão, a cegueira que faz julgar tudo e todos com critérios puramente humanos; factos condenados pela censura do Apóstolo:
“De facto, se entre vós há inveja e discórdia, não é certo que sois demasiado naturais e procedeis segundo critérios humanos?”
E é contra isto que São Paulo luta, recusando ser tratado, ele e os seus companheiros, como bandeiras, líderes de um qualquer movimento.
“Eu plantei, Apolo regou; mas Deus é que fez crescer. Assim, nem o que planta nem o que rega são coisa alguma; só Deus é que conta, pois é Ele que faz crescer. Entretanto, quem planta e quem rega trabalham como um só, mas cada qual receberá a recompensa, segundo o esforço do seu trabalho. Nós somos colaboradores de Deus e vós sois o campo de Deus, o edifício de Deus”.
No contexto polémico e de inquietação pedagógica em que São Paulo se situa, justifica-se perfeitamente a distinção entre evangelizadores – colaboradores de Deus – e evangelizados – campo e edifício de Deus.
Mas, de facto, como diz a fé, e a sã teologia nos ensina, no seio do povo de Deus todos são tudo – campo/edifício e colaboradores –; mas com funções diferentes, cada um segundo a própria condição.
Na missa de hoje, o trecho de São Lucas, continuando a narração de ontem, no mesmo capítulo, conta, entre outras coisas: “Jesus saiu da sinagoga e entrou em casa de Simão. A sogra de Simão estava com febre muito alta e pediram a Jesus que fizesse alguma coisa por ela. Jesus, aproximando-Se da sua cabeceira, falou imperiosamente à febre, e a febre deixou-a. Ela levantou-se e começou logo a servi-los”.
Muitos Pares e comentadores contemporâneos têm falado desta cura da sogra de Pedro, acentuando a gravidade da doença e como a doente, uma vez curada, começou logo a servir; mas não se costuma frisar o significado humano e teológico daquele servir, que, afinal tem muito a ver com outras referências de Lucas à presença da mulher no grupo dos companheiros de Jesus (Cfr Lc 8, 1-3).
Não importa a categoria do serviço: é evidente que, mesmo fora deste contexto, qualquer serviço, directa ou indirectamente em favor do Evangelho, faz de quem o realiza, seja homem, seja mulher, um evangelizador, logo, pelo menos neste sentido, um colaborador de Deus.
Mas há também uma forma de colaborar com Deus que não depende minimamente da condição, quantidade, qualidade ou categoria do serviço, nem do sexo, idade ou cultura do servo.
Quando Maria se define como a serva do Senhor, numa expressão que poderíamos considerar cronologicamente, o grito inaugural da era messiânica, não diz mais nem menos do que isto: FAÇA-SE, CUMPRA-SE, que é o que significa a palavra grega utilizada por São Lucas: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38).
Costuma falar-se, a propósito, na humildade de Maria ao tomar-se como serva, escrava; mas, de facto, a expressão, no AT, era um título de nobreza, que os próprios reis usavam para afirmar a sua condição real.
Servo é em plenitude Jesus Cristo, não porque se humilhe, apesar da leitura que muitas vezes fazemos da Carta aos Filipenses, onde, de facto Paulo compara a divindade do Verbo com a humanidade da criatura, que Ele assume para a salvar. Acontece, porém, que, ainda nisso, ao fazer-se criatura, o Criador se recupera a Si mesmo, dando ao homem a honra perdida, de “servo do Senhor”.
Neste sentido, o “faça-se” de Maria, a MULHER, que está no topo da Criação e da Redenção, como que inicia o de Cristo, que assume o dela e o nosso, quando queremos que a nossa vida se nobilite exactamente com a concretização, á nossa medida, do mesmo FAÇA-SE, que Jesus nos ensinou a dizer no Pai nosso, não como abandono resignado, mas decisão de luta redentora.
A mulher, por conseguinte! A colaboradora dos colaboradores de Deus.
Espero que ninguém me leve a mal que termine este texto com uma sentida homenagem de gratidão para com todas aquelas – uma vez por outra, também aqueles – que nesta Casa, onde vivo há seis anos, com tanta competência e carinho, me têm ajudado e ajudam a envelhecer sem ficar velho.
E lhes peça que não se esqueçam de que em tudo isso estão a ser colaboradoras de Deus.