A segunda década do século XX abriu em profunda revolução política e social em Portugal, com a viragem do regime monárquico para o republicano, em outubro de 1910.
Baseado na trilogia “liberdade, igualdade e fraternidade” da Revolução Francesa, o novo regime assentava nos ideais do iluminismo e do racionalismo, defendendo a evolução da sociedade, sobretudo, a partir da educação do povo e da sua libertação da opressão intelectual que atribuía ao domínio da Igreja sobre o povo. Daí a urgência de separar o Estado da Igreja, que seria posta em forma de lei, logo em 1911, e de manter a religião confinada à esfera da vida privada, de modo a perder influência e, idealmente, desaparecer.
Nesta linha, verificaram-se episódios de perseguição a clérigos e religiosos, confiscação de edifícios e outros bens da Igreja, deportação de bispos das suas dioceses, proibição do ensino religioso nas escolas, abolição do juramento religioso nos tribunais, legalização do divórcio, extinção dos feriados religiosos, etc.
A verdade é que o radicalismo com que se pretendeu esta mudança de paradigma social, nomeadamente, tomando a Igreja como inimigo, veio a fazer com que a prática não correspondesse à teoria. Assim, os primeiros anos da República foram marcados pela instabilidade de sucessivos governos, golpes de estado, tentativas de ditaduras, greves, divisões e lutas civis. O povo, que nos anos anteriores contestara o despesismo da coroa e o descontrolo das instituições de governo, foi percebendo que a sua situação não melhorava. Em conclusão, os arautos das promessas de desenvolvimento não conseguiam fazê-las cumprir, a paz democrática era afinal um somar de guerrilhas políticas, a vida continuava difícil e sem horizonte para a massa pobre, analfabeta e sem voz.
Em reação ao ambiente hostil, despertava um espírito militante dos católicos, que viria a desenvolver-se como recomposição da sua própria identidade. O descontentamento manifesta-se a vários níveis, desde os fiéis que protestam por não poderem celebrar publicamente as suas mais enraizadas tradições religiosas, até aos padres que recusam maioritariamente as associações cultuais e as pensões do Estado. No caso dos bispos, publicam uma “Pastoral Colectiva” contra a legislação que consideram de ódio e ataque à Igreja e acabam por vir a ser todos desterrados das suas dioceses.
Paralelamente, a elite cultural católica vai também reagindo contra as políticas consideradas injustas, numa ação que ganha especial voz nas diversas associações, centros académicos e na União Católica – donde viria a surgir o Centro Católico Português (1917) –, bem como nos meios de comunicação social da “boa imprensa”.
A tudo isto se somava a conjuntura nada favorável do panorama internacional. A Europa conhecia a Primeira Grande Guerra em 1914, na qual Portugal entra em 1916, o que veio agravar a situação interna.
De facto, a somar à constante instabilidade política pós-1910 e à já frágil situação económica e financeira herdada dos últimos anos da monarquia, com a agricultura depauperada e a indústria fracamente desenvolvida, a entrada na guerra veio agravar a inflação, a fome e a miséria do povo, o desemprego, a falta de condições de higiene e salubridade, a mortalidade por doenças epidémicas, etc. Pior ainda, as notícias que chegam da mortandade no mal preparado exército português na Flandres semeiam a dor em muitos lares que tinham visto os seus familiares partir para os campos de batalha.
Em consequência deste cenário, o descontentamento social era enorme, multiplicavam-se as greves, as contendas, os assaltos a estabelecimentos comerciais e todo o tipo de manifestações de oposição à “República afonsista”, abrindo caminho ao sucesso da revolta de Sidónio Pais, em dezembro de 1917.
Luís Miguel Ferraz
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