Ainda que o mistério da Visitação de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel, segundo a actual ordenação litúrgica se celebre apenas a 31 de Maio, de facto, a designação de Maria como Nossa Senhora da Visitação leva-nos muitas vezes a confundir duas perspectivas da História da Salvação, que, quando se confundem demasiado, acabam por passar ambas sem qualquer fruto na vida de cada um.
Nossa Senhora da Visitação será sobretudo Maria, correndo da Galileia para a Judeia, onde mora a prima, que vai já no sexto mês de uma gravidez… de risco, diríamos nós hoje, tendo em conta as referências dos textos à sua idade.
Este foi o sentido mais constante da piedade cristã, que sempre acentuou a pressa de Maria em ajudar a prima; e aqui foram os fundadores das Misericórdias, no Séc XVI, buscar as bases para porem a sua instituição sob a protecção de Nossa Senhora da Visitação.
A Visitação de Nossa Senhora será, na perspectiva do próprio evangelista, o encontro das duas mães, figurando o encontro das duas alianças: Isabel/João – Antiga Aliança; Maria/Jesus-Nova Aliança.
Mas, perguntará alguém, não haverá meio de unir tudo numa única perspectiva?
Claro que há; ainda que saber encarar um mistério da vida de Cristo em perspectivas variadas, possa contribuir parra o aprofundamento da fé, sobretudo no que se refere aos aspectos mais visíveis da visa cristã.
Por isso, decido deter-me num pormenor que, apesar de tanta coisa na narrativa evangélica depender dele, não costuma aparecer muito nos comentários ascéticos que actualmente se fazem ao mistério da Visitação.
Procuremos reler o texto, devagar, meditando cada palavra, com o máximo respeito pela sua posição no quadro narrativo, porque é aí que reside a plenitude do seu significado:
“Naqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se apressadamente para a montanha, em direcção a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino exultou-lhe no seio. Isabel ficou cheia do Espírito Santo e exclamou em alta voz: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor? Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos a voz da tua saudação, o menino exultou de alegria no meu seio. Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor» (Lc 1, 39-45).
Fico a pensar na alegria daquela criança, ainda no ventre materno, a pouco mais de meia gestação, e vejo que é ela que marca todo o episódio; um episódio que acaba encerrado entre duas manifestações jubilosas de outra mãe, grávida de poucas semanas.
É a alegria da Salvação, cúmulo do amor criador e redentor de Deus, que se apressa em chegar aos homens, logo que o permita a dignidade d’Ele e da Sua criatura.
“Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se apressadamente para a montanha”!
– Virgem bendita, porquê tanta pressa? Para ajudar a tua prima? Para partilhar com alguém a incontida felicidade que sentes no peito?
– Meu filho, é tudo isso e nada disso!
Impele-me o desejo de sempre estar onde e como Deus quisesse; e agora sei, pelas palavras do Anjo, que assim como Ele me quis para Sua mãe, quer-me ali, no seio daquela família, para falarmos mais uma vez das loucuras do Seu Amor.
Escuta as palavras que a Igreja, na celebração deste mistério, faz dizer à alma enamorada, que aqui somos nós as duas, são as crianças que levamos no ventre, é sobretudo o filho de Isabel; e tens de ser tu, em cada momento :
“Eis a voz do meu amado! Ele aí vem, transpondo os montes, saltando sobre as colinas. O meu amado é semelhante a uma gazela ou ao filhinho da corça. Ei-lo detrás do nosso muro, a olhar pela janela, a espreitar através das grades. O meu amado ergue a voz e diz-me: «Levanta-te, minha amada, formosa minha, e vem. Já passou o Inverno, já se foram e cessaram as chuvas. Desabrocharam as flores sobre a terra; chegou o tempo das canções e já se ouve nos nossos campos a voz da rola. Na figueira começam a brotar os primeiros figos e a vinha em flor exala o seu perfume. Levanta-te, minha amada, formosa minha, e vem. Minha pomba, escondida nas fendas dos rochedos, ao abrigo das encostas escarpadas, mostra-me o teu rosto, deixa-me ouvir a tua voz. A tua voz é suave e o teu rosto é encantador»
São as pressas do amor.
Por isso, como diria o Santo Arcebispo de Braga, as mães têm sempre pressa.