A invocação de Maria mais antiga na minha memória de criança devota, que depois se foi actualizando, com a catequese e o estudo, entre problemas e soluções, menos com os livros do que com as práticas da família e da comunidade crente, que nunca me faltaram com os subsídios necessários à fé que através delas Deus me concedera.
Hoje, depois de tanta reforma, o nosso Missal, fala da solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria.
Quantas e quão profundas reflexões não poderíamos fazer sobre este mistério, infelizmente também ele quase afogado naquilo que o nosso ambiente sociocultural colou ao oito de Dezembro!
No meu recolhimento de confinado, para melhor me defender de pensamentos negativos, ou mesmo só dispersantes, tomando para a minha oração pessoal um dos temas centrais do Evangelho de São Lucas, precisamente o evangelista do Ano B, revivendo a ideia teológica de que a cada momento somos visitados pela Misericórdia divina, achei oportuno comparar as duas visitas que encontramos referidas nas leituras desta Solenidade:
Gen 3, 9-15.20 e Lc 1 26-38
Agradeço à Igreja, ou antes, ao Espírito Santo, que actua nela, o ter-me posto assim à disposição as duas narrativas mais expressiva do infinito amor de Deus, que gratuitamente nos cria e nos salva.
Claro que nem o Génesis nem Lucas são relatos jornalísticos: são apenas narrativas simbólicas, apesar do que nelas possa haver, sobretudo na de Lucas, de verdadeiramente histórico, para que encontremos pela fé, claro, a resposta para as questões mais fundamentais da nossa vida.
As duas visitas!
Afinal, em meu entender, no domínio do mistério, são uma só: porque todos nós, em cada momento, somos procurados por Deus, segundo as circunstâncias pessoais de cada um.
Em Gen 3, 9-21, procura o homem onde ele se esconde, para o ajudar a sair da situação de profunda indigência em que se sente, ao dar-se conta do embuste em que caiu, quando começou a desconfiar do amor gratuito de Deus:
“Depois de Adão ter comido da árvore,
o Senhor Deus chamou-o e disse-lhe: «Onde estás?».
Ele respondeu:
«Ouvi o rumor dos vossos passos no jardim
e, como estava nu, tive medo e escondi-me»”.
Em Lc 1, 26-38, procura o homem, disponível para colaborar com Ele na salvação do mundo, desfigurado pelo mesmo homem.
«Não temas, Maria,
porque encontraste graça diante de Deus.
Conceberás e darás à luz um Filho,
a quem porás o nome de Jesus.
Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David;
reinará eternamente sobre a casa de Jacob
e o seu reinado não terá fim».
Sabemos como, nos relatos bíblicos terminam os dois diálogos de Deus com o homem:
À primeira vista, parece que se contradizem um ao outro. À primeira vista, porque não é por acaso que se juntam na celebração de hoje: o que muda de um diálogo para o outro é o estado em que se encontra o homem: fugitivo, no primeiro, como medo de Deus; sereno e disponível, no segundo, coração aberto para Deus.
Só Deus não muda: porque O vemos carinhoso, cobrindo a nudez do homem com a veste da Sua misericórdia, no final do primeiro encontro; oferecendo-Se para salvar a nossa condição criatural, fazendo-Se Ele próprio criatura.
Maria está no centro deste mistério, de que ela foi a primeira e a mais excelsa beneficiária: Maria, como jovem donzela de uma aldeia da Palestina, mas sobretudo figura da humanidade e da Igreja. Agradecidos pela sua disponibilidade, que será também nossa se quisermos, sempre que Deus nos bate à porta, cantemos com ela: “A minha alma engrandece o Senhor e o meu espírito exulta em Deu meu Salvador”.