Discurso de encerramento proferido pelo Bispo D. António Marto no Colóquio do Coração de Jesus. Santuário de Fátima, 19 de outubro de 2019.
Estou aqui neste colóquio em nome da Conferência episcopal para proferir uma palavra de encerramento. Antes, porém, desejo felicitar os organizadores do colóquio pelo belo programa que gizaram, bem como os conferentes pelo alto nível de qualidade das suas intervenções. Para encerrar o colóquio selecionei três pontos da espiritualidade da devoção ao Coração de Jesus na perspetiva da evangelização e da renovação da Igreja.
1. O Coração de Cristo, mistério a contemplar e a viver
“Hão-de contemplar aquele que trespassaram”. No coração aberto e trespassado de Cristo na cruz trata-se, antes de mais, de contemplar um grande mistério de amor que ultrapassa o nosso conhecimento e as nossas medidas humanas, que nos inunda sem que nós cheguemos a descobrir plenamente qual é o comprimento, a largura, a altura e a profundidade desse mistério.
No coração de Jesus revela-se o mistério da ternura e da infinita misericórdia divinas. O abismo insondável do amor de Deus Pai derramou-se no coração humano do Filho e fez-se próximo e acessível a nós pelo dom do Espírito. Um mistério de amor tão próximo de nós que se tornou vulnerável, fazendo suas e tomando-as sobre si as nossas dores e alegrias, porque as sente a nosso modo, chora com quem chora e alegra-se com quem se sente amado, perdoado e resgatado.
Por isso suscita a invocação cheia de confiança “Sagrado Coração de Jesus, eu tenho confiança em Vós”! Não há dor, nem vazio, nem solidão, nem enfermidade nem desgraça que não fiquem iluminadas e confortadas por esta invocação. Um amor sem limites que envolve tudo o que somos, inclusive as nossas fragilidades mais fundas e profundas ou ocultas, um amor verdadeiro que nos coloca dentro do mistério do Pai das misericórdias. Não somos órfãos; não estamos perdidos! A devoção ao Sagrado Coração de Jesus tem como eixo o amor, a confiança e não o medo. Ajuda-nos a percorrer o caminho da santidade com um coração novo e com a vida nova no Espírito.
2. Uma Igreja de coração aberto de par em par pelo amor universal de Cristo
A CEP publicou uma nota pastoral a propósito dos 175 anos do Apostolado da Oração com o belo e significativo título “Do Coração de Cristo para o coração do mundo”. De facto, o Coração de Jesus mostra a paixão de um Deus enamorado dos homens e buscador incansável dos que sofrem e dos descartados e afastados, tal como o bom Pastor. A devoção ao Coração de Jesus faz-nos partilhar o amor apaixonado de Jesus Cristo por uma humanidade ferida, fragmentada, perdida, necessitada de cuidado, de atenção, de cura, de salvação. Faz-nos ver o mundo com os olhos e o coração de Deus.
Quando o Papa Francisco nos fala de uma Igreja em saída ou hospital de campanha não faz outra coisa senão ajudar-nos a ser Igreja como um retrato fiel do Coração de Jesus, em permanente saída a todas as periferias, ao encontro de todo o homem e mulher para lhes oferecer o manancial da ternura e da misericórdia, o cuidados dos feridos e a cura das feridas, o amor fraterno, o manancial da vida definitiva. Uma Igreja mais samaritana, cheia de compaixão, mais próxima das pessoas que sofrem. Igreja missionária ao estilo do coração compassivo de Cristo!
3. Discípulos missionários
O Apostolado da Oração nasceu de um desejo missionário e traz em si esta dimensão missionária do discípulo de Jesus através da oração e da oferta diária de si mesmo. É uma dimensão hoje tão posta em relevo e tão instada pelo Papa Francisco: ser discípulos missionários. A oração e a oferta têm a capacidade de pôr o nosso coração a bater ao ritmo do coração de Cristo de tal modo que o seu amor encha e preencha o nosso coração e a nossa vida. O dom que recebemos é para ser vivido e partilhado. Assim começa e se realiza a missão do cristão. Como ilustra o Papa Francisco: “Todo o homem e mulher é uma missão…Ser atraídos e ser enviados são os dois movimentos do nosso coração” (EG); e ainda na mensagem para o Dia Mundial das Missões 2019: “Eu sou sempre uma missão; tu és sempre uma missão; cada batizada e batizado é uma missão. Quem ama, põe-se em movimento, sente-se impelido para fora de si mesmo: é atraído e atrai; dá-se ao outro e tece relações que geram vida”.
Santa Teresa do Menino Jesus que desejava ser missionária mostra de modo existencial como poder sê-o através do coração inflamado de amor, do amor de Cristo que nos possui e nos impele:
“Compreendi que a Igreja tem um corpo formado de vários membros e neste corpo não pode faltar o membro necessário e o mais nobre: entendi que a Igreja tem um coração e este coração está inflamado de amor. Compreendi que os membros da Igreja são impelidos a agir por um único amor, de forma que, extinto este, os apóstolos não mais anunciariam o Evangelho, os mártires não mais derramariam o sangue. Percebi e reconheci que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo, abraça todos os tempos e lugares, numa palavra, o amor é eterno.
Então, delirante de alegria, exclamei: Ó Jesus, meu amor, encontrei finalmente a minha vocação: a minha vocação é o amor. Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, tu me deste este lugar, meu Deus. No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor e desse modo serei tudo, e o meu desejo se realizará”.
A intenção mensal indicada pelo Santo Padre à Rede Mundial de Oração do Papa coloca-nos nesta dimensão missionária ao unir-nos às necessidades do mundo e da Igreja, concretamente neste mês missionário extraordinário de outubro pedindo “que o sopro do Espírito Santo suscite uma nova primavera missionária na Igreja”.
Como podemos ver, nos três pontos mencionados encontramos uma espiritualidade que ajuda a realizar a conversão pastoral e a reforma da Igreja pedida e iniciada pelo Papa Francisco: uma Igreja orante que põe no seu centro Deus rico de misericórdia; Igreja oásis de misericórdia ou hospital de campanha que cuida dos feridos e ajuda a curar as feridas; Igreja samaritana que se faz próxima dos que sofrem; Igreja missionária, em saída a todas as periferias geográficas, humanas, existenciais, sociais, culturais, religiosas; Igreja peregrina, santa e pecadora, sempre necessitada de conversão e de reforma permanente para ser cada vez mais fiel ao Evangelho. Faço votos de que o Apostolado da oração também se renove e caminhe neste sentido!
† Cardeal António Marto, Bispo de Leiria-Fátima