A VERDADE QUE LIBERTA

Sem querer enviar recados para ninguém, começo por citar um escritor francês, de cuja morte passarão dentro de meses os oitenta anos:

“O único problema que existe é o seguinte: dar aos homens um sentido espiritual. Não se pode continuar a viver só de frigoríficos, de política, de balanços e de palavras cruzadas”.

Antoine de Saint-Exupéry, figura estranha, como homem e escritor, “Piloto de Guerra” é o título de uma das suas obras mais conhecidas; obra nascida do sonho que alimentou a sua vida e a cortou, de modo nunca totalmente esclarecido, há quase oitenta anos; por coincidência, no Mediterrâneo, mar com um recheio de memórias maior que ele, e que nas últimas décadas, o egoísmo dos povos ricos e a fome dos que foram e continuam a ser por eles explorados, transformou num imenso cemitério.

A referência ao local da morte do escritor francês, que mudou de país duas ou três vezes, trouxe-me à memória outro mar, um pouco mais pequeno, também recheado, não de memórias, mas de lendas, por sinal ligadas ao fenómeno mais antigo da história dos povos, como a emigração e o comércio.

Esse mar, hoje palco de lutas fratricidas, viu morrer nas suas costas outro escritor que podemos considerar vítima da intolerância de quem usa o poder, político ou económico, para condicionar ou destruir a mais preciosa liberdade do homem, que é a de pensar e comunicar esse pensamento.

Refiro-me a Públio Ovídio Nasão, nascido neste dia, em Roma, há precisamente 2067 anos, e que viria a morrer exilado, em Constança, nas costas do Mar Negro, umas décadas depois.

Claro que, vítimas ou não da intolerância, estes homens, como tantos outros através dos séculos, por não desistirem de pensar, deixaram uma herança muito mais preciosa para as gerações futuras do que aqueles que lhes quiseram cortar as asas.

Salva o pensamento e a faculdade de pensar, o seu carácter invisível, porque é essencialmente espiritual. Saint-Exupéry escreveu também:

“É o espírito que conduz o mundo e não a inteligência”. E, noutro contexto: “Apenas se vê bem com o coração, pois nas horas graves os olhos ficam cegos”.

É evidente que o piloto francês, que certamente conhecia Pascal, não escreve no mesmo campo de reflexão do seu co-nacional: como sempre acontece, faz uma afirmação mais global, por isso menos profunda.

Pascal fala do que, para além do visível e puramente racional, a fé, conduzida pela confiança – o contributo do coração – a fé com que o homem olha o mundo e a vida.

“O coração tem razões que a razão não entende” (Pascal), a não ser que se deixe iluminar pela intuição da fé.

O drama e fonte de enganos que tomam muitas vezes foros de tragédia, é que a razão pode ser tão pouco razoável, que procura e consegue enganar o coração, anulando as suas intuições mais profundas.

Foi por isso que aqueles ouvintes de Jesus, que, segundo João, haviam acreditado n’Ele, não entenderam o que lhes dizia sobre a necessidade de aderirem à verdade, para se tornarem livres: o seu entusiasmo perante os milagres fora puramente superficial e esqueciam-se de que a Lei, mais do que uma série de práticas para parecer bem, era o roteiro que defendia de todos os enganos, para continuar de coração livre, com Deus, no caminho da Aliança.

De afcto, o mesmo evangelista dissera, uns capítulos antes: “Enquanto Ele estava em Jerusalém, durante as festas da Páscoa, muitos creram nele ao verem os sinais que realizava. Mas Jesus não se fiava deles, porque os conhecia a todos e não precisava de que ninguém O elucidasse acerca das pessoas, pois sabia o que havia dentro delas” (Jo 2, 23-25).

Leio, rezo, volto a ler e fico a pensar no perigo de Jesus não Se fiar de mim, porque, bem no fundo do meu coração, vê muito mais, antes, vê tudo aquilo que au não consigo ver, ou porque só Ele vê sem precisar dos meus olhos, ou porque eu próprio, contrariando até as lições de grandes mestres, tantos deles sem sequer terem a minha fé, deixo que todos os fascínios todas as ilusões, sombras e mentiras, encubram a verdade que liberta.

“Nós somos descendentes de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém”.

“O nosso pai é Abraão”.

“Nós não somos filhos ilegítimos; só temos um pai, que é Deus”.

Três solenes afirmações dos Judeus que tinham acreditado em Jesus, que as contesta ainda com mais solenidade.

Quem dera que tal não se repetisse tantas vezes hoje, nas nossas conversas informais, nos nossos encontros e nas nossas manifestações públicas e privadas de religiosidade!

Meu Deus, Vos que me conheceis melhor que eu próprio, quando Vos peço que aumenteis a minha fé, não me deis o que Vos peço, mas o que quereis dar-me!

Porque é em Vós, não em mim que acredito.

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